A chegada da Corte e a música no período joanino
A chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, em 1808, não resultou apenas em mudanças econômicas e políticas, principalmente com a abertura dos portos às nações amigas e com a elevação do Brasil a vice-reino. A chegada de D. Maria I e D. João VI ao Brasil provocou também uma mudança cultural na sociedade do Rio de Janeiro. No que se refere à música no período joanino, é de se salientar a introdução da estética musical erudita em uma cidade acostumada com a sonoridade produzida pelas classes populares.
D. João VI era um amante da música e ainda em Portugal frequentava concertos e eventos na Capela Real e em Mafra. Ao transferir a Corte para o Brasil, trouxe também uma série de músicos que residiam em Lisboa. Durante a chegada ao Rio de Janeiro, foi recebido por um cortejo da Irmandade de Santa Cecília, entoando cânticos sacros.
Mas foi um padre brasileiro, mulato, que inicialmente se ocupou do cargo de organista da Capela Real. O padre José Maurício era já conhecido por seu gosto musical, bem como por suas composições e pelos ensinamentos dados a jovens músicos.
Outro nome que se destacou na cena musical erudita do período joanino foi o de Marcos Antônio Fonseca Portugal, o mais importante músico português do período. Com uma formação realizada na Itália, Marcos Portugal compôs diversas óperas. Esse estilo musical era muito admirado por D. João VI, que chegou a trazer da Itália diversos sopranos castrati para participar das encenações.
Ainda no que se refere à música erudita, é de se destacar também a presença de Segismund von Neukomm, um pianista austríaco, discípulo de Joseph Haydn, representante do classicismo vienense. A presença dessas três figuras operou uma mescla de influências musicais no período, entre a música colonial, o operismo italiano e o classicismo vienense.
Além do incentivo à vinda desses artistas, D. João VI ordenou a construção do Teatro Real de São João, que foi inaugurado em 1813. Interessante notar que no Teatro de São João houve a apresentação da ópera de Mozart, Don Giovanni, encenada no Rio de Janeiro pouco após sua estreia, em Viena, na Áustria.
Mas não era apenas a música erudita que preenchia os sons do Rio de Janeiro joanino. A música popular no Brasil foi desenvolvida desde os primeiros anos da colonização, principalmente com os batuques dos africanos e com as músicas religiosas. No início do século XIX, destacava-se na cidade do Rio de Janeiro a execução de lundus e modinhas, além da música instrumental dos barbeiros.
Antes da chegada da Corte portuguesa, a prática de execução musical era tida com uma atividade subalterna, ligada aos ofícios manuais, não sendo praticada pela elite. Com o estímulo de D. João VI, a situação foi se alterando. Mesmo assim, a música produzida pela classe subalterna era tocada nas casas da elite.
Os músicos europeus entraram em contato com a música produzida pelos residentes na colônia, o que possivelmente os tenha influenciado em suas composições. Um exemplo pode ser encontrado nas modinhas compostas por Joaquim Manoel da Câmara, que estimularam Segismund Neukomm a fazer notações e arranjos em 20 dessas modinhas para a execução em Paris, em fortepianos, instrumento antecessor do piano.
O estímulo à produção musical no período joanino evidencia como pode haver uma circularidade de experiências culturais entre distintas classes sociais, cada uma se apropriando a seu modo do que é produzido pela outra.
* Imagem retirada do seguinte endereço: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rugendas_lundu.jpg