Black bloc: movimento ou tática?
As manifestações que ocorreram no Brasil a partir de maio/junho de 2013, que ganharam repercussão nacional e espalharam-se pelo país após tomarem as ruas da cidade de São Paulo com as ações contra o aumento da tarifa do transporte organizadas pelo Movimento Passe Livre (MPL), trouxeram um debate novo na imprensa brasileira: o black bloc.
O termo black bloc (bloco negro, em inglês) refere-se a uma tática de manifestações de rua, desenvolvida desde a década de 1980, para garantir a autodefesa dos manifestantes diante de ações repressivas das forças policiais e, posteriormente, para atacar edificações de empresas e instituições de Estado consideradas símbolos do capitalismo. Ele constitui-se na formação de um bloco de pessoas vestidas de negro que participam em grupo nas manifestações, tapando seus rostos com máscaras, capacetes ou panos para evitar o reconhecimento e a perseguição policial.
No Brasil, o black bloc ganhou notoriedade a partir das manifestações de junho de 2013 e vem sendo alvo de inúmeras críticas.
Os setores conservadores, principalmente os que controlam as grandes empresas de comunicação do país, acusam o black bloc de ser um movimento social ou político, quando, na verdade, constitui-se apenas como uma tática de guerrilha urbana. A principal crítica está ligada às ações violentas de enfrentamento às forças policiais (como o lançamento de pedras e coquetéis-molotovs, bem como a queima de lixeiras e outros materiais para formar barricadas) e de ataque a prédios de instituições estatais e de grandes empresas. Para esses setores da sociedade, os black blocs atentam contra a ordem social ao realizar essas ações.
A morte do jornalista Santiago Andrade, da TV Bandeirantes, no dia 10 de fevereiro de 2014, tornou o debate e a crítica aos black blocs ainda mais intensa. O cinegrafista morreu após ser atingido supostamente por um rojão lançado por manifestantes vestidos de cinza, em ato contra o aumento das passagens do transporte coletivo no Rio de Janeiro, no dia 06 de fevereiro do mesmo ano.
A crítica aos black blocs também é feita por setores ligados à esquerda no cenário político, principalmente os grupos próximos ao governo federal, controlado principalmente pelo PT desde 2003. A crítica também foca a violência que os manifestantes utilizam, mas também aponta que tais ações podem fortalecer setores de direita, principalmente os ligados à ditadura militar (1964-1985), dando oportunidades para a organização de um novo golpe de Estado no país.
Mas se no Brasil o debate é recente, em alguns países europeus e nos EUA, não. A origem do black bloc como tática de enfrentamento ocorreu no início da década de 1980. O termo Schwarzer Block (bloco negro, em alemão) foi cunhado inicialmente na então Alemanha Ocidental, em 1980, pela imprensa. Ele referia-se a um grupo de ativistas autonomistas (distinto dos grupos anarquistas) que lutava contra a construção de usinas nucleares, constituindo alguns acampamentos, e também ocupava casas e prédios abandonados (as chamadas squats, ou ocupações). Com a forte repressão da polícia alemã, os Schwarzer Block desenvolveram táticas de guerrilha urbana para enfrentar as forças policiais e resistir contra suas investidas, mas também para enfrentar o ataque de grupos neonazistas do país.
Algumas ações dos black blocs foram verificadas na década de 1980 e 1990 na Alemanha, EUA e outros países europeus. A tática passou a ser adotada também por pessoas ligadas a correntes anarquistas. A notoriedade maior dos black blocs, entretanto, ocorreu a partir de 1999, quando eclodiram manifestações do que se convencionou chamar de movimento antiglobalização. Essas manifestações ocorreram nos mesmos locais em que organizações representantes do capitalismo internacional (Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização Mundial do Comércio (OMC), G-8, etc.) realizavam suas reuniões.
Intensos confrontos ocorreram nesses locais. Em Seattle, nos EUA, em 1999, em manifestação contra a reunião da OMC, cerca de 500 black blockers conseguiram furar o bloqueio policial e adentrar o centro comercial da cidade. A destruição causada aos edifícios símbolos do capitalismo foi grande, sendo estimados prejuízos de cerca de dez milhões de dólares. Essa ação marcou uma diferença com as ações iniciais dos black blocs, pois passou a atacar tais símbolos. Alguns dos possíveis motivos foram o crescimento dessas empresas e o fortalecimento conseguido pelo capitalismo na década de 1990, sendo as empresas (redes de fast-food, bancos, construtoras de automóveis, etc.) a expressão simbólica do poder do capital.
Em Londres, durante manifestações contra a austeridade, em março de 2011, foi notada a presença black bloc.**
Outra grande manifestação com incisiva participação de um black bloc ocorreu na cidade italiana de Gênova, na Itália, em 2001. Em julho, ocorreram na cidade concomitantemente uma reunião do G-8 e o Fórum Social de Gênova. Cerca de 200 mil pessoas de várias partes do mundo participaram das manifestações, sendo em torno de 1000 o número de black blockers. Um deles, Carlo Giuliani, tentou lançar um extintor em um veículo dos carabinieri (a polícia italiana), mas foi alvejado por dois tiros, sendo um na cabeça. Mesmo caído morto no chão, o veículo dos carabinieri passou diversas vezes sobre seu corpo.
A participação de black blocs ocorreu em várias outras manifestações posteriores. Mesmo no Brasil, no início da década de 2000, as manifestações dos Dias de Ação Global contaram com ações da tática black bloc, principalmente na resistência à repressão policial e também no ataque aos símbolos do capitalismo.
Esta resumida apresentação demonstra que a existência dos black blocs não é nova, ela apenas se tornou mais intensa no Brasil após as manifestações de 2013.
* Crédito da imagem: Antonio Scorza e Shutterstock.com
** Crédito da Imagem: 1000 Words e Shutterstock.com