Madrigal
eu amor é simples,
Dora, como água e o pão.
Como o céu refletido
Nas pupilas de um cão.
José Paulo Paes
Os versos que você leu agora são do poeta José Paulo Paes e representam bem a poesia de um Madrigal.
Madrigal, conforme o dicionário Michaellis, é uma composição delicada e graciosa que celebra principalmente a formosura e as graças femininas. Pode ser também um galanteio dirigido a damas e também está associado à composição musical que consistia em um canto vocal sem acompanhamento, em moda no século XVI.
Oriundo da música, o madrigal expressa as principais ideias e sentimentos das chamadas cantigas de pastor. Sua forma é diferente dos poemas convencionais e seu conteúdo pode estar relacionado com a expressão de sentimentos líricos e ideias de forte conteúdo emocional, com vocabulário seleto, ou a temas de inspiração prazerosa.
Em nossa Literatura brasileira, nomes como José Paulo Paes, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade escreveram belíssimos madrigais:
Madrigal Melancólico
O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.
O que eu adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito subtil,
Tão ágil, tão luminoso,
– Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.
O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento,
Graça que perturba e que satisfaz.
O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi,
Não é a irmã que já perdi,
E meu pai.
O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti – lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.
Manuel Bandeira
Madrigal Lúgubre
Em vossa casa feita de cadáveres,
Ó princesa ! Ó donzela !
Em vossa casa, de onde o sangue escorre,
Quisera eu morar.
Cá fora é o vento e são as ruas varridas de pânico,
É o jornal sujo embrulhando fatos, homens e comida guardada.
Dentro, vossas mãos níveas e mecânicas tecem algo parecido com um véu.
O mundo, sob a neblina que criais, torna-se de tal modo espantoso
Que o vosso sono de mil anos se interrompe para admirá-lo.
Princesa: acordada sois mais bela, princesa.
E já não tendes o ar contrariado dos mortos à traição.
Arrastar-me-ei pelo morro e chegarei até vós.
Tão completo desprezo se transmudará em tanto amor…
Dai-me vossa cama, princesa.
Vosso calor, vosso corpo e suas repartições,
Oh dai-me ! que é tempo de guerra,
Tempo de extrema precisão.
Não vos direi dos meninos mortos
(nem todos mortos, é verdade,
Alguns apenas mutilados).
Tampouco vos contarei a história
Algo monótona talvez
Dos mil e oitocentos atropelados
No casamento do rei da Ásia.
Algo monótono… Ásia monótona…
Se bocejardes, minha cabeça
cairá por terra, sem remissão.
Sutil flui o sangue nas escadarias.
Ah, esses cadáveres não deixam
Conciliar o sono, princesa?
Mas o corpo dorme; dorme assim mesmo.
Imensa berceuse sob dos mares,
Desce dos astros lento acalanto,
Leves narcóticos brotam da sombra,
Doces unguentos , calmos incensos.
Princesa, os mortos ! gritam os mortos !
querem sair ! querem romper !
Tocai tambores, tocai trombetas,
Imponde silêncio, enquanto fugimos !
…Enquanto fugimos para outros mundos,
Esse que está velho, velha princesa,
Palácio em ruínas, ervas crescendo,
Lagarta mole que escreves a história,
Escreve sem pressa mais esta história:
o chão está verde de lagartas mortas…
Adeus, princesa, até outra vida.
Carlos Drummond de Andrade