Cinco poemas de Manuel Bandeira
Quando o assunto é poesia brasileira, o nome de Manuel Bandeira está entre os mais lembrados pela crítica e pelo público. Bandeira, ao lado de Oswald e Mário de Andrade, compôs a famosa tríade modernista, responsável pela divulgação e solidificação do movimento em nosso país. Embora tenha sido o menos atuante do grupo, apropriou-se, ainda que gradativamente, das inovações estilísticas do Modernismo, tornando-se o mestre do verso livre em nossa literatura.
Entre os três escritores, Manuel Bandeira era o menos polêmico e menos radical. Enquanto Oswald e Mário de Andrade viam no Modernismo a única maneira para romper com a cultura oficial europeizada, Bandeira via o movimento como condição indispensável para a continuidade de sua poesia. Sua intenção não era chocar ou menosprezar a literatura produzida no passado, mesmo porque nutria grande admiração por Camões, Gonçalves Dias e Musset, mas sim encontrar o equilíbrio entre o tradicional e as novas formas de expressão.
Em sua poesia podemos encontrar temas prosaicos, como a própria doença do escritor (Bandeira sofreu durante anos com a tuberculose e, por isso, tinha saúde frágil), o cotidiano, a cultura popular, a saudade, a infância, a solidão, entre outros que, apesar de serem corriqueiros, contavam com a maestria de um poeta que soube tratar assuntos aparentemente banais em poesias ricas em construção e significação. É inegável o fato de que a experiência pessoal ganhou destaque na obra de Manuel Bandeira, experiência marcada principalmente pela solidão e pela doença, mas é inaceitável que sua imensa contribuição literária seja reduzida a um mero relato sobre seu sofrimento. Bandeira foi universal e, por meio de suas próprias dores, fossem elas físicas ou emocionais, soube falar de temas que afligem a todos.
Para que você possa conhecer um pouco mais do lirismo e da simplicidade desse inigualável poeta, o Mundo Educação apresenta para você cinco poemas de Manuel Bandeira. Esperamos que esse seja apenas o seu primeiro encontro com aquele que é considerado o mestre do verso livre na poesia brasileira. Boa leitura!
Testamento
O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!
Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
Arte de amar
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
O último poema
Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
O anel de vidro
Aquele pequenino anel que tu me deste,
– Ai de mim – era vidro e logo se quebrou…
Assim também o eterno amor que prometeste,
- Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.
Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, –
Aquele pequenino anel que tu me deste,
– Ai de mim – era vidro e logo se quebrou…
Não me turbou, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.
De ti conservo no peito a saudade celeste…
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste…
*A imagem que ilustra o artigo é capa do livro Manuel Bandeira - Meus poemas preferidos, Editora Ediouro.