Tomada de Caiena
Como sabemos, o príncipe regente Dom João VI saiu de Portugal com a Família Real em direção ao Brasil no dia 29 de novembro de 1807, tendo chegado aqui em 8 de março de 1808. A vinda para o Brasil foi motivada pela expansão territorial do Império Napoleônico, que, em 1807, havia chegado até a Península Ibérica. A frota de navios que trouxe a comitiva de Dom João VI obteve a escolta da marinha britânica, à época aliada de Portugal. Essa aliança político-militar luso-britânica prevaleceu por muito tempo, sobretudo durante o período em que Dom João permaneceu no Brasil. Um dos episódios mais importantes dessa aliança foi a Tomada de Caiena, capital da Guiana Francesa, em 1809.
O território onde hoje se encontra a Guiana Francesa já pertenceu a espanhóis e a holandeses antes que se tornasse uma colônia da França, o que só aconteceu em 1667 por meio do Tratado de Breda. Mais ou menos nesse mesmo período, a Coroa Portuguesa começou a estabelecer suas primeiras definições de fronteira na região norte do Brasil Colônia. Com o Tratado de Utrecht, assinado em 1713, Portugal e França delinearam os limites entre suas colônias no extremo norte da América do Sul. Sendo assim, ficaram definidos os limites entre Pará (que incluía também o atual Amapá), Maranhão, de posse portuguesa, e a Guiana, sob o jugo da França.
Quando estourou a Revolução Francesa, em 1789, apesar de muitas colônias da França terem entrado em convulsão política e social, não houve praticamente nenhuma repercussão na Guiana. Os problemas só começaram com a chegada e ascensão de Napoleão ao poder (1799), tornado imperador em 1804; fato que, como vimos acima, forçou a vinda da Família Real para o Brasil em 1808. Como Portugal, na pessoa de D. João, a essa altura já era um dos principais inimigos do Império Napoleônico, as animosidades continuaram. Uma das primeiras atitudes do príncipe regente foi atentar para o problema da Guiana Francesa, que poderia se tornar um local estratégico para o Império Napoleônico na América do Sul. Dom João VI, então, valeu-se da aliança com os ingleses para impor um controle militar sobre a colônia francesa.
A ação de ocupação da Guiana começou com uma atividade de espionagem, executada em agosto de 1808 por oficiais portugueses (tenente Valério José Gonçalves e aspirante Florentino José da Costa) do forte de Macapá. Ambos, disfarçados de pescadores, infiltraram-se em Caiena para monitorar as atividades de proteção da ilha. Essa missão foi decisiva para colher informações importantes para a estratégia luso-britânica. A Inglaterra, de sua parte, forneceu aos portugueses o navio de guerra HMS Confiance, com tripulação comandada pelo experiente capitão James Lucas Yeo. Toda a operação esteve aos cuidados do governador da Capitania do Grão-Pará, José Narciso Magalhães Mendes, que depositou o comando nas mãos do Tenente-coronel Manuel Marques.
A expedição militar partiu da ilha de Marajó com três navios, o Confiance, britânico, o Voador e o Infante Dom Pedro. A ocupação ocorreu de forma menos traumática, para ambas as partes, do que seriam outras iniciativas militares empreendidas durante o período joanino, como diz o historiador Oliveira Lima, em seu livro Dom João VI no Brasil, a tomada de Caiena, com a consequente ocupação da Guiana Francesa:
“[...] foi um feito mais de brilho, ou melhor mais de natureza a produzir efeito, do que de real importância pelos seus efeitos duradouros. A sir Sidney Smith é atribuída nas memórias que dele publicaram a iniciativa ou lembrança da expedição. Assim fosse ou não, os portugueses intentaram essa feliz ação por desforço contra a invasão de Portugal, e para acabar com a constante ameaça de um núcleo francês no continente que, propriamente reforçado, poderia facilmente tomar a ofensiva contra os relativamente esparsos e desguarnecidos estabelecimentos portugueses na América do Sul. [1]
Como visto, a operação luso-inglesa em Caiena teve como objetivo principal deixar claro ao Império Napoleônico que o Império Português, apesar de, à época, encontrar-se fragilizado em seus domínios na Europa, ainda era capaz de interpor-se como ameça aos projetos expansionistas de Napoleão por outras vias – colocando em xeque as colônias francesas.