Poesia de Machado de Assis
Machado de Assis poeta?
Certamente você nunca (ou pouco) ouviu falar sobre essa faceta do maior escritor de nossa literatura brasileira, não é mesmo? Quando pensamos em Machado de Assis, imediatamente associamos seu nome aos clássicos “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Dom Casmurro”, “A mão e a luva”, entre outros romances que são leitura obrigatória para os amantes de nossas letras. Machado também foi contista incomparável, é dele os clássicos “Missa do galo”, “A cartomante”, “Teoria do Medalhão”, “O alienista”, entre outras pérolas que apenas confirmam sua genialidade.
Você pode até não saber, mas Machado também escreveu versos. É verdade que o poeta não chega aos pés do prosador, mas a poesia de Machado de Assis existe e merece sua atenção. Como poeta, publicou os livros Crisálidas, de 1864, Falenas, de 1870, Americanas, de 1875, e Poesias completas, de 1901, todas em domínio público, portanto, conhecê-las depende apenas de seu interesse. A produção poética de Machado de Assis ainda carece de leitores e deve sim ser redescoberta, afinal de contas, trata-se do fenomenal “Bruxo do Cosme Velho”, e nada do que ele escreveu deve ser negligenciado. Para você conhecer o lado poeta do maior escritor da literatura brasileira, o Mundo Educação selecionou cinco poemas de Machado de Assis para você conhecer e apreciar. Boa leitura!
Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.
Trago-te flores - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
A uma senhora que me pediu versos
Pensa em ti mesma, acharás
Melhor poesia,
Viveza, graça, alegria,
Doçura e paz.
Se já dei flores um dia,
Quando rapaz,
As que ora dou têm assaz
Melancolia.
Uma só das horas tuas
Valem um mês
Das almas já ressequidas.
Os sóis e as luas
Creio bem que Deus os fez
Para outras vidas.
Em destaque, na fotografia, o escritor Machado de Assis. Fotografia do acervo da Biblioteca Nacional
Livros e flores
Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?
Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?
No alto
O poeta chegara ao alto da montanha,
E quando ia a descer a vertente do oeste,
Viu uma cousa estranha,
Uma figura má.
Então, volvendo o olhar ao subtil, ao celeste,
Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,
Num tom medroso e agreste
Pergunta o que será.
Como se perde no ar um som festivo e doce,
Ou bem como se fosse
Um pensamento vão,
Ariel se desfez sem lhe dar mais resposta.
Para descer a encosta
O outro lhe deu a mão.
Círculo vicioso
Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
"Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
"Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela"
Mas a lua, fitando o sol com azedume:
"Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume"!
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta luz e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vagalume?"...