Racismo científico

O racismo científico é a união entre o cientificismo do século XIX e ideologias racistas do período moderno, o que resultou na eugenia, no higienismo e no darwinismo social. No Brasil, foi defendido por muitos intelectuais e influenciou políticas públicas que buscavam o branqueamento da sociedade, especialmente após a abolição de 1888.
O racismo científico na atualidade, apesar de ter sido completamente refutado, continua flertando com ideologias pós-racialistas, ou seja, que acreditam que o racismo já foi superado e que não precisamos nos preocupar com isso.
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Resumo sobre racismo científico
- O racismo científico não é ciência, mas sim uma raciologia desenvolvida no século XIX com objetivos políticos e ideológicos.
- A hierarquia social defendida pelo racismo científico começava pelo homem branco europeu, depois os indígenas e abaixo todos os negros.
- O racismo científico na atualidade foi refutado por cientistas de todo o mundo, que conseguiram demonstrar a unidade do gênero humano.
- O racismo científico tentou dividir a humanidade em tipos biologicamente distintos, de modo que os demais povos eram inferiorizados para valorizar os brancos europeus.
- A eugenia é uma das ideias mais perigosas defendidas pelo racismo científico, além do higienismo e do darwinismo social.
- O racismo científico no Brasil foi representado por médicos e intelectuais que buscavam “purificar” a sociedade.
- O racismo científico marcou a história do pensamento social no Ocidente e influenciou fatos como o Apartheid, na África do Sul, e o nazismo, na Alemanha.
Videoaula sobre racismo científico
O que é racismo científico?
O racismo científico é uma noção desenvolvida por cientistas europeus junto com a construção da moderna noção de raça entre os séculos XVII e XIX. As teorias do racismo científico tentaram dividir a humanidade em tipos biologicamente distintos, de modo que ela fosse ordenada em uma escala de superioridade e inferioridade. Os europeus, naturalmente, defenderam o racismo científico porque tinham interesse em serem vistos como superiores.
O racismo científico é uma extensão ideológica dos processos históricos de colonização e imperialismo dos europeus, que usaram a raciologia produzida por cientistas e intelectuais para justificar a conquista e a opressão dos demais povos do mundo.
Contexto histórico do surgimento do racismo científico

O século XIX foi marcado pela intensificação da atividade científica e pelo prestígio da ciência moderna, especialmente as ciências biológicas e da natureza. A publicação de A Origem das Espécies por Charles Darwin, em 1858, introduziu a teoria da evolução por seleção natural. A publicação foi muito impactante, seja no público em geral, seja no entendimento científico sobre a diversidade humana e o desenvolvimento das espécies.
Embora não tenha defendido diretamente o racismo científico, a teoria de Darwin foi distorcida e transformada por outros intelectuais no darwinismo social, uma ideologia que hierarquizava os seres humanos com base em características biológicas e culturais.
O racismo científico, portanto, decorreu da união entre o racismo europeu com o prestígio de algumas ciências datadas do século XIX, como a frenologia, a eugenia e a antropologia criminal (criminologia). Infelizmente, apesar de todos os seus equívocos, o prestígio do racismo científico foi enorme e seduziu as elites cultas, brancas e cristãs de todo o Ocidente.
Décadas mais tarde, o racismo científico foi usado para construir o regime nazista e fascista na Europa, especialmente na Alemanha, país que desenvolveu políticas de “purificação racial” que resultaram no Holocausto e no extermínio de milhões de pessoas. Depois da derrota nazista na Segunda Guerra Mundial e com a restauração da ordem liberal, as reações aos horrores nazistas ajudaram a refutar o racismo científico.
A Unesco financiou uma série de campanhas, relatórios e novas pesquisas sobre as relações raciais no mundo todo. As novas pesquisas colocavam em diálogo a biologia e as ciências sociais e afirmaram a inexistência de qualquer base científica para o conceito de raça e para o racismo.
O antirracismo científico foi facilitado pelo desenvolvimento das ciências biológicas, especialmente a genética, que refutou completamente aquela forma de compreensão do mundo que abriu caminho para o racismo científico. Além de nada ter de científico, a instrumentalização política do racismo foi igualmente condenada.
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Quais são as ideias defendidas no racismo científico?
As ideias defendidas no racismo científico partiam de cinco pressupostos, de acordo com o Dicionário das relações étnico-raciais contemporâneas:
“O primeiro determinava a realidade das raças. O segundo estabelecia uma continuidade entre as características físicas e morais, enquanto o terceiro destacava a relevância do grupo racio-cultural no comportamento do indivíduo. O quarto confirmava a existência não só de diferenças estruturais como também de hierarquias humanas únicas, cujo vértice máximo estaria na Europa e a base nas populações nativas dos países coloniais. Já o quinto determinava a urgência de uma política em harmonia com essas conclusões: a eugenia.” |1|
A eugenia é uma das ideias mais perigosas e nefastas defendidas pelo racismo científico. A partir dos anos 1870, vários Estados nacionais passaram a adotar práticas que visavam racializar as relações sociais. Diante das certezas do racismo científico, aplicaram-se políticas pautadas na eugenia de intervenção e controle populacional.
Em 1883 Francis Galton teorizou o “bom nascimento” e nomeou a sua teoria de eugenia, definida como “o estudo dos fatores físicos e mentais socialmente controláveis, que poderiam alterar para pior ou para melhor as qualidades racionais, visando ao bem-estar da espécie”.
Racismo científico no Brasil
O racismo científico no Brasil começou a tomar força a partir dos anos 1870. Ele foi muito influenciado por disciplinas como a antropologia criminal, a frenologia e a eugenia.
A antropologia criminal supunha que determinadas características físicas e morais, os estigmas, poderiam levar à descoberta do criminoso antes mesmo que ele imaginasse cometer o crime. Desse modo, o objeto criminal recai no indivíduo, que deveria ser examinado por meio de métodos científicos, sendo considerados para a definição de um criminoso elementos anatômicos, psicológicos e sociais característicos da população negra. A frenologia supunha que o formato e o tamanho dos crânios poderiam levar a conclusões acerca do desenvolvimento das populações e determinariam o comportamento dos indivíduos.
Em 1888, o intelectual Sílvio Romero escreveu uma História da Literatura Brasileira, na qual conclamou os brancos reunidos no sul do país a se misturarem para garantir a sua supremacia no país. Além disso, o racismo científico no Brasil foi promovido pela República, na virada do século XIX para o XX, no contexto após a abolição da escravidão.
Nesse contexto, a eugenia conquistou grande parte dos cientistas e intelectuais brasileiros. Muitos deles defenderam o controle rigoroso da população formada por ex-escravizados, negros libertos que estavam se tornando proletários junto com imigrantes recém-chegados. Vários intelectuais referências em suas universidades estimavam que a miscigenação entre os negros e os imigrantes deveria ser evitada para que o Brasil tivesse um futuro. O racismo científico usou discursos eugênicos como forma de purificar a nação brasileira.
Em 1911, João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional, representou o Brasil no Congresso Universal das Raças realizado em Londres. No evento ele defendeu a sua tese de que, no espaço de três gerações, por efeito da “seleção natural e dos mais fortes”, e por conta da entrada massiva de imigrantes europeus, o Brasil seria majoritariamente branco.
Um dos maiores defensores do racismo científico no Brasil foi Renato Khel, membro da escola de medicina do Rio de Janeiro. Além de elogiar o modelo do Apartheid da África do Sul, ele pedia que o governo tomasse medidas como a esterilização dos degenerados, o controle matrimonial, a seleção de imigrantes europeus, assim como outras políticas de purificação racial.
Outro notável racista e eugenista brasileiro foi Edgard Roquette-Pinto, que nos anos 1930, quando era diretor do Museu Nacional, sustentou a tese de que seria preciso regenerar a população brasileira, que considerava biologicamente degenerada.
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Racismo científico no mundo
O racismo científico no mundo tem origem especialmente em países europeus, como França, Inglaterra e Alemanha. Porém, nos séculos XIX e início do XX, ele conquistou a adesão da opinião das elites cultas, brancas e dominantes de todo o mundo ocidental.
Esse pensamento tentou naturalizar as diferenças e as desigualdades entre as sociedades e os seres humanos por meio do conceito de raça. Desse modo, o racismo científico em outras partes do mundo também pode ser chamado de racismo teórico ou racismo biologizante, dando status de ciência às classificações racistas das diferentes sociedades humanas construídas pelos europeus.
O racismo científico no mundo justificou o Apartheid, os campos de concentração nazistas e outras formas de segregação.
Racismo científico na história
O racismo científico na história, segundo Kabengele Munanga, antropólogo e professor brasileiro-congolês, teve início com a primeira menção à relevância de aspectos físicos no campo científico, o que ocorreu no século XVII com o médico antropólogo François Bernier (1620-1688), o qual classificou a diversidade humana em grupos fisicamente contrastados, os quais chamou de “raça”.
O racismo científico se consolidou no século XIX com teóricos como o conde Joseph Arthur Gobineau (1816-1882), que defendeu abertamente a superioridade da raça ariana na obra Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas, de 1853. O racismo científico foi muito comum até o final da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo tomou conhecimento das atrocidades do nazismo e condenou o uso da ciência com viés político.
Além disso, o racismo científico na história é uma extensão ideológica dos processos de colonização e imperialismo dos europeus. No século XIX, as potências europeias usaram a raciologia para justificar a conquista e a opressão dos demais povos do mundo.
No século XX, as teorias do racismo científico ajudaram a construir sistemas sociais opressivos, como o Apartheid, na África do Sul, e a segregação racial imposta nos Estados Unidos pelas leis de Jim Crow. Os avanços nas ciências biológicas, especialmente estudos genéticos das populações, refutaram o racismo científico e provaram que as diferenças do gênero humano são irrelevantes e não justificam as conclusões racistas da ciência.
Racismo científico na atualidade
O racismo científico na atualidade é questionado por cientistas de todo o mundo, que desqualificaram as doutrinas racistas e demonstraram a unidade do gênero humano. Desde a Declaração dos Direitos Humanos pela ONU, em 1948, a grande maioria dos cientistas europeus reconheceu o caráter discriminatório do racismo científico e colocou em xeque a credibilidade dos seus autores. Além disso, as bases empíricas e os métodos do racismo científico permanecem contestados.
Apesar de todas as ideias em nome do racismo científico terem sido condenadas, velhas doutrinas racistas estão ressurgindo na atualidade, agora disfarçadas com novas roupagens e reivindicando o “direito à diferença”. Algumas teorias, disfarçadas de meritocracia, tentam sugerir que há uma diferença genética na inteligência entre os diferentes grupos que compõem o gênero humano. Outras ainda usam argumentos pseudocientíficos para defender que diferenças biológicas entre homens e mulheres, brancos e negros, etc., devem ser reconhecidas como um dado da natureza.
É certo que o racismo científico é tratado como pseudociência, mas ele não deixou de fazer parte da poderosa teoria do senso comum que insiste em dividir a humanidade em raças e assombrar o gênero humano.
Quais as consequências do racismo científico?
As consequências do racismo científico foram muito prejudiciais para o gênero e a história humana. Foram as ideias biológicas de hierarquia racial associadas ao racismo científico que animaram o ímpeto do nazismo e fascismo na Europa, nas décadas de 1920 e 1930.
Entre as atrocidades cometidas por esses regimes políticos, de acordo com a orientação de cientistas que compartilhavam suas ideologias racistas, podemos citar as Leis de Nuremberg, de 1935, e a Noite dos Cristais, em 1938; a eutanásia forçada de cerca de 70 mil pessoas até 1941, consideradas “impuras” ou “inúteis” para a sociedade; os experimentos médicos cruéis, que envolviam mutilações, infecções deliberadas e torturas; e ainda as políticas genocidas durante a Segunda Guerra Mundial que resultaram nos campos de concentração e no Holocausto.

Além disso, as consequências do racismo científico ocasionaram a justificação ideológica para as políticas de conquista e subordinação que caracterizam o imperialismo e o neocolonialismo do século XIX. O racismo científico gerou mudanças nos modos de legitimação do poder e reestruturou, em escala mundial, o imaginário coletivo, a educação pública, os padrões da credibilidade e os mecanismos de formação da opinião em todo o mundo. O racismo científico foi, portanto, uma parte importantíssima da estruturação, pela primeira vez na história da humanidade, de uma hegemonia abrangendo todo o globo terrestre.
Notas
|1| RIOS, Flávia; DOS SANTOS, Márcio André; RATTS, Alex. Dicionário das relações étnico-raciais contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2023.
Créditos da imagem
Fontes
BOTTOMORE, Tom; OUTHWAITE, William. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.
RIOS, Flávia; DOS SANTOS, Márcio André; RATTS, Alex. Dicionário das relações étnico-raciais contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2023.
MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. In: Programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira, 2004.
Ferramentas Brasil Escola
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