Técnicas de estrutura da narrativa

A narrativa linear é a mais comum entre as técnicas de estrutura da narrativa que subvertem a ordem cronológica do enredo.
A narrativa não linear, a narrativa em paralelo e o contraponto dramático são técnicas que desconstroem a cronologia dos fatos em um enredo

Na escola, logo nos primeiros contatos com as técnicas de produção textual, somos apresentados aos diferentes tipos de textos. A narração é o primeiro deles, responsável por nos introduzir no universo literário. Presente nos mais diversos textos da Literatura infantil, especialmente nos contos de fadas (tradicional gênero imortalizado por nomes como Hans Christian Andersen, Charles Perrault e também os Irmãos Grimm), a narração pode ser subvertida e ricamente explorada.

Estamos habituados à narração linear, aquela que conta os fatos de acordo com sua ordem cronológica. Nesse tipo de estrutura, considerada mais simples e menos ambiciosa, a história vai sendo contada de “A a Z” sem interferência de elementos que desviem seu curso “natural”. Você provavelmente já escreveu um enredo assim, mesmo porque essa é uma técnica amplamente utilizada justamente por ser menos arriscada. Mas além da narrativa linear, existem outras técnicas de estrutura da narrativa que são bem interessantes, próprias para quem quer subverter a cronologia e desafiar o leitor.

Em nossa Literatura existe um exemplo clássico de transgressão da estrutura da narrativa: em Memórias Póstumas de Brás Cubas, obra do genial Machado de Assis, somos agraciados com uma história que começa pelo fim de quem nos conta. O narrador de Machado decide contar sua vida depois de morto, e, com essa escolha, o escritor mudou radicalmente o panorama da Literatura brasileira no que diz respeito à temática e também às técnicas de estruturação do texto narrativo:

CAPÍTULO PRIMEIRO / ÓBITO DO AUTOR

“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco [...]”.

(Fragmento do primeiro capítulo de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis)

A ousadia de Machado de Assis felizmente permitiu que a narrativa fosse desconstruída e desvinculada dos padrões seculares que a limitavam, sobretudo na literatura brasileira. Nos anos de 1940, o escritor Érico Veríssimo apresentou à literatura nacional mais um exemplo de transgressão da narrativa: em seu livro O resto é silêncio, Veríssimo narra uma história através de diferentes perspectivas, estabelecendo pontos de ligação entre as trajetórias dos diversos personagens da trama. Essa técnica narrativa, conhecida como contraponto dramático, oferece ao leitor um texto esteticamente diferenciado, denso e emocionante.

“[...] Nesse bilhete [aos meus] eu procuraria dizer-lhes que a vida vale a pena de ser vivida, apesar de todas as suas dificuldades, tristezas e momentos de dor e angústia. E que a coisa mais importante que existe sobre a face da terra é a pessoa humana. E que desejo que elas vivam em bondade e beleza. E que na medida de sua capacidade e habilidade ajudem o próximo. [...] Pedir-lhes-ia que de quando em quando se lembrassem do Velho. [...] Se eles quiserem prestar uma homenagem à minha memória, que se reúnam uma noite, qualquer noite, e toquem os últimos quartetos de Beethoven, algumas sonatas de Mozart e qualquer coisa do velho Bach. E o resto – que diabo! – O resto é silêncio...”.

(Fragmento do livro “O resto é silêncio, de Érico Veríssimo)

Há também a narrativa em paralelo, técnica amplamente explorada, principalmente no gênero literário novela, que deu origem às famosas e populares telenovelas. A narrativa em paralelo requer a existência de dois ou mais pontos de vista, com episódios que são contados sucessivamente. Mas para que o leitor ou o telespectador não se percam diante de fatos simultâneos, é necessário que os núcleos de personagens sejam reduzidos e que suas ações sejam constantemente relembradas nos diálogos. Há também um segundo tipo de narrativa paralela que desenvolve dois eixos temporais, alternando entre o passado e o presente de um grupo de personagens.

As alternativas à narrativa linear subvertem a construção do enredo, propondo novas maneiras de se contar uma história e convidando o leitor a experimentar novas possibilidades de leitura. No início, um certo estranhamento é normal, mas, com o tempo, novos hábitos de leitura são adquiridos, treinando assim o olhar do leitor para as diferentes técnicas literárias. As narrativas são como pecinhas de um quebra-cabeças: menos importa o método escolhido para montá-lo; o mais importante é encaixar perfeitamente as peças para que no final elas façam sentido juntas.

Publicado por Luana Castro Alves Perez
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