Parnasianismo no Brasil
O Parnasianismo no Brasil, assim como em seu lugar de origem, manifestou-se prioritariamente a partir da produção de poesia. Contrapunha-se às características estéticas do Romantismo, as quais eram tidas como muito exageradas pelo poetas parnasianos. Cultivou-se, portanto, como reação às ideias românticas, valorizando a objetividade, a impessoalidade, o rigor formal e a retomada de elementos da cultura clássica, algo já feito pelo Classicismo.
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Contexto histórico do Parnasianismo no Brasil
O Parnasianismo foi um movimento artístico-literário da segunda metade do século XIX surgido na Europa, mais precisamente na França. Seu nome faz alusão ao título de três antologias poéticas publicadas em Paris, respectivamente em 1866, 1871 e 1876, sob o título de Parnasse Contemporain (Parnaso Contemporâneo), além de remeter ao Parnaso grego, que seria, segundo a mitologia grega, um monte consagrado a Apolo e às musas.
A própria escolha desse nome para designar o movimento já indica sua principal característica: o interesse pela cultura clássica. Contrários à estética romântica, que vigorou anteriormente, os escritores parnasianos acreditavam que o fazer literário inspirado em elementos da cultura clássica – como a menção a elementos da mitologia grega, a busca do equilíbrio, da perfeição formal, tendo como princípio o belo na arte – poderia romper com os exageros e contradições do Romantismo.
Características do Parnasianismo
O Parnasianismo, movimento que elegeu o poema como forma de expressão de seus ideais, tem como características principais:
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objetividade em relação à abordagem temática;
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valorização dos aspectos formais do poema, como o soneto, a métrica e a rima;
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impessoalidade;
- abordagem de temáticas ligadas à mitologia grega, à reflexão filosófica.
A defesa dessa estética, portanto, expressava os ideais antirromânticos defendidos no final do século XIX por movimentos como o Realismo e o Naturalismo.
Parnasianismo no Brasil
O Parnasianismo, no Brasil, foi um estilo poético que marcou a elite literária brasileira do final do século XIX, já que, entre os fundadores da Academia Brasileira de Letras, criada em 1897, a maioria dos poetas eram parnasianos.
Os ideais parnasianos começaram a ser difundidos no país na década de 1870, pois, no final dessa década, desenvolveu-se uma polêmica literária no jornal Diário do Rio de Janeiro, a qual reuniu, de um lado, os adeptos do Romantismo e, de outro, os adeptos do Realismo e do Parnasianismo. Como resultado dessa polêmica, expressa em artigos de opinião e que ficou conhecida como “Batalha do Parnaso”, houve uma difusão das ideias do Realismo e do Parnasianismo nos meios artísticos e intelectuais do país.
O primeiro livro de poesia considerado parnasiano, publicado em 1882, foi a obra Fanfarras, de Teófilo Dias (1854-1889).
Veja também: Realismo no Brasil – escola contemporânea ao parnasianismo
Principais autores do Parnasianismo no Brasil
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Alberto de Oliveira
Nasceu em Palmital de Saquarema, Rio de Janeiro, em 28 de abril de 1857, e faleceu em Niterói (RJ), em 19 de janeiro de 1937. Foi farmacêutico, professor e poeta, sendo um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Eleito o “Príncipe dos Poetas” em 1924, escreveu as seguintes obras poéticas:
- Canções românticas (1878)
- Meridionais (1884)
- Sonetos e poemas (1885)
- Versos e rimas (1895)
- Poesias,1ª série (1900)
- Poesias, 2ª série (1906)
- Poesias, 2 vols. (1912)
- Poesias, 3ª série (1913)
- Poesias, 4ª série (1928)
- Poesias escolhidas (1933)
- Póstumas (1944)
→ Poema
Vaso grego
Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.
Era o poeta de Teos que o suspendia
Então, e, ora repleta ora esvasada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.
Depois... Mas, o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,
Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
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Raimundo Correia
Raimundo Correia, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, nasceu em 13 de maio de 1859, a bordo do navio brasileiro São Luís, ancorado na Baía de Mogúncia, Maranhão, e faleceu em Paris, França, em 13 de setembro de 1911. Foi magistrado, professor, diplomata e poeta. Escreveu os livros:
- Primeiros sonhos (1879)
- Sinfonias (1883)
- Versos e versões (1887)
- Aleluias (1891)
- Poesias (1898)
→ Poema
As pombas
Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
Das pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada.
E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais, de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...
Também dos corações onde abotoam
Os sonhos, um a um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais.
Há, nesse soneto, fortes traços do Parnasianismo, como o apreço pela forma, materializado na presença de versos decassílabos, ou seja, com dez sílabas poéticas, na predominância de sequências descritivas, no vocabulário sofisticado e na ausência de marcações subjetivas (pessoalidade).
Além disso, nota-se outra característica parnasiana muito comum na obra de Raimundo Correia: a presença de reflexões filosóficas, afinal, o movimento de passagem das pombas representa uma reflexão sobre as passagens da vida, que é, segundo a voz poética, mutável.
Acesse também: Barroco – estética literária que também trazia reflexões filosóficas como temática
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Olavo Bilac
Olavo Bilac, jornalista, inspetor de ensino e poeta, nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 16 de dezembro de 1865. Faleceu na mesma cidade, em 28 de dezembro de 1918. Foi, assim como outros poetas parnasianos, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Publicou as seguintes obras:
- Poesias (1888)
- Crônicas e novelas (1894)
- Sagres (1898)
- Crítica e fantasia (1904)
- Poesias infantis (1904)
- Conferências literárias (1906)
- Tratado de versificação, com Guimarães Passos (1910)
- Dicionário de rimas (1913)
- Ironia e piedade (1916)
- Tarde (1919)
→ Poema
Via Láctea
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora! “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
Apesar desse soneto de Olavo Bilac ser estruturado formalmente ao gosto parnasiano, com rigor métrico, ele apresenta, no plano temático e em relação à voz lírica, um teor subjetivo, já que a marcação da primeira pessoa do discurso faz-se recorrente ao longo dos versos, bem como o tom lírico-amoroso. Essa pessoalização e a abordagem temática amorosa não foram uma constante no movimento, uma vez que o Parnasianismo opunha-se contundentemente ao movimento romântico.
Vicente de Carvalho
Vicente de Carvalho, advogado, jornalista, político, magistrado, poeta e contista, nasceu em Santos, São Paulo, em 5 de abril de 1866, e faleceu na mesma cidade, em 22 de abril de 1924. Publicou as seguintes obras:
- Ardentias (1885)
- Relicário (1888)
- Rosa, rosa de amor (1902)
- Poemas e canções (1908)
- Versos da mocidade (1909)
- Verso e prosa (1909)
- Páginas soltas (1911)
- A voz dos sinos (1916)
- Luizinha (1924)
→ Poema
No teu aniversário
No lar cercam-te vozes d´alegria
em bando, em nuvens doiro, mariposas
que o teu olhar atrai. Canções e rosas
sob os teus pés desfolham-se à porfia.
A noite, alva corbelha de mimosas
sobre ti volta o arcanjo da poesia.
Nublam-te o sono as ondas vaporosas
do turib´lo do amor, como de dia.
Vives feliz no angélico ambiente
de fortuna, feliz. Mas considera,
que em um pobre, misérrimo, eu doente,
eu vibraria a lira, se pudera
vibrar a lira frágil e inocente
a bruta e hedionda garra duma fera.
Nesse soneto de Vicente Carvalho, notam-se, nos dois quartetos, o esquema petrarquiano de composição de rimas – ABBA (intercaladas) e ABAB (alternadas) – e, nos dois tercetos, o esquema CDC e DCD. Em relação ao conteúdo, a presença de um eu lírico dirigindo-se a uma aniversariante, possivelmente objeto de seu desejo amoroso, evidencia um tom pessoalizante não tão comum na estética parnasiana. Apesar disso, os traços do Parnasianismo presentificam-se na referência à lira, instrumento de origem grega, denotando o apreço por elementos da cultura clássica.
Leia também: Simbolismo – estética literária que tinha a subjetividade como característica marcante
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Francisca Júlia
Francisca Júlia da Silva nasceu em Xiririca, atual cidade de Eldorado, São Paulo, em 1871, e faleceu em 1920, na capital paulista. Foi poeta e crítica literária. Publicou as seguintes obras:
- Mármores (1895)
- Livro de infância (1899)
- Esfinges (1903)
- A Feitiçaria Sob o Ponto de Vista Científico (discurso) (1908)
- Alma Infantil (com Júlio César da Silva) (1912)
- Esfinges - (2º ed., ampliada, 1921), Poesias (organizadas por Péricles Eugênio da Silva Ramos – 1962)
→ Poema
Vênus
Branca e hercúlea, de pé, num bloco de Carrara,
Que lhe serve de trono, a formosa escultura,
Vênus, túmido o colo, em severa postura,
Com seus olhos de pedra o mundo inteiro encara.
Um sopro, um quê ele vida o gênio lhe insuflara;
E impassível, de pé, mostra em toda a brancura,
Desde as linhas da face ao talhe da cintura,
A majestade real de uma beleza rara.
Vendo-a nessa postura e nesse nobre entono
De Minerva marcial que pelo gládio arranca,
Julgo vê-la descer lentamente do trono,
E, na mesma atitude a que a insolência a obriga,
Postar-se à minha frente, impassível e branca,
Na régia perfeição da formosura antiga.
Nesse soneto de Francisca Júlia, voz feminina do Parnasianismo brasileiro, a referência à cultura clássica, traço essencial da estética parnasiana, aparece já no título, o qual traz o nome da deusa mitológica do amor e da beleza. A partir da primeira estrofe, o leitor é levado a visualizar, por meio de uma detalhada descrição, que se estende ao longo dos versos e das estrofes, a imagem da famosa estátua grega “Vênus de Milo”, peça pertencente ao Museu do Louvre, em Paris, França.
Parnasianismo na Europa
O Parnasianismo, surgido na França, no século XIX, teve os seguintes poetas franceses como principais escritores: Théophile Gautier (1811-1872), Leconte de Lisle (1818-1894), Théodore de Banville (1823-1891) e José Maria de Heredia (1842-1905).
Em Portugal, o poeta João Penha (1838-1919) é considerado o introdutor do movimento no país. Além dele, destacaram-se os seguintes poetas parnasianos: Gonçalves Crespo (1846-1883), António Feijó (1859-1917) e Cesário Verde (1855-1886).
Exercícios resolvidos
Questão 1 - (UEA) “É na convergência de ideais antirromânticos, como a objetividade no trato dos temas e o culto da forma, que se situa a poética do Parnasianismo. Seus traços de relevo: o gosto da descrição nítida, concepções tradicionalistas sobre metro, ritmo e rima e, no fundo, o ideal da impessoalidade que partilhavam com os realistas do tempo.”
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira, 1994. Adaptado.
Considerando tal caracterização, assinale a alternativa em que se verifica o trecho de um poema parnasiano.
a) Eu me lembro! Eu me lembro! – Era pequeno
E brincava na praia; o mar bramia
E, erguendo o dorso altivo, sacudia
A branca escuma para o céu sereno.
b) Aqui no vale respirando à sombra
Passo cantando a mocidade inteira…
Escuto no arvoredo os passarinhos
E durmo venturoso em minha esteira.
c) Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito…
Onde estás, Senhor Deus?…
d) Erguido em negro mármor luzidio,
Portas fechadas, num mistério enorme,
Numa terra de reis, mudo e sombrio,
Sono de lendas um palácio dorme.
e) Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.
Resolução
Alternativa D.
Considerando a caracterização de Alfredo Bosi para o Parnasianismo, verificamos o trecho de um poema parnasiano em "Erguido em negro mármor luzidio,/ Portas fechadas, num mistério enorme,/ Numa terra de reis, mudo e sombrio,/ Sono de lendas um palácio dorme", do poeta brasileiro parnasiano Alberto de Oliveira. No poema, percebe-se o preciosismo vocabular e da forma, típico desse movimento, que retoma os valores do classicismo.
Questão 2 - (UFPA) Considerando que o Parnasianismo surgiu em oposição ao lirismo romântico, pode-se afirmar que
a) a poesia parnasiana se caracterizava pelo exagero de imagens e pelo transbordar dos sentimentos do poeta.
b) o compromisso com o social e com a realidade exterior constituía a principal preocupação dos poetas parnasianos.
c) o movimento parnasiano foi fortemente marcado pelas teorias psicanalíticas que valorizavam o inconsciente e os sonhos.
d) a corrente literária parnasiana se originou na Itália, em meados do século XX, tendo influenciado toda a poesia ocidental com sua profunda preocupação com a humanidade.
e) os poetas parnasianos valorizavam a perfeição da forma: para eles, o sentido essencial da arte estaria na própria arte, e não no mundo exterior.
Resolução
Alternativa E.
Ao contrário de valorizar a expressão dos sentimentos ou da preocupação social, os poetas parnasianos valorizavam a perfeição formal. O parnasianismo, portanto, define-se como um movimento de exploração estética (e não dos sonhos e do inconsciente): o sentido da arte está nela mesma, não no ser humano e no mundo exterior.
Questão 3 - (UnB)
Vaso grego
Esta, de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.
Era o poeta de Teos que a suspendia
Então e, ora repleta ora esvazada,
A taça amiga aos dedos seus tinia
Toda de roxas pétalas colmada.
Depois... Mas o lavor da taça admira,
Toca-a, e, do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,
Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa a voz de Anacreonte fosse.
OLIVEIRA, Alberto de. Poesias completas. Ed. crítica de Marco Aurélio de Mello Reis. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1978. p.144.
Com base na leitura do soneto "Vaso grego", assinale a opção correta a respeito do tratamento estético conferido aos mitos antigos pela poética parnasiana.
a) A recorrência a temas mitológicos atraía o leitor comum e amenizava os efeitos de distanciamento impostos a ele pelo rebuscamento da linguagem parnasiana.
b) Os mitos antigos são atualizados na poesia parnasiana e recebem um significado poético novo, que promove a ruptura efetiva com o passado e a tradição mítica.
c) O tratamento estético dos mitos gregos na poesia parnasiana aproxima o antigo mundo mitológico dos problemas imediatos e concretos da vida social brasileira.
d) A presença de elementos da arte e da mitologia gregas no soneto apresentado está de acordo com uma máxima do Parnasianismo: a arte pela arte.
Resolução
Alternativa D. A recorrência de temas mitológicos na poesia parnasiana afastava o leitor comum, já que os conhecimentos de mitologia clássica estavam atrelados a uma educação formal, escolar, e eram distanciados dos problemas imediatos da vida cotidiana brasileira. Tais temas não representavam uma ruptura efetiva com o passado, mas sim uma retomada dos significados poéticos propagados pela tradição literária.
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