Polissíndeto
O polissíndeto é a figura de linguagem que se caracteriza pelo uso propositalmente frequente de conjunções. É um recurso estilístico usado para intensificar o sentido do discurso. Muitas vezes, esse recurso é confundido com o assíndeto e com a anáfora, mas são figuras diferentes.
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O que é polissíndeto?
Polissíndeto é uma figura de linguagem que repete o uso de uma mesma conjunção para gerar um efeito de intensidade no enunciado e de continuidade do discurso. Por isso, essa figura é classificada como figura de sintaxe (ou figura de construção), já que afeta a estrutura do discurso.
Como o polissíndeto se dá pela repetição de conjunções, o tipo de conjunção repetida é muito relevante para o efeito que se quer causar no enunciado, reforçando a ideia de adição, contrariedade, alternância ou mesmo afirmação ou negação no enunciado. Vejamos com alguns exemplos:
“E sob as ondas ritmadas
E sob as nuvens e os ventos
E sob as pontes e sob o sarcasmo
E sob a gosma e sob o vomito”
(Euclides da Cunha)
“Há dois dias meu telefone não fala, nem ouve, nem toca, nem tuge, nem muge.” (Rubem Braga)
“Não é este edifício obra de reis, ainda que por um rei me fosse encomendado seu desenho e edificação, mas nacional, mas popular, mas da gente portuguesa [...]” (Alexandre Herculano)
“Você precisa escolher: ou estuda, ou trabalha, ou descansa, ou se diverte.”
Note que a repetição das conjunções em cada exemplo gera intensificação da ideia de adição (com as conjunções coordenativas aditivas “e” e “nem”), de contraste (com a conjunção coordenativa adversativa “mas”) e de alternância (com a conjunção coordenativa alternativa “ou”).
Lembre-se de que, quando a repetição da conjunção une elementos de uma mesma oração, a vírgula não é exigida. Porém, quando a conjunção une diferentes orações, é mais comum que haja vírgula antes de cada ocorrência da conjunção para separar essas orações, principalmente se o texto não estiver em versos.
“Estou exausto de tanto carregar compras: banana e maçã e ovos e verduras e legumes...”
“Estou exausto de tanta coisa que fiz hoje: fui à feira, e passei no açougue, e busquei uma encomenda, e me exercitei um pouco.”
Diferença entre polissíndeto e assíndeto
Bem diferente do polissíndeto, o assíndeto ocorre quando há omissão proposital das conjunções. Isso também serve para trazer efeito de intensificação no discurso ao passar a sensação de que uma sequência está inacabada e poderia continuar se estendendo, ainda que não apareça no enunciado. Observe:
“Pense, fale, compre, beba
Leia, vote, não se esqueça
Use, seja, ouça, diga
Tenha, more, gaste, viva”
(Pitty)
Nesses versos da música “Admirável chip novo”, por meio do assíndeto e pela omissão de conjunções, há ideia de constantes enunciados ou ações, passando a sensação de inacabamento do discurso, que pode seguir indefinidamente. Pela narrativa da música, a ideia é que esses e outros verbos serviriam para “reinstalar o sistema”.
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Diferença entre polissíndeto e anáfora
Na anáfora, também ocorre uma repetição. No entanto, essa repetição é de uma palavra ou de um mesmo termo no início de orações ou de versos, não sendo necessariamente a repetição de conjunções. Veja:
“Quando não tinha nada, eu quis
Quando tudo era ausência, esperei
Quando tive frio, tremi
Quando tive coragem, liguei”
(Chico César)
Nesses versos da canção “À primeira vista”, vemos a anáfora pela repetição do termo “quando”, que não é uma conjunção.
Exercícios resolvidos
Questão 1
(IF-PA)
Rios sem discurso
Quando um rio corta, corta-se de vez
o discurso-rio que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços,
em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma,
e porque assim estanque, estancada;
e mais: porque assim estancada, muda,
e muda porque com nenhuma se comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria.
[...]
(MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra, p. 350-351)
O texto Rios sem discurso é metafórico, e mais detalhadamente podemos identificar outras figuras de linguagem. Marque a alternativa cujo trecho retirado do referido texto apresenta um polissíndeto:
a) “Quando um rio corta, corta-se de vez
o discurso-rio que ele fazia”
b) “Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária”
c) “e muda porque com nenhuma se comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria.”
d) “cortado, a água se quebra em pedaços,
em poços de água, em água paralítica”
e) “e porque assim estanque, estancada;
e mais: porque assim estancada, muda,
e muda porque com nenhuma se comunica”
Resolução
Alternativa E. O polissíndeto ocorre pela repetição da conjunção “e” no início de cada verso.
Questão 2
(Ibade)
Entrevista concedida ao jornalista Júlio Lerner, em 1 de fevereiro de 1977, para o programa “Panorama”, da TV Cultura, de São Paulo.
De minha sala até o saguão dos estúdios tenho que percorrer cerca de 150 metros. Estou tão aturdido com a possibilidade de entrevistá-la que mal consigo me organizar naquela curta caminhada. Talvez falar sobre “A Paixão Segundo G.H”… Ou quem sabe sobre “A Maçã no Escuro” e “Perto do Coração Selvagem”… Vou recordando o que Clarice escreveu. Será que li tudo? Em apenas cinco minutos consegui um estúdio para entrevistá-la.
São quatro e quinze da tarde e disponho de apenas meia hora. Às cinco entra ao vivo o programa infantil e quinze minutos antes terei de desocupar o estúdio. Estou correndo e antes mesmo de vê-la a pressão do tempo começa a me massacrar. Não terei condições de preparar nada antes, nem mesmo conversar um pouco. Não poderei sequer tentar criar um clima adequado para a entrevista. Eu odeio a TV brasileira! Só meia hora para ouvir Clarice. O pessoal da técnica foi novamente generoso e se empenhou para conseguir essa brecha. Olho o relógio, não consigo me organizar, estou correndo, olho novamente o relógio. Estou desconcertado, atinjo o saguão dos estúdios e a vejo ali, dez metros adiante, Clarice de pé ao lado de uma amiga, perdida no meio do vaivém dos cenários desmontados, de diversos equipamentos e de técnicos que falam alto, no meio de um grande alvoroço.
Paro diante dela, estou um pouco ofegante, estendo-lhe a mão e sou atravessado pelo olhar mais desprotegido que um ser humano pode lançar a semelhante. Ela é frágil, ela é tímida, e eu não tenho condições para explicar que o problema do tempo elevou meus níveis de ansiedade. Clarice me apresenta Olga Borelli, entramos e a conduzo ao centro do pequeno estúdio. Peço para que ela sente numa poltrona de couro de tonalidade café-com-leite. Clarice segura apenas um maço de Hollywood e uma caixa de fósforos, providencio um cinzeiro, os refletores malditos são ligados. Clarice me olha. O olhar de Clarice me interroga, só disponho de uma única câmera, o olhar de Clarice suplica, Olga se ajeita numa lateral escurecida, chega Miriam, a estagiária do programa e fica encolhida e calada, o calor está ficando insuportável e o ar-condicionado não está ajustado, são apenas quatro e vinte, Clarice tenta me dizer alguma coisa, mas não falo com ela, preocupado em ajustar uma questão de iluminação, o hálito da fornalha já nos atinge a todos, devemos ter agora no estúdio uns 50 ou 60 graus, maldita TV, bendita TV do terceiro mundo que me possibilita estar agora frente a frente com ela, Clarice me olha melindrosa, assustada e seu olhar me pede para que a tranquilize.
“OK, Júlio, tudo pronto”, a voz metálica vem da caixa dos alto-falantes. Peço a toda equipe para sair, cabo man, iluminador, assistente de estúdio, agradeço. Clarice percebe que caiu numa arapuca e já não há como voltar atrás. Peço silêncio e depois de uns dez segundos ecoa um “gravando”.
Não conversamos antes e disponho apenas de 23 minutos. Estou completamente desconcertado, fico um minuto em silêncio fitando Clarice. Estou oco, vazio, não sei o que dizer. Clarice me olha curiosa, mas vigilante, defendida. Sou o senhor do castelo e — prepotente — guardo comigo a chave desta prisão. Ninguém pode entrar ou sair sem meu expresso consentimento. Todos devem se submeter à minha autoritária vontade.
A fornalha arde, meu coração dispara, minha boca está seca e debaixo destes tirânicos mil sóis sou o maior dos tiranos. Começa a entrevista. A entrevista avança. Seus olhos azuis-oceânicos revelam solidão e tristeza. Clarice está nua, não há perdão, Clarice agora está encapotada, ela se deixa agarrar, mas logo escapa, e volta, e me pega, e me sugere o longe, o não dizível, depois se cala. E quando nada mais espero, ela volta a falar. Faço uma antientrevista, pausas, silêncios, Clarice agora está fugindo para uma galáxia inabitada e inatingível, mas volta em seguida e, tolerante, suporta toda a minha limitação.
Acho que ela vai se levantar a qualquer instante e me dizer: “Chega!”. Clarice pressente que por trás de meu sorriso aparentemente compreensivo e de minha fala suave esconde-se um ser diabólico autodenominado “repórter” e que quer possuir sua intimidade. Seu corpo exprime receios, ela me afasta, mas de novo me atrai, suas pernas se cruzam e se descruzam sem parar e telegrafam que de repente ela poderá se levantar e partir.
Fonte: https://www.revistabula.com/503-a-ultima-entrevista-de-claricelispector, acesso em fevereiro de 2020
Observa-se uma construção estilística dada a presença do polissíndeto em: “ela se deixa agarrar, mas logo escapa, e volta, e me pega, e me sugere o longe, o não dizível, depois se cala. E quando nada mais espero, ela volta a falar.”, tal recurso tem a finalidade de:
a) representar a falta de palavras do entrevistador frente à entrevistada.
b) expressar a falta de profissionalismo do jornalista.
c) destacar que cada parte seguinte precisa da anterior para se manter fazendo sentido.
d) construir rima para dar mais ritmo ao texto musical.
e) ritmar o texto a partir da ideia de acréscimo, de sucessão e de continuidade.
Resolução
Alternativa E. A conjunção coordenativa “e” indica que os trechos são orações coordenadas, ou seja, independentes entre si, mas a repetição serve para reforçar a ideia de acréscimo, sucessão e continuidade.