Foquismo
“Foquismo” é o nome dado à teoria revolucionária desenvolvida pelo guerrilheiro argentino Ernesto Guevara de la Serna, mais conhecido como “Che” Guevara, e o sociólogo francês Regis Debray (amigo do primeiro) na segunda metade da década de 1960. O termo “foquismo” deriva da palavra “foco”, já que tal teoria advogava a instalação de vários focos de guerrilha nas zonas rurais dos países latino-americanos, de modo que esses focos pudessem, paulatinamente: 1) ganhar a adesão das massas; 2) destruir ou submeter o poder das forças armadas; 3) constituir um governo revolucionário de caráter socialista.
O foquismo passou a ser teorizado após o grupo dos irmãos (Fidel e Raul) Castro ter conseguido tomar o poder em Cuba no ano de 1959. O próprio “Che” Guevara era um dos comandantes desse grupo.
A Revolução Cubana e a OLAS
Em 1960 (um ano após a Revolução Cubana), “Che” Guevara publicou o livreto “Guerra de Guerrilhas”. Nesse escrito, o guerrilheiro argentino pregava a exportação do modelo da guerrilha revolucionária para toda a América Latina, bem como para a África e Ásia. A metáfora que Guevara usava era a da criação de “vários Vietnãs”, em alusão à guerra de guerrilhas que provocou a guerra civil no referido país. A perspectiva de Guevara ganhou ganhou relevo internacional a partir de 1966 com a realização da I Conferência Tricontinental em Havana, que criou a Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), um órgão que visava a financiar e treinar membros de grupos guerrilheiros advindos de toda a América Latina, inclusive do Brasil.
Definição do “foco guerrilheiro”
À tentativa de sistematização da teoria do “foco guerrilheiro” de Guevara juntou-se o pensamento do sociólogo francês Regis Debray, discípulo do filósofo marxista estruturalista Louis Althusser. Debray foi a Cuba acompanhar de perto as ações do grupo dos Castro e de Guevara e seguiu os passos desse último também na Bolívia – onde foi preso, e Guevara, morto. Debray publicou, em 1967, a obra “Revolução na Revolução”, que se tornou o principal manual do “foquismo”. Nessa obra, havia a clara ruptura com a perspectiva dos Partidos Comunistas tradicionais de então, de orientação marxista-leninista, que procuravam primeiramente formar uma vanguarda política revolucionária para, depois, partir para a luta armada.
O “foquismo” pregava o contrário: o uso da luta armada, com ações de guerrilha e terrorismo, deveria ser o primeiro passo da revolução para evitar a burocratização dela pelos partidos, que tradicionalmente hierarquizavam o processo revolucionário na estrutura de um Estado Autoritário. Para Guevara e Debray, era necessário começar com a guerrilha por meio da criação de “focos” no meio rural, como bem expõe o militar e historiador Alessandro Visacro:
[…] Esse foco deveria ser instalado em áreas remotas e inacessíveis, que proporcionassem, além de liberdade de ação, locais de homizio, redutos e “santuários” aos rebeldes. Ações urbanas, desempenhariam um papel de apoio, meramente secundário. O êxito da guerrilha, progressivamente, minaria o poder do Estado, atrairia a atenção da mídia e o apoio popular, permitindo-lhe avançar sobre as áreas ainda controladas pelas forças armadas. [1]
Visacro observou ainda que o foquismo:
[…] forneceu a ilusão de uma alternativa revolucionária viável a curto prazo, pois dispensava o lento amadurecimento de “condições objetivas”, o fortalecimento das organizações de massa ou a disseminação de uma “consciência revolucionária” em escala nacional. A luta armada, desencadeada de imediato, sem o inchado aparato partidário ou a letargia da burocracia sindical, tornar-se-ia a grande força propulsora da revolução política e da transformação social. [2]
Ecos do “foquismo” no Brasil
A proposta da teoria do foco guerrilheiro foi absorvida por alguns grupos revolucionários dissidentes do Partido Comunista Brasileiro. Esse foi o caso da Ação Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighela, que se tornou autor do “Minimanual do guerrilheiro urbano”, um libreto com instruções de guerrilha e terrorismo bastante utilizado nos anos 1970. Podemos citar também a Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares (VAR-Palmares), de Carlos Lamarca, e, por fim, o Partido Comunista do Brasil (PC do B), de João Amazonas e Maurício Grabois, que mesclaram elementos do “foquismo” com o maoismo chinês na construção da Guerrilha do Araguaia.
NOTAS
[1] VISACRO, Alessandro. Guerra Irregular: terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história. São Paulo: Contexto, 2009. p. 143.
[2] Ibid. p. 143.