Memórias Póstumas de Brás Cubas

Memórias Póstumas de Brás Cubas é o romance, de Machado de Assis, que inaugurou o realismo brasileiro.
Capa do livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, da Editora Montecristo.

Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, é o romance fundador do realismo brasileiro. Considerado um dos melhores livros da história da literatura brasileira, a obra influenciou direta ou indiretamente diversos escritores no Brasil e no mundo.

Resumo

Memórias póstumas de Brás Cubas, em linhas gerais, conta a morte e a vida de Brás Cubas, narrador-personagem que, após seu falecimento, resolve contar suas memórias. No decorrer da narrativa, o leitor conhece:

  • a infância da personagem no Rio de Janeiro;

  • suas aventuras amorosas com Marcela, uma jovem que, segundo o próprio Brás Cubas, amou-o “durante quinze meses e onze contos de réis”;

  • o amor frustrado com Eugênia, uma bela jovem que, para a frustração do narrador, era coxa (palavra usada no século XIX para designar pessoas que mancam);

O pior é que era coxa. Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa! Esse contraste faria suspeitar que a natureza é às vezes um imenso escárnio. Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?

Memórias póstumas de Brás Cubas,
Machado de Assis

  • as aventuras amorosas com Virgília, o maior afeto do narrador-personagem;

  • as tentativas desastrosas de sucesso profissional de Brás Cubas.

No final do romance, Brás Cubas resume sua vida como uma sucessão de fracassos, com exceção de um:

Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de D. Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: — Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.

Memórias póstumas de Brás Cubas,
Machado de Assis

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Contexto histórico

O romance Memórias póstumas de Brás Cubas, publicado em 1881, foi produzido em um momento de grandes mudanças sociais no mundo e no Brasil. A Revolução Francesa e a Revolução Industrial produziram, durante o século XVIII e XIX, a ascensão da burguesia e um forte êxodo rural, constituindo cidades cada vez maiores e mais tecnológicas.

No Brasil, a cidade do Rio de Janeiro passou por intensa modernização após a chegada da Família Real, em 1808, e a independência do país, em 1822. Cada vez mais populosa, a cidade encheu-se de comerciantes, burocratas, funcionários públicos e outros diversos tipos sociais, que passaram a figurar nas obras de Machado de Assis.

A população pobre, composta por escravos e ex-escravos (é importante lembrar que a escravidão foi oficialmente proibida no Brasil em 1888, após séculos de lutas abolicionistas), também ocupou as cidades e as primeiras favelas do Brasil e já era percebida no centro do Rio de Janeiro. Veja, a seguir, um trecho do romance em que o narrador conta de sua infância e sua relação com os escravos dos quais detinha a propriedade:

Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de 'menino diabo'; e verdadeiramente não era outra coisa; fui dos mais malignos do meu tempo, arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso. Por exemplo, um dia quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce 'por pirraça'; e eu tinha apenas seis anos. Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia — algumas vezes gemendo —, mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um — “ai, nhonhô!” — ao que eu retorquia: — “Cala a boca, besta!”

Memórias póstumas de Brás Cubas,
Machado de Assis

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Machado de Assis é, sem dúvidas, um dos principais nomes da literatura brasileira.

Realismo: por que a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas é realista?

O romance Memórias Póstumas de Brás Cubas é considerado o romance fundador do realismo no Brasil. Isso ocorre, pois o livro apresenta características já abordadas pelo realismo europeu (que tem como marco inicial a obra Madame Bovary, de Gustave Flauber), tais como:

  • a descrição objetiva da nova realidade urbana que se apresentava no mundo;

  • o retrato dos costumes da classe média da época;

  • a recusa do tom sentimental exagerado, típico do romantismo;

  • o repúdio à idealização do amor, da mulher e do herói;

  • o forte tom de crítica social e ironia.

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Foco narrativo

O foco narrativo de Memórias póstumas de Brás Cubas é uma das questões mais interessantes do romance de Machado de Assis. Diferentemente do que ocorria nos romances europeus, em que o narrador era em terceira pessoa e onisciente, na obra de Machado tem-se a presença do narrador em primeira pessoa, ou seja, o narrador é personagem e conta sua própria história.

Para além disso, há um elemento ainda mais inovador no enredo: Brás Cubas, antes de começar a escrever suas memórias, morre, ou seja, temos um romance narrado por alguém que já morreu e, depois disso, conta sua história. Veja como o próprio Brás Cubas explica essa situação:

Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo.

Memórias póstumas de Brás Cubas,
Machado de Assis

O que é o emplasto em Memórias Póstumas de Brás Cubas?

Logo no segundo capítulo do romance, Brás Cubas conta que teve uma grande ideia: criar um medicamento capaz de “aliviar a nossa melancolia humana”. A partir dessa iluminação, o narrador passa a sonhar com a glória que receberia pela criação de tão milagroso remédio. Leia, a seguir, o momento em que se conta como nasceu o sonho do emplasto:

Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas de volatim, que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te.

Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplastro anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade.

Memórias Póstumas de Brás Cubas,
Machado de Assis

 

Entretanto, no fim do livro, Brás Cubas confessa sua frustração ao não conseguir produzir o mágico remédio. Após sua morte, o narrador relembra o caso:

Divino emplasto, tu me darias o primeiro lugar entre os homens, acima da ciência e da riqueza, porque eras a genuína e direta inspiração do Céu. O caso determinou o contrário; e aí vos ficais eternamente hipocondríacos.

Memórias Póstumas de Brás Cubas,
Machado de Assis

Publicado por Fernando Marinho
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