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Cangaço

O cangaço foi um fenômeno social que ocorreu na região do semiárido brasileiro entre 1870 e 1940. O bando de cangaceiros mais famoso foi o comandado por Lampião.
Membros do bando de Lampião. No centro estão Maria Bonita e Lampião, conhecido como o Rei do Cangaço.
Membros do bando de Lampião em fotografia de 1936 ou 1937. No centro estão Maria Bonita e Lampião, conhecido como o Rei do Cangaço.

O cangaço foi um fenômeno social, político e cultural ocorrido no Sertão nordestino e que atingiu seu auge no entre 1870 e 1940. Durante esse período, diversos grupos de cangaceiros atuaram no Sertão, levando uma vida seminômade e mantendo constante movimentação pela Caatinga, o que dificultava a repressão do Estado brasileiro.

O cangaço ganhou força a partir de 1889, com a Proclamação da República e a mudança do poder centralizado no Rio de Janeiro para o poder local, comumente exercido pelos coronéis. Os bandos de cangaceiros praticavam diversos crimes nos locais por onde passavam, como roubos, assassinatos, estupros, mutilações, entre vários outros.

Muitas vezes esses grupos dominavam pequenas cidades do Sertão, controlando as redes de comunicação dessas localidades, como centrais de telégrafo e estações de trem. Alguns cangaceiros vendiam seus serviços para coronéis, perseguindo e matando seus opositores em troca de dinheiro.

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Resumo sobre o cangaço

  • O cangaço foi um fenômeno social, político e cultural que ocorreu no Sertão nordestino, principalmente entre 1870 e 1940.
  • Os cangaceiros se movimentavam pela Caatinga, assaltando fazendas e pequenas cidades do Sertão. Muitas vezes, assassinavam autoridades locais.
  • Desde a época do cangaço, a opinião pública sobre o movimento se dividia. Para alguns, eles eram heróis praticando o que é chamado de banditismo social, para outros, eles eram criminosos cruéis que agiam apenas em benefício próprio.
  • Para combater o cangaço, autoridades dos estados do Nordeste criaram as chamadas volantes — tropas de policiais especializados na Caatinga e que podiam se locomover livremente pelo Sertão, não respeitando os limites de estado.
  • Virgulino Ferreira da Silva, conhecido como Lampião, foi o líder mais popular do cangaço. Durante quase 20 anos, ele perambulou pelo Sertão, praticando diversos crimes, muitos deles com extrema violência. Ele foi assassinado pelas volantes em 1938.
  • Atualmente o cangaço faz parte da cultura brasileira, sendo tema comum em diversas manifestações culturais e populares, como no Carnaval, nas Festas Juninas, no teatro, no cinema, na música, entre outras.
  • Na atualidade ocorre no Brasil um fenômeno social conhecido como neocangaço, sobretudo nas regiões Sul e Sudeste. No neocangaço, grupos de criminosos fortemente armados dominam pequenas e médias cidades, assaltando instituições financeiras.

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O que foi e origem do cangaço

O cangaço é um fenômeno antigo no Brasil. Existem relatos de grupos de cangaceiros que circulavam pelo Sertão nordestino desde o século XVIII, mas foi a partir da década de 1870 que eles começaram a ganhar destaque na imprensa nacional.

O primeiro cangaceiro de repercussão nacional foi Jesuíno Brilhante, que, a partir de 1871, formou um poderoso grupo que circulou pelo Sertão, atacando principalmente fazendas dos grandes coronéis da região.

Jesuíno Brilhante nasceu em uma família aristocrática, com posses. Acredita-se que ele se tornou um fora da lei após matar um homem que havia agredido seu irmão. Brilhante foi assassinado, em 1879, pelas volantes — como os cangaceiros chamavam as tropas policiais que os combatiam.

Durante o Segundo Império, o poder no Brasil era centralizado no Rio de Janeiro, nas mãos de Dom Pedro II. Com a Proclamação da República, em 1889, o poder foi descentralizado, passando para as elites estaduais e municipais, controladas pelos grandes proprietários de terras, os chamados coronéis. Estes contavam com grande influência política e econômica em suas localidades. Também contavam com grupos de jagunços armados, tendo poder militar em suas regiões muitas vezes maior do que o da República.

Com todo esse poder, havia, muitas vezes, desmandos dos coronéis, abusos cometidos contra a população local, disputas por terra e gado, além de lutas entre famílias poderosas que disputavam o poder local. Essas condições levaram ao aumento dos grupos do cangaço no final do século XIX e início do XX.

Não sabemos a data exata, mas foi entre 1897 e 1898 que nasceu, em Serra Talhada, Virgulino Ferreira da Silva, que anos mais tarde passaria a ser conhecido como Lampião, o Rei do Cangaço. Virgulino nasceu em uma família de camponeses que cultivavam a terra e criavam gado.

Por volta de 1915, as coisas começaram a mudar para a família Ferreira da Silva. Nesse ano, ela entrou em conflito com a família de José Alves de Barros, conhecido como Zé Saturnino. As famílias se acusavam mutuamente de invasões de terras e roubo de animais. A família De Barros era muito influente na região, e seus capangas agrediram e mataram membros da família Ferreira.

Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.

Foi por volta de 1918 que Virgulino se tornou cangaceiro para vingar todo esse conflito familiar. Sabe-se que, em 1921, ele fazia parte do bando do Sinhô Pereira, que saiu o cangaço em 1922, deixando Virgulino, agora Lampião, como líder. Lampião perambulou pelo Sertão por quase duas décadas, praticando crimes, dominando temporariamente cidades, executando autoridades e pessoas que passavam informações para a polícia.

Em 1930, ele se uniu à Maria Bonita, que passou a integrar o bando. Em 1938, Lampião, Maria Bonita e mais nove membros do bando foram mortos a tiros pelas volantes em um local chamado Grota do Angico, no estado de Sergipe. Todos os 11 cangaceiros foram decapitados, segundo os relatos, alguns ainda estavam vivos quando foram degolados, e suas cabeças foram levadas para diversas cidades, onde permaneceram em exposição.

Com a morte de Lampião, o cangaceiro Corisco passou a liderar os membros restantes do grupo, e ele foi assassinado pelas volantes em 1940. Após o fim do grupo de Lampião, o cangaço perdeu força, e muitos cangaceiros deixaram o movimento após o presidente do período, Getúlio Vargas, dar uma anistia e perdoar os crimes cometidos por eles, desde que depusessem armas e se entregassem às autoridades.

Leia também: Era Vargas — tudo sobre os 15 anos de Vargas no poder

Origem da palavra cangaço

Existem diversas versões para explicar a origem da palavra cangaço, a mais aceita é a de que os cangaceiros, ao andarem por trilhas e estradas do Sertão, colocavam os dois braços sobre o fuzil, que era apoiado nos ombros e nuca. Essa posição lembrava as cangas que eram colocadas nas juntas de bois que puxavam carroças, os carros de boi, no período.

Características do cangaço e como atuava

O cangaço foi um fenômeno social que ocorreu no Sertão nordestino, na região do semiárido, onde a Caatinga domina a paisagem. A primeira característica do cangaço é a formação de grupos de pessoas consideradas fora da lei, geralmente perseguidas pela polícia. Esses grupos tinham grande mobilidade, movimentando-se durante o dia e pernoitando em vilarejos onde tinham apoio ou mesmo em abrigos na Caatinga.

Algumas vezes os grupos atacavam cidades, dominavam os policiais e outras autoridades, confiscavam as bebidas do local e passavam a noite cantando, bebendo e cometendo crimes. A constante movimentação em locais de difícil acesso dificultava a repressão do Estado aos cangaceiros, além disso, muitas cidades do Sertão tinham forças policiais compostas por poucos homens e armamentos inferiores aos dos grupos. Algumas vezes as forças policiais fugiam ao saber da aproximação de um bando.

Outra característica do cangaço é a estética própria desse movimento. Os cangaceiros utilizavam chapéu de couro dobrado na frente, lenço de seda colorido no pescoço, bornais dos dois lados do corpo, cartucheiras penduradas, camisa de tecido riscado, anéis e diversos adereços de ouro e prata. O modo de vestir mostrava o poder do cangaceiro e criava a identidade entre os diferentes grupos, como uma espécie de movimento cultural.

Também tinham sempre junto ao corpo facas, punhais e revólveres ou pistolas. O próprio Lampião costurava e bordava parte de suas roupas. A estética cangaceira foi apropriada pela cultura brasileira, sendo referência em diversas expressões artísticas, sobretudo do Nordeste.

Maria Bonita, Lampião e cangaceiro não identificado com trajes característicos.
Maria Bonita, Lampião e cangaceiro não identificado com trajes característicos.

Lampião e Maria Bonita

No final da década de 1920, Lampião e seu bando passavam sempre pelo município de Paulo Afonso, onde ele conheceu Maria Gomes de Oliveira, uma mulher casada da qual Lampião encomendava bordados. Com o passar do tempo, Lampião se apaixonou por Maria. Em 1930, ela abandonou o marido e passou a integrar o bando de Lampião como sua companheira.

Lampião e Maria Bonita. (Créditos: Rubens Antonio/UOL)
Lampião e Maria Bonita. (Créditos: Rubens Antonio/UOL)

Maria Bonita foi a primeira mulher a fazer parte do Cangaço, depois dela, muitas outras passaram a integrar diferentes bandos de cangaceiros. Na época Maria era chamada pelos cangaceiros como Maria de Déa, mas depois entrou para a história como Maria Bonita.

Lampião e Maria Bonita tiveram uma filha chamada Maria Expedita. Devido à impossibilidade de criar uma criança em meio à vida seminômade e a combates na Caatinga, entregaram-na para um casal de amigos criar. Em 2023, aos 90 anos, Maria Expedita recebeu, da Câmara Municipal de Aracaju, o título de cidadã aracajuana.

  • Videoaula sobre Maria Bonita

Principais cangaceiros

  • Jesuíno Brilhante: conhecido como o Cangaceiro Romântico, perambulou com o seu bando pelo Sertão na década de 1870. Seus principais inimigos eram grandes coronéis da região, muitos afirmam que ele não atacava pobres e pequenos comerciantes, o que lhe deu a alcunha de “Romântico”.
  • Antônio Silvino: ele e o irmão entraram para o cangaço em 1897, após o assassinato do pai. Tinha a empresa The Great Western of Brazil Railway Company como grande inimiga. Essa empresa construiu ferrovias no Nordeste, e Silvino considerava que, para tanto, ela havia retirado terras de sua família. Ele chegou a destruir trilhos da empresa e a sequestrar alguns de seus funcionários. Foi preso em 1914 e ficou na cadeia até 1937.
  • Zé Baiano, o Ferrador de Gente: era lugar-tenente do bando de Lampião e ficou conhecido por sua extrema crueldade. Ele tinha um ferro de marcar gado com as letras JB, de José Baiano, e com ele queimou mulheres que, na visão dele, tinham comportamento inadequado. Foi traído por um coiteiro e morreu em uma emboscada em 1936.
  • Corisco: nascido como Cristino Gomes da Silva Cleto, entrou para o cangaço após sofrer perseguições de um coronel por ter assassinado um de seus jagunços. Era membro do grupo de Lampião, louro, alto e considerado muito bonito. Também tinha o apelido de Diabo Louro e era considerado um cangaceiro violento. Após o assassinato de Lampião, assassinou uma família inteira por achar que ela tinha entregado o bando, o que de fato não aconteceu. Foi assassinado por volantes em 1940.

Leia também: Padre Cícero — a biografia dessa figura religiosa de grande influência política

Quais foram as consequências do cangaço?

A maior contribuição dos cangaceiros foi para a cultura nacional. O modo de vida do cangaço, seu modo de vestir, suas tradições estão presentes em diversas manifestações culturais do Brasil, e cangaceiros como Lampião foram temas de músicas de diversos artistas, assim como de cordéis, peças de teatro, filmes, entre outras manifestações artísticas. O modo de vestir do cangaço também inspirou e inspira diversos artistas, como Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.

Neocangaço

No início da década de 1990, surgiu no Brasil um fenômeno social que passou a ser chamado de neocangaço. O mecânico de automóveis Valdetário Benevides Carneiro foi acusado de roubar, acompanhado de seu primo, um automóvel, e os dois acabaram presos pela Polícia Militar do Rio Grande. Valdetário afirmou que foi humilhado pela polícia, torturado e que era inocente do crime.

No início dos anos 2000, Valdetário formou um grupo e iniciou ataques a diversas cidades do Sertão nordestino, usando, muitas vezes, as táticas dos antigos cangaceiros: entrar na cidade de surpresa, dominar as forças policiais locais e praticar saques e roubos.

Valdetário e seu bando atacaram aproximadamente 100 municípios em 3 anos de atuação. Foi morto em 2003 por policiais que afirmaram que ele morreu em uma troca de tiros. Já sua família afirma que ele se rendeu e depois foi assassinado. Seu enterro reuniu mais de 10 mil pessoas, muitas delas com faixas em sua homenagem.

A partir de 2020, novos grupos de neocangaceiros surgiram no Brasil, sobretudo na região Sudeste. Esses grupos são compostos por dezenas de bandidos com armamento pesado, eles dominam pequenas e médias cidades e atacam instituições financeiras. Entre 2020 e 2023, grupos de neocangaceiros realizaram sete grandes ataques nas regiões Sul e Sudeste do Brasil.

Fontes

BARREIRA, Wagner. Lampião e Maria Bonita: uma história de amor entre balas. São Paulo: Planeta, 2018.

MELLO, Frederico Pernambucano de. Apagando o Lampião: vida e morte do rei do cangaço. São Paulo: Global, 2018.

SANTOS, Wilson Alvares dos. Cangaço: um movimento social. Revista Caribeña de Ciencias Sociales, 2018. Disponível em https://dspace.unila.edu.br/bitstream/handle/123456789/4026/cangaco-movimento-social.pdf?sequence=1&isAllowed=y.

Publicado por Jair Messias Ferreira Junior

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