Tese do branqueamento
Entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, vigoraram em várias partes do globo as teses eugenistas, isto é, teses que defendiam um padrão genético superior para a “raça” humana. Tais teses defendiam a ideia de que o homem branco europeu tinha o padrão da melhor saúde, da maior beleza e da maior competência civilizacional em comparação às demais “raças”, como a “amarela” (asiáticos), a “vermelha” (povos indígenas) e a negra (africana).
Nesse período, alguns intelectuais brasileiros incorporaram essas teses e delas derivaram outra, por sua vez, “aplicável ao contexto do Continente Americano: a “tese do branqueamento.” A defesa do branqueamento, ou do “embranquecimento”, tinha como ponto de partida o fato de que, dada a realidade do processo de miscigenação na história brasileira, os descendentes de negros passariam a ficar progressivamente mais brancos a cada nova prole gerada.
O antropólogo e médico carioca João Baptista de Lacerda foi um dos principais expoentes da tese do embranquecimento entre os brasileiros, tendo participado, em 1911, do Congresso Universal das Raças, em Londres. Esse congresso reuniu intelectuais do mundo todo para debater o tema do racialismo e da relação das raças com o progresso das civilizações (temas de interesse corrente à época). Baptista levou ao evento o artigo “Sur les métis au Brésil” (Sobre os mestiços do Brasil, em português), em que defendia o fator da miscigenação como algo positivo, no caso brasileiro, por conta da sobreposição dos traços da raça branca sobre as outras, a negra e a indígena.
Em um trecho do referido artigo, Baptista afirma: “A população mista do Brasil deverá ter pois, no intervalo de um século, um aspecto bem diferente do atual. As correntes de imigração europeia, aumentando a cada dia mais o elemento branco desta população, acabarão, depois de certo tempo, por sufocar os elementos nos quais poderia persistir ainda alguns traços do negro.” Percebe-se nitidamente nesse trecho o teor do anseio pelo branqueamento.
As correntes intelectuais que influenciavam o pensamento de Baptista e de outros defensores do eugenismo eram variadas e iam desde o determinismo de Henry Thomas Buckle e o darwinismo social de Spencer às teorias de Gobineau. Todas essas correntes, em grande parte, serviram como argumento para justificar a fase do Neocolonialismo, que se incidiu sobre os continentes africano e asiático.
Um fator curioso da apresentação de Baptista no Congresso Universal das Raças foi a exibição de uma cópia do quadro “A Redenção de Cam” (ver imagem no topo do texto), do pintor espanhol Modesto Brocos. Esse quadro foi concluído em 1895 e apresenta a imagem de uma família: à esquerda, uma senhora negra olhando para os céus em gesto de agradecimento e uma mulher mestiça segurando uma criança branca; à direita, um homem branco observando a esposa e o filho.
A imagem do quadro transmite categoricamente a tese que Baptista defendia: o embranquecimento através das gerações. Brocos propõe a diluição da cor negra na sucessão de descendentes e insere nessa sucessão a “redenção”, a “absolvição” de uma “raça amaldiçoada”, isto é, a descendência de Cam, filho de Nóe, que, no livro do Gênesis, é amaldiçoado pelo pai. A história de Cam, a despeito de seu simbolismo bíblico, foi interpretada à revelia pelo racialismo do século XIX, no qual Brocos estava envolto. O “escurecimento” dos descendentes de Cam teria desembocado na raça negra africana, que poderia ser redimida por meio da mistura com a raça branca europeia.
A tese do branqueamento ainda ganhou argumentos por parte de outros intelectuais de peso do Brasil, como Oliveira Vianna. As teses racialistas, de modo geral, só foram desacreditadas, de fato, após a Segunda Guerra Mundial, sobretudo por meio de congressos fomentados por organismos internacionais, como a ONU (Organização das Nações Unidas).