Presencismo
O modernismo português teve início nos primeiros anos do século XX e desenvolveu-se até o final do Estado Novo, na década de 1970. Trata-se de um período amplo da história da literatura portuguesa, no qual três diferentes momentos podem ser observados: o Orfismo, o Presencismo e o Neorrealismo. Hoje falaremos sobre o Presencismo, movimento literário de grande relevância que foi representado por importantes nomes, entre eles os escritores José Régio e Miguel Torga.
O Presencismo, também conhecido como a segunda fase do modernismo português, teve início no ano de 1927 com a publicação da Revista Presença: Folha de Arte e Crítica. Passada a experiência da Revista Orpheu, importante publicação responsável por difundir a estética dos primeiros modernistas portugueses, entre eles Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros, a Revista Presença reuniu aqueles que não participaram do Orfismo em virtude de divergências estéticas. Ao contrário do Orfismo, que tinha como objetivo apresentar uma poesia que rompesse com os padrões literários vigentes, chocando e provocando a crítica e público, sobretudo a burguesia, o Presencismo tinha como ideal interrogar o sentido da existência humana.
Capa da primeira edição da Revista Presença. Lançada em Coimbra, em 10 de março de 1927, teve seu último número publicado em 1940
Enquanto o Orfismo olhava para o homem, sua condição no mundo e seu futuro, o Presencismo preferiu trilhar o caminho inverso ao criar uma literatura introspectiva, tida por muitos, sobretudo pelos orfistas, como uma literatura alienada, distante das séries crises políticas enfrentadas naquele momento pela Europa. Essa alienação social permitiu que os jovens presencistas aproximassem a literatura portuguesa da época às teorias sobre o inconsciente humano defendidas por Freud. Além disso, os presencistas sofreram também grande influência de escritores como Proust e Dostoiévski, cuja produção literária apresentava forte traço psicologizante. Entre os principais autores do período, destacam-se José Régio — fundador e diretor da Revista Presença, considerado o grande teórico do grupo —, Miguel Torga, João Gaspar Simões, Adolfo Casais Monteiro e Branquinho da Fonseca.
Narciso
Dentro de mim me quis eu ver. Tremia,
Dobrado em dois sobre o meu próprio poço...
Ah, que terrível face e que arcabouço
Este meu corpo lânguido escondia!
Ó boca tumular, cerrada e fria,
Cujo silêncio esfíngico bem ouço!
Ó lindos olhos sôfregos, de moço,
Numa fronte a suar melancolia!
Assim me desejei nestas imagens.
Meus poemas requintados e selvagens,
O meu Desejo os sulca de vermelho:
Que eu vivo à espera dessa noite estranha,
Noite de amor em que me goze e tenha,
...Lá no fundo do poço em que me espelho!
José Régio
Identidade
Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E em vez de rimas, uso
As consonâncias que há no sofrimento.
Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo o coração que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.
Mas como as inscrições nas penedias
Têm maior duração,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção.
Miguel Torga
O grande mérito dos escritores presencistas foi divulgar as conquistas da primeira geração modernista (observa-se aqui certo dialogismo com a história do modernismo brasileiro), consolidando a nova visão estética em Portugal. Ao buscar sempre uma “literatura original, viva e espontânea”, o Presencismo defendeu a liberdade literária e rejeitou a ideia de que a arte pudesse submeter-se a quaisquer princípios que não os artísticos, livrando-se assim dos academicismos e do compromisso com uma literatura socialmente engajada. O Presencismo vigorou até 1940, ano em que foi publicado o último número da Revista Presença, publicação que ficou consagrada como a revista literária de maior duração do país. Teve início, então, o chamado Neorrealismo, conhecido também como terceira geração modernista, movimento que foi fortemente influenciado pelo romance regionalista brasileiro.