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Poemas de Miguel Torga

Miguel Torga é um dos principais nomes da moderna literatura portuguesa. Ao lado de outros escritores, fundou o Presencismo, a segunda geração do modernismo português.
Capa do livro Novos Contos da Montanha, de Miguel Torga. Publicação da editora portuguesa Dom Quixote
Capa do livro Novos Contos da Montanha, de Miguel Torga. Publicação da editora portuguesa Dom Quixote

Na moderna história da literatura portuguesa, o nome de Miguel Torga ganhou destaque entre os escritores do Presencismo, a segunda fase do modernismo em Portugal. Miguel Torga, pseudônimo de Adolfo Correia da Rocha, destacou-se como poeta, contista e memorialista, tendo dedicado-se também ao teatro, ao romance e aos ensaios. Foi um dos fundadores da revista Presença, principal publicação literária de Portugal entre os anos de 1927 e 1940 e responsável por divulgar os ideais presencistas.

Nascido na então freguesia de São Martinho da Anta, concelho de Sabrosa, Trás-os-Montes, Portugal, no dia 12 de agosto de 1907, Miguel Torga emigrou para o Brasil no ano de 1920 para trabalhar na fazenda de café de propriedade de seu tio em Minas Gerais. Regressou para Portugal no ano de 1925 e, como forma de agradecimento pelos serviços prestados durante cinco anos na fazenda, o tio custeou seus estudos. Em 1929, Torga ingressou na Faculdade de Medicina de Coimbra, curso no qual se formou no ano de 1933.

Ainda estudante, publicou seus primeiros livros e, em 1929, já coloborava com a revista Presença. Em 1930, em virtude de divergências estéticas com o programa literário defendido por José Régio, principal teórico do grupo, encerrou a parceria com a revista e afastou-se do Presencismo, assumindo uma posição independente no cenário da literatura portuguesa. Nessa época, passou a assinar seus textos com o pseudônimo que o tornaria famoso e fundou as revistas Sinal e Manifesto, ambas de efêmera duração no cenário literário português.

Conciliou sua clínica de otorrinolaringologia com a literatura e, ao longo da carreira de escritor, publicou mais de cinquenta livros em seis décadas. Indicado várias vezes ao Prêmio Nobel de Literatura, sem jamais recebê-lo, lançou seu último livro em 1993 e, em 17 de janeiro de 1995, faleceu na cidade de Coimbra, Portugal, em decorrência de um câncer. A obra de Miguel Torga destaca-se por seu caráter humanista: a experiência vivenciada entre trabalhadores rurais o fez perceber o valor de cada homem, sua força criadora e propagadora da vida e da natureza. Para o escritor, nenhuma divindade transcendente era digna de louvor, apenas a humanidade era objeto de sua admiração e adoração.

Para que você mergulhe no universo desse grande escritor, o Mundo Educação selecionou cinco poemas de Miguel Torga para você conhecer melhor sua lírica humanista. Esperamos que esses sejam apenas os primeiros de muitos outros. Boa leitura!

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“(...) Não descanses, de nenhum fruto queira só metade (...)”. Trecho do poema Sísifo, de Miguel Torga

Só eu Sinto Bater-lhe o Coração

Dorme a vida a meu lado, mas eu velo. 
(Alguém há-de guardar este tesoiro!) 
E, como dorme, afago-lhe o cabelo, 
Que mesmo adormecido é fino e loiro. 

Só eu sinto bater-lhe o coração, 
Vejo que sonha, que sorri, que vive; 
Só eu tenho por ela esta paixão 
Como nunca hei-de ter e nunca tive. 

E logo talvez já nem reconheça 
Quem zelou esta flor do seu cansaço... 
Mas que o dia amanheça 
E cubra de poesia o seu regaço! 

 

Liberdade

— Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

— Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.

Poema Melancólico a não sei que Mulher

Dei-te os dias, as horas e os minutos 
Destes anos de vida que passaram; 
Nos meus versos ficaram 
Imagens que são máscaras anónimas 
Do teu rosto proibido; 
A fome insatisfeita que senti 
Era de ti, 
Fome do instinto que não foi ouvido. 

Agora retrocedo, leio os versos, 
Conto as desilusões no rol do coração, 
Recordo o pesadelo dos desejos, 
Olho o deserto humano desolado, 
E pergunto porquê, por que razão 
Nas dunas do teu peito o vento passa 
Sem tropeçar na graça 
Do mais leve sinal da minha mão... 

Sísifo

Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Cântico de Humanidade

Hinos aos deuses, não. 
Os homens é que merecem 
Que se lhes cante a virtude. 
Bichos que lavram no chão, 
Actuam como parecem, 
Sem um disfarce que os mude. 

Apenas se os deuses querem 
Ser homens, nós os cantemos. 
E à soga do mesmo carro, 
Com os aguilhões que nos ferem, 
Nós também lhes demonstremos 
Que são mortais e de barro. 

Publicado por Luana Castro Alves Perez

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