Cristãos-novos
Para entendermos como surgiram os chamados cristãos-novos, na Península Ibérica, é necessário entendermos o contexto do processo de formação dos Reinos de Portugal e Espanha. Os modernos reinos de Portugal e Espanha formaram-se durante as guerras pela reconquista da Península Ibérica, entre os séculos XIV e XV, que foram travadas contra os mouros, isto é, muçulmanos de origem norte-africana que haviam dominado quase todo o território ibérico durante a Idade Média. Os reinos espanhol e português possuíam a característica principal de serem católicos e de defenderam a fé católica.
À medida que esses reinos católicos foram consolidando-se, várias medidas passaram a ser tomadas com vistas a expurgar a presença muçulmana da Península Ibérica. Ao mesmo tempo em que a política anti-islâmica ocorria no reino espanhol, também havia a política de oposição à presença das comunidades judaicas em seu território, haja vista que nessa época a prática do judaísmo era considerada heresia, e os judeus eram identificados como causadores de distúrbios sociais e catástrofes (como a Peste Negra).
Na década de 1490, milhares de judeus migraram da Espanha para Portugal em busca de trabalho e refúgio. O reino português valia-se da habilidade judaica em questões de comércio para poder melhorar o seu fluxo econômico. Porém, em 1497, o rei português D. Manuel I casou-se com a herdeira dos reis que unificaram a Espanha, Isabel de Aragão. Esse casamento fez com que Portugal tivesse que se adequar a algumas exigências da coroa espanhola. Uma dessas exigências era a expulsão dos judeus de seu território. Manuel I, então, propôs aos judeus que se encontravam em território português que se convertessem ao catolicismo ou deixassem o país.
Mais de 20 mil judeus decidiram deixar o país, o que levou D. Manuel I a fechar o Porto de Lisboa. A única saída que restou aos judeus foi permanecer em Portugal, e Manuel I ordenou que eles fossem convertidos à força. Nos anos que se seguiram, muitos judeus foram obrigados de diversas maneiras a se converterem ao catolicismo. Crianças judias, por exemplo, eram raptadas para serem batizadas e educadas em famílias católicas. Os judeus convertidos nesse contexto ficaram conhecidos como cristãos-novos.
Sendo assim, a maior parte dos Cristãos-novos era constituída de judeus convertidos à força, que só se mostravam como católicos publicamente, mas que, no foro íntimo, continuavam a prática dos ritos judaicos ou a “judaizar”, como se dizia na época. Essa prática secreta dos ritos judaicos ficou conhecida como “criptojudaísmo”. Os criptojudeus tornaram-se alvos de perseguição a partir do século XVI no mundo ibérico, fosse nas metrópoles, fosse nas colônias americanas. A Igreja Católica teve que montar um Tribunal do Santo Ofício especial para o exame de ocorrência de criptojudaísmo entre cristãos-novos.
Em 1506, um acontecimento emblemático envolvendo a perseguição aos cristãos-novos ocorreu em Lisboa. Na Capela de Jesus, no Mosteiro de São Domingos, em 19 de abril, os fiéis acreditaram ter visto o rosto de Cristo, quando um cristão-novo replicou-lhes dizendo ser apenas o reflexo do crucifixo na parede provocado pela chama de uma vela. Essa observação crítica do cristão-novo bastou para que ele fosse arrastado para fora da capela e sofresse agressões até a morte. Depois desse linchamento, vieram centenas nos dias que se seguiram. A população encontrou nos judeus uma “válvula de escape” para os problemas que acometiam o país à época, haja vista que Portugal passava por uma crise intensa, provocada pela seca e pela peste, e os judeus passaram a ser acusados de “causadores” daquela situação, sobretudo por não observarem os preceitos da fé católica.