Guerra da Bósnia e a fragmentação da Iugoslávia

A Guerra da Bósnia foi um dos capítulos da fragmentação da Iugoslávia, marcado também por conflitos na Eslovênia, Croácia e Kosovo ao longo da década de 1990.
Soldado correndo em meio a ruínas durante um tiroteio entre tropas bosníacas e sérvio-bósnios em 1993 *

A Guerra da Bósnia aconteceu na Bósnia entre 1992 e 1995, durante o processo de fragmentação da antiga Iugoslávia. Esse foi o maior conflito ocorrido em solo europeu depois da Segunda Guerra Mundial e foi responsável pela morte de aproximadamente 100 mil pessoas.

Antecedentes

A Guerra da Bósnia foi consequência da intolerância causada por diferenças étnicas e religiosas que existiam historicamente na região. Os ressentimentos existentes entre os diferentes grupos que habitavam a Bósnia foram construídos ao longo da história e remontam à fundação da Iugoslávia no começo do século XX.

A Iugoslávia surgiu após a Primeira Guerra Mundial, com o desmantelamento do Império Austro-húngaro em 1918, sob o nome de Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos. A partir de 1929, foi adotada a denominação de Reino da Iugoslávia, que era liderado por uma monarquia controlada pelos sérvios. Esse governo estendeu-se até 1941, quando o país foi invadido pelos alemães e um Estado fantoche de nacionalistas croatas foi criado na região.

Com a vitória dos partisans na luta contra nazistas e seus aliados, a Iugoslávia passou a ser governada pelos comunistas liderados por Josip Broz Tito. O general Tito governou a República Socialista Federativa da Iugoslávia e manteve os ressentimentos étnicos represados com sua postura ditatorial.

A morte do general Tito em 1980 criou um vácuo de poder que permitiu o ressurgimento dos ressentimentos étnicos e o fortalecimento de discursos de nacionalismo extremista. Além disso, o colapso do bloco socialista em todo o leste europeu impulsionou esses grupos a lutarem por sua independência.

De todo esse processo, surgiram lideranças étnicas que representavam politicamente seus grupos na Iugoslávia. Assim, destacaram-se os seguintes líderes das três etnias hegemônicas da região:

  • Alija Izetbegovic, líder dos bosníacos (bósnios-muçulmanos);

  • Franjo Tudman, líder dos croatos;

  • Slobodan Milosevic, líder dos sérvios.

Fragmentação da Iugoslávia

A virada da década de 1980 para a década de 1990 foi pautada pelo debate separatista e étnico na Iugoslávia. A condição multiétnica da região e as demandas histórias por soberania levaram determinados grupos a posicionarem-se e a debaterem a sua separação da Iugoslávia. Os primeiros a movimentarem-se nesse sentido foram os eslovenos.

Historicamente, a Iugoslávia teve nos sérvios o grupo hegemônico que controlava grande parte da política da região. Outros grupos, como os eslovenos, croatas e bosníacos, exigiam maior representatividade na política e encaravam a hegemonia sérvia como opressão. A fragmentação da Iugoslávia acabou acontecendo como um efeito dominó quando os eslovenos declararam sua independência em junho de 1991.

A declaração de independência da Eslovênia foi seguida por uma pequena guerra de 10 dias, que teve aproximadamente 70 mortos. O governo iugoslavo retirou suas tropas da região por considerá-la pouco relevante e para concentrar-se em um local que demonstrava ser o próximo foco de tensão: a Croácia.

Com a independência da Eslovênia, os croatas sentiram-se pressionados a conquistar sua independência, pois, mais do que nunca, naquele momento seriam isolados politicamente pelos sérvios. O discurso separatista da Croácia esbarrava na grande quantidade de sérvios étnicos que habitavam a região, e essa foi a razão do conflito (o mesmo aconteceu também na Bósnia).

Os sérvios, alimentados pelo discurso de Slobodan Milosevic de formar uma “Grande Sérvia”, declararam sua separação do território croata, o que levou ao início do conflito. O mesmo processo aconteceu na Bósnia-Herzegovina, porém o caso bósnio era agravado pela maior diversidade étnica da região.

Com os croatas lutando pela sua independência, os bosníacos fortaleceram seu movimento separatista. O separatismo bosníaco gerava tensão por causa dos diferentes interesses que existiam na Bósnia como resultado da diversidade étnica de um país onde 43,7% da população era bosníaca, 31,4% sérvia e 17,3% croata|1|. Os diferentes interesses existentes na região eram divididos em:

  • Bosníacos: queriam a independência da Bósnia-Herzegovina sob a liderança de bósnios muçulmanos;

  • Sérvios: queriam a anexação dos territórios habitados por sérvios para formar a Grande Sérvia;

  • Croatas: queriam a anexação dos territórios habitados por croatas com a Croácia.

Os sérvios da Bósnia eram enfáticos em não aceitar o discurso independentista dos bosníacos, e isso ficou claramente manifestado nos discursos e ações do líder dos sérvios da Bósnia, Radovan Karadzic. Ele assumiu uma postura agressiva contra o separatismo bosníaco, conforme pode ser percebido no trecho abaixo:

[…] no dia 15 de Outubro de 1991, com o conflito na Croácia a atingir uma fase muito intensa e decisiva, Karadzic dirigiu-se a Izetbegovic durante uma sessão do parlamento da Bósnia-Herzegovina: <<Pretendem conduzir a Bósnia-Herzegovina para o mesmo caminho do inferno e do sofrimento, semelhante ao que a Eslovênia e a Croácia estão a atravessar. Não pensem que vão conduzir a Bósnia-Herzegovina para o inferno, e não pensem que vão conseguir evitar que o povo muçulmano seja conduzido para a aniquilação, porque os muçulmanos não se poderão defender a si próprios em caso de guerra. Como vão impedir que toda a vossa gente seja morta na Bósnia-Herzegovina?>>, avisou|2|.

A Bósnia declarou sua independência em março de 1992, e, em abril, os sérvios iniciaram um ataque contra os bosníacos na cidade de Sarajevo, capital da Bósnia. A guerra, então, havia começado e espalhou-se por todo o país.

Principais eventos da guerra

Assim que a guerra começou, o exército sérvio conquistou inúmeras regiões na Bósnia por causa do pouco preparo das forças bosníacas. Além disso, a cidade de Sarajevo foi cercada pelos exércitos sérvios, em um dos maiores cercos a uma cidade desde a Segunda Guerra Mundial. Por toda a Bósnia, milícias formadas por sérvios iniciaram ataques contra comunidades bosníacas.

Os ataques realizados contra bosníacos foram considerados por observadores internacionais como limpeza étnica. Além disso, bosníacos foram agrupados em campos de concentração, e milhares de mulheres bosníacas foram estupradas nas chamadas “casa de abuso”. Ao longo desse período, registraram-se também ataques do mesmo tipo contra sérvios, porém em número bem menor.


Exumação de cadáveres de vítimas bosníacas do massacre cometido em Srebrenica **

Destacaram-se no conflito na Bósnia dois eventos: o cerco à cidade de Sarajevo e o massacre de Srebrenica. No caso de Sarajevo, a cidade foi cercada por tropas sérvias e constantemente bombardeada por canhões. Além disso, franco-atiradores sérvios receberam ordem para mirar e atirar em alvos civis que transitassem pelas ruas da cidade.

O massacre de Srebrenica aconteceu em julho de 1995, quando tropas sérvias invadiram a zona de segurança de Srebrenica e realizaram um grande massacre da população bosníaca do local. Ao todo, estima-se que mais de oito mil pessoas tenham sido sumariamente executadas e seus corpos jogados em valas comuns.

Durante essa guerra, a pressão internacional sobre os sérvios e o auxílio que os bosníacos receberam dos países muçulmanos forçaram Karadzic e os sérvios a assinarem um cessar-fogo. O Acordo de Dayton pôs fim ao conflito na Bósnia e criou duas entidades diferentes no país, cada uma designada para os diferentes grupos que lá residiam. Muitos dos que cometeram crimes de guerra na Bósnia foram julgados nos anos seguintes em tribunais internacionais.

|1| NIKSIC, Stevan e RODRIGUES, Pedro Caldeira. O vírus balcânico: o caso da Jugoslávia. Assírio & Alvim: Lisboa, 1996, p. 289.
|2| Idem, p. 122.

*Créditos da imagem: Northfoto e Shutterstock
**Créditos da imagem: Northfoto e Shutterstock

Publicado por Daniel Neves Silva
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