Inconfidência Mineira x Conjuração Baiana
Ao estudarmos as revoltas coloniais, percebemos que cada um dos levantes relacionados a essa parte do passado brasileiro é marcado por características e razões muito específicas. Os maranhenses protestaram contra a falta de incentivo da Coroa; os olindenses contra o favorecimento dos comerciantes lusitanos de Recife; os mineiros contra as imposições coloniais; e os bandeirantes paulistas tentaram resistir à chegada dos lusitanos ao interior.
De fato, não podemos dizer que os sujeitos históricos daquela época sonhavam com a materialização de uma nação brasileira soberana e independente. A distância entre as regiões coloniais do vasto território era um dos fatores que mais fortemente contribuíram para a ausência de tal ideologia. Ao mesmo tempo, os valores iluministas que adentraram a Europa naquela época se manifestavam nos dizeres de poucos membros da sociedade, em sua maioria, ligados à elite local.
Vistas como as duas mais expressivas revoltas do tempo colonial, a Inconfidência Mineira de 1789 e a Conjuração Baiana de 1798 ficaram conhecidas como as duas revoltas que defendiam a extinção do pacto colonial. De fato, as imposições lusitanas e a falta de interesse pelo desenvolvimento da economia interna motivaram mineiros e baianos a conspirar contra o domínio de Portugal. Além disso, essas duas revoltas foram ideologicamente sustentadas pelas noções dos escritos iluministas.
Apesar de terem sido frustradas pelas autoridades, a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana foram marcadas por profundas diferenças. Os participantes da revolta em Minas Gerais eram todos ligados às elites locais e pretendiam melhorar sua situação com a formação de um governo livre dos impostos e representantes do poderio metropolitano. Até mesmo o alferes Tiradentes, segundo alguns pesquisadores, tinha uma condição financeira relativamente confortável.
Na Bahia, a conjuração, inicialmente, teria características muito semelhantes à da revolta que aconteceu em Minas Gerais. A elite local pretendia conduzir a tomada do poder conclamando os populares a lutarem contra seus opressores. Contudo, as condições miseráveis e as propostas de transformação disseminadas anonimamente por panfletos e pasquins instigaram os populares a tomarem conta do movimento. Mulatos, escravos, brancos pobres e negros libertos se transformaram em cabeças do levante.
A perda da condição de capital e a crise da economia açucareira atingiram uma população que sofria o mais amplo leque de privações. A falta de alimentos e emprego já eram notados nos pequenos ataques feitos contra a Câmara em razão do aumento dos preços e o desenvolvimento de outros problemas. Paralelamente, a realização de saques aos armazéns e o incêndio do Pelourinho mostraram que uma necessidade de mudança partia da população mais humilde.
No conjunto de reivindicações elaborado pelos conjurados da Bahia podemos perceber o tom popular dessa manifestação de descontentamento para com as autoridades metropolitanas. A transformação do sistema tributário, o incremento do salário dos militares de baixa patente, a liberdade comercial, a ampliação dos direitos políticos e o fim da escravidão definiam o contraste dessa revolta com a Inconfidência Mineira.
Mesmo não buscando a libertação de todo o ambiente colonial, podemos perceber que a Conjuração Baiana mostra outro lado pouco visto na historiografia do nosso país. A insatisfação daqueles que eram excluídos indica que as injustiças daquele tempo não foram sentidas de maneira passiva pelos desprivilegiados. Em contrapartida, o elitismo da Inconfidência Mineira demarca as contradições de uma elite incapaz de abrir mão de seus interesses para a construção de uma nova sociedade.
Por Rainer Sousa
Mestre em História