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Voto de cabresto

O voto de cabresto foi uma prática eleitoral recorrente durante a Primeira República, na qual o eleitor, por diferentes motivos, votava no candidato indicado por um coronel.
Coronéis do Ceará em fotografia de 1917, em texto sobre voto de cabresto.
O voto de cabresto era usado pelos coronéis (donos de terras, membros da Igreja e jagunços) para controlar a população.

O voto de cabresto foi uma prática muito adotada durante a Primeira República e peça fundamental do sistema político da época que garantia às oligarquias agrárias a sua manutenção no poder local, estadual e federal. O coronel estava na base do sistema político, exercendo controle sobre a população que vivia na sua região, e essa população era seu “curral eleitoral”.

Nesse período, o processo eleitoral era descentralizado, o que dava grande poder para as elites locais. O controle do coronel sobre o curral eleitoral só ocorria, de fato, por causa do voto aberto, que possibilitava a fiscalização de quem votou, ou não, em seus indicados.

Leia também: Padre Cícero — figura que atravessou a influência religiosa e alcançou a política dos coronéis

Resumo sobre voto de cabresto

  • O voto de cabresto ocorre quando um eleitor vende o seu voto ou vota em um candidato, contra a sua vontade, por sofrer algum tipo de coerção.
  • Foi durante a Primeira República que o voto de cabresto ocorreu.
  • Os eleitores eram controlados por um coronel, membro da elite local que tinha poder político, econômico e militar.
  • As fraudes eram comuns durante as eleições da Primeira República.
  • O clientelismo e a coerção psicológica e física foram as principais estratégias utilizadas pelos coronéis no voto de cabresto.
  • Durante a Primeira República, a organização das eleições era descentralizada e o voto era aberto, práticas que possibilitaram o voto de cabresto.

O que foi o voto de cabresto?

O voto de cabresto foi uma prática eleitoral na qual um coronel e seu grupo político interferiam na escolha dos eleitores da sua região de influência. O voto durante a Primeira República era aberto, ou seja, era possível identificar em quem o leitor votou, ponto fundamental para que o existisse o voto de cabresto.

Os coronéis dominavam a administração pública em muitos municípios do interior do Brasil, e a distribuição de cargos públicos era uma estratégia muito utilizada para garantir que os eleitores votassem nos candidatos das elites locais. O grande poder econômico dos coronéis também era utilizado sobre a população por meio da distribuição de dinheiro, roupas, sapatos, alimentos e diversos outros bens.

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Muitos coronéis da Primeira República tinham poder militar superior ao das forças policiais da região, e a força de seus jagunços também era utilizada para garantir votos. O voto de cabresto foi um fenômeno majoritariamente presente nas áreas rurais do Brasil e restrito aos anos da República Velha, embora diversas práticas desse tipo de voto permaneçam na atualidade.

→ Por que era chamado “voto de cabresto”?

Cavalo em texto sobre voto de cabresto.
O termo “voto de cabresto” faz alusão ao controle dos coronéis sobre o povo.[1]

O cabresto é um arreio utilizado em burros e cavalos com o objetivo de controlar o animal. O termo ilustra o controle do coronel sobre o voto dos eleitores.

Veja também: Guerra de Canudos — um dos conflitos mais violentos ocorridos no Brasil durante a Primeira República

História do voto de cabresto

→ Voto de cabresto e o coronelismo

Não é possível entender o voto de cabresto sem antes entendermos o coronelismo. Durante o Período Regencial, foi criada a Guarda Nacional, espécie de milícia responsável por garantir a ordem regionalmente e que podia ser convocada pelo Estado em caso de guerra. Os comandantes dessas milícias eram chamados de coronéis, e, após a Proclamação da República, eles passaram a ter grande importância no sistema político brasileiro.

A maior parte dos coronéis era de grandes latifundiários, que viviam de atividades agropastoris e controlavam grande quantidade de trabalhadores. Muitos destes eram jagunços, capangas armados utilizados na segurança do coronel e de suas propriedades. Alguns comerciantes também foram coronéis, assim como alguns membros da Igreja Católica.

O infográfico abaixo ilustra o coronelismo na Bahia. Observe que o poder militar dos coronéis era superior ao das forças de segurança da região.

voto-carbrest-coronelismo
Coronelismo na República Velha. (Fonte FGV) Para visualizar a imagem em melhor resolução, clique aqui.[2]

Muitas vezes, dois ou mais coronéis entravam em conflito por disputa de terras e poder. O período de vigência do coronelismo foi marcado por grande violência nas áreas rurais do Brasil, sobretudo nas épocas de eleições. Alguns jagunços se tornaram cangaceiros, como Lampião. Ele foi jagunço de um coronel que havia sido assassinado por jagunços de outro coronel. Alguns historiadores afirmam que Lampião criou seu grupo de cangaceiros para vingar a morte do antigo patrão.

As fraudes nas eleições e as formas de coerção

Existem diversas pesquisas sobre as fraudes nas eleições ocorridas durante a Primeira República. Cada uma delas utilizou fontes diferentes, como notícias de periódicos, charges, depoimentos do período e registros oficiais. As fraudes se iniciavam na primeira etapa da eleição, a de alistamento dos eleitores e registro das candidaturas.

Durante a Primeira República, esteve em vigor a Constituição de 1891, na qual tinham direito ao voto os homens alfabetizados e maiores de 21 anos. Mulheres, pessoas em situação de rua, analfabetos, membros de ordens religiosas e militares não tinham direito ao voto. O modo como a pessoa era considerada alfabetizada variava de acordo com o interesse dos coronéis.

Todo o alistamento eleitoral ficava a cargo das sessões eleitorais locais, que geralmente eram controladas por um coronel ou pequeno grupo político. As fraudes nessa etapa ocorriam com o registro de eleitores que votariam no candidato no coronel e com a exclusão de possíveis eleitores da oposição, caso ela existisse.

As fontes da época mostram que práticas como o alistamento de pessoas falecidas, de analfabetos e de pessoas que nem mesmo existiam ocorriam durante as eleições da República Velha.

No dia da eleição, novas fraudes ocorriam, com alguns eleitores sendo impedidos de votar, o registro de votos inexistentes nos livros, a coação dos eleitores, entre outras.

Na terceira fase das eleições, a apuração, as fraudes continuavam com a exclusão de alguns votos da contagem oficial e o acréscimo de outros. Por fim, as fraudes também ocorriam na última fase das eleições, a diplomação, feita pelo Legislativo nacional por meio da Comissão Verificadora de Poderes.

A comissão teve importante papel na manutenção da política dos governadores, realizando a “depuração” dos eleitos que representavam as elites locais e o rechaço de políticos opositores dessa elite, a famosa “degola”, impedindo que estes fossem diplomados e assumissem seus cargos.

Diferenças entre voto de cabresto e clientelismo

Podemos afirmar que o clientelismo era uma das práticas do voto de cabresto, mas existiam outras, como a coerção e a fraude eleitoral. Dessa forma, o clientelismo era parte do voto de cabresto.

O clientelismo consiste na distribuição de empregos, muitas vezes públicos, de dinheiro, de serviços, de alimentos ou de bens em troca de votos ou apoio político, sendo uma das principais estratégias utilizadas pelos coronéis durante a Primeira República.

Saiba mais: O que é considerado crime eleitoral?

Voto de cabresto na atualidade

Existe discussão entre especialistas, sobretudo entre historiadores, sobre se podemos utilizar o termo “voto de cabresto” na atualidade. Um grupo defende que não, que a prática era uma característica da Primeira República e que analogias não devem ser feitas. Outro grupo defende que sim, que o voto de cabresto se modificou durante as décadas, penetrando associações, empresas, comunidades carentes e diversos outros lugares, mas, ainda assim, mantendo sua essência.

Divergências conceituais à parte, há consenso entre os pesquisadores de que diversas práticas que levavam ao voto de cabresto ainda existem, uma delas é o clientelismo. Cargos comissionados, que não necessitam de concurso público e no qual o agente público é nomeado, são utilizados como moeda de troca para apoio político e votos em todo o Brasil. Segundo dados do Tribunal de Contas da União, em 2012 existiam no Brasil 600 mil pessoas trabalhando em cargos comissionados.

Em 2022, explodiram no Brasil denúncias de assédio eleitoral, com abuso de poder econômico, abuso do poder político e compra de votos. Entre as denúncias estavam casos de empresários que prometeram bônus aos funcionários que votassem em Jair Bolsonaro, que ameaçaram realizar demissões caso Lula fosse o vencedor ou mesmo fechar a empresa.|1|

Em 2024, o empresário Luciano Hang, da Havan, foi condenado pela justiça a pagar uma multa de 85 milhões de reais por crime de assédio eleitoral praticado durante as eleições de 2018. Durante esse período, Hang fez diversas reuniões com seus funcionários, pressionando-os a votarem em Jair Bolsonaro e ameaçando-os com demissões em massa caso Lula saísse vencedor. O empresário recorreu da decisão.|2|

Também tem crescido nos últimos anos a ameaça de milícias e facções criminosas ao processo eleitoral. Esses grupos controlam diversas comunidades no território brasileiro e pressionam os eleitores dessas comunidades a votarem em seus candidatos. Algo muito semelhante ao que os antigos coronéis e seus jagunços faziam.

Votação em urna eletrônica em texto sobre voto de cabresto.
Para muitos especialistas, retomar o voto impresso resultaria na volta do voto de cabresto no Brasil.[3]

Atualmente, muitos políticos, partidos e grupos políticos defendem o voto impresso. No entanto, os especialistas defendem que o voto impresso apenas favoreceria as milícias e facções criminosas, que passariam a exigir, dos eleitores sob seu controle, o comprovante de que votaram nos seus candidatos. Para muitos, o voto impresso significaria a volta do voto de cabresto no Brasil.

Notas

|1| MONTANINI, M. O voto de cabresto na campanha eleitoral de 2022. Nexo, 9 out. 2022. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/10/09/o-voto-de-cabresto-na-campanha-eleitoral-de-2022

|2| CALDAS, J; PACHECO, J. Luciano Hang e lojas Havan são condenados a pagar R$ 85 milhões por assédio eleitoral. G1 SC, 31 jan. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2024/01/31/luciano-hang-havan-condenacao-assedio-eleitoral.ghtml

Crédito das imagens

[1] Wikimedia Commons

[2] FGV PCDOC

[3] rafapress/ Shutterstock

Fontes

CALDAS, J; PACHECO, J. Luciano Hang e lojas Havan são condenados a pagar R$ 85 milhões por assédio eleitoral. G1 SC, 31 jan. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2024/01/31/luciano-hang-havan-condenacao-assedio-eleitoral.ghtml

FERREIRA, J. O Brasil republicano: o tempo do liberalismo oligárquico – Da Proclamação da República à Revolução de 1930. Editora Civilização Brasileira, São Paulo, 2018.

LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto. Companhia das Letras, São Paulo, 2012.

MONTANINI, M. O voto de cabresto na campanha eleitoral de 2022. Nexo, 9 out. 2022. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/10/09/o-voto-de-cabresto-na-campanha-eleitoral-de-2022

SANTOS, S. M. Paradoxo da República do Brasil – Entre ordem jurídica e identidade nacional. Juruá Editora, Curitiba, 2008.

Publicado por Jair Messias Ferreira Junior

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