Orfismo

O Orfismo, também conhecido como primeira fase do modernismo em Portugal, foi criado por um grupo de artistas portugueses, entre eles, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro.
A revista Orpheu foi criada por um grupo de artistas plásticos e escritores que tinha como principal objetivo divulgar a estética modernista em Portug

A literatura moderna em Portugal pode ser analisada a partir do estudo de suas principais vertentes, entre elas o Orfismo, também conhecido como a primeira fase do modernismo português. Inaugurado no início do século XX, o modernismo contou com diversos representantes, nomes que deixaram uma contribuição indelével para a literatura em língua portuguesa.

O Orfismo teve início em 1915 em meio a um período político-econômico conturbado para a Europa. Foi nesse clima de tensão que um grupo de artistas plásticos e escritores uniu-se para encontrar novas formas de expressão literária que rompessem com o acanhado meio cultural português. A Europa experimentava a eclosão de diversas correntes estéticas, entre elas o Futurismo e o Cubismo, vanguardas que conquistaram espaço em várias manifestações artísticas ao romper com o passadismo e com a tradição simbolista vigente. Influenciados por essa efervescência cultural, os escritores Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Raul Leal, Luís de Montalvor e o brasileiro Ronald de Carvalho — esse último responsável pela publicação no Brasil — criaram a revista Orpheu (daí o nome Orfismo) com o objetivo de divulgar o modernismo em Portugal.

A revista Orpheu foi responsável por disseminar a estética modernista e, embora influente no meio literário, teve apenas dois números publicados, o primeiro em março de 1915 e o segundo em junho do mesmo ano. A publicação sucumbiu à incompreensão da crítica conservadora — defensora ferrenha da literatura tradicional — e ao fim do mecenato involuntário do pai de Mário de Sá-Carneiro, que, em julho de 1915, negou-se a bancar a publicação do terceiro número da revista, levando a empreitada à falência.


Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros foram os principais representantes do Orfismo na literatura portuguesa

“O que é propriamente revista em sua essência de vida e cotidiano, deixa-o de ser ORPHEU, para melhor se engalanar do seu título e propôr-se.

E propondo-se, vincula o direito de em primeiro lugar se desassemelhar de outros meios, maneiras de formas de realizar arte, tendo por notável nosso volume de Beleza não ser incaracterístico ou fragmentado, como literárias que são essas duas formas de fazer revista ou jornal.

Puras e raras suas intenções como seu destino de Beleza é o do:—Exílio!

Bem propriamente, ORPHEU, é um exílio de temperamentos de arte que a querem como a um segredo ou tormento…

Nossa pretenção é formar, em grupo ou ideia, um número escolhido de revelações em pensamento ou arte, que sobre este princípio aristocrático tenham em ORPHEU o seu ideal esotérico e bem nosso de nos sentirmos e conhecermo-nos.

A fotografia de geração, raça ou meio, com o seu mundo imediato de exibição a que frequentemente se chama literatura e é sumo do que para aí se intitula revista, com a variedade a inferiorizar pela igualdade de assuntos (artigo, seção ou momentos) qualquer tentativa de arte —deixa de existir no texto preocupado de ORPHEU.

Isto explica nossa ansiedade e nossa essência! (...)”.

(Introdução de Luís de Montalvor para o primeiro número da Revista Orpheu)

A revista Orpheu, a despeito de seu fracasso comercial e breve história, deixou uma imensa contribuição para a literatura moderna. Seu primeiro número é considerado o marco inicial do movimento modernista em Portugal, pois foi em suas páginas que a poesia rompeu com os padrões estéticos e apresentou novos contornos ao abandonar a poesia de caráter histórico. Nessa nova poesia, o homem e seu espanto de existir são a principal temática, bem como a preocupação com o futuro. Essa ruptura causou grande estranhamento entre a crítica literária e chocou a burguesia portuguesa, habituada ao estilo passadista de sua literatura.

O Orfismo teve relevância até 1927, quando enfim cedeu espaço para o início da segunda geração modernista, o Presencismo. Para que você conheça um pouco mais da literatura produzida durante esse período, o Mundo Educação selecionou poemas de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro e uma prosa poética de Almada Negreiros, textos que bem ilustram a estética da primeira fase do modernismo português. Boa leitura!

À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica  
Tenho febre e escrevo.  
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,  
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!  
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!  
Em fúria fora e dentro de mim,  
Por todos os meus nervos dissecados fora,  
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!  
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,  
De vos ouvir demasiadamente de perto,  
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso  
De expressão de todas as minhas sensações,  
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!(...)”

(Excerto do poema “Ode Triunfal”, do heterônimo Álvaro de Campos, Fernando Pessoa. Publicado na Revista Orpheu nº1).

Taciturno

Há Ouro marchetado em mim, a pedras raras,
Ouro sinistro em sons de bronzes medievais -
Joia profunda a minha Alma a luzes caras,
Cibório triangular de ritos infernais.

No meu mundo interior cerraram-se armaduras,
Capacetes de ferro esmagaram Princesas.
Toda uma estirpe rial de herois d'Outras bravuras
Em mim se despojou dos seus brazões e presas.

Heraldicas-luar sobre ímpetos de rubro,
Humilhações a liz, desforços de brocado;
Bazilicas de tédio, arnezes de crispado,
Insignias de Ilusão, troféus de jaspe e Outubro...

A ponte levadiça e baça de Eu-ter-sido
Enferrujou - embalde a tentarão descer...
Sobre fossos de Vago, ameias de inda-querer -
Manhãs de armas ainda em arraiais de olvido...

Percorro-me em salões sem janelas nem portas,
Longas salas de trôno a espessas densidades,
Onde os pânos de Arrás são esgarçadas saudades,
E os divans, em redór, ansias lassas, absortas...

Ha rôxos fins de Imperio em meu renunciar -
Caprichos de setim do meu desdem Astral...
Ha exéquias de herois na minha dôr feudal -
E os meus remorsos são terraços sobre o Mar...

(Poema de Mário de Sá-Carneiro publicado na Revista Orpheu nº1 - Ortografia original preservada).

Canção da Saudade

Se eu fosse cego amava toda a gente. 

Não é por ti que dormes em meus braços que sinto amor. Eu amo a minha irmã gemea que nasceu sem vida, e amo-a a fantazia-la viva na minha edade. 

Tu, meu amor, que nome é o teu? Dize onde vives, dize onde móras, dize se vives ou se já nasceste. 

Eu amo aquella mão branca dependurada da amurada da galé que partia em busca de outras galés perdidas em mares longissimos. 

Eu amo um sorriso que julgo ter visto em luz do fim-do-dia por entre as gentes apressadas. 

Eu amo aquellas mulheres formosas que indiferentes passaram a meu lado e nunca mais os meus olhos pararam nelas. 

Eu amo os cemiterios - as lágens são espessas vidraças transparentes, e eu vejo deitadas em leitos florídos virgens núas, mulheres bellas rindo-se para mim. 

Eu amo a noite, porque na luz fugida as silhuetas indecisas das mulheres são como as silhuetas indecisas das mulheres que vivem em meus sonhos. Eu amo a lua do lado que eu nunca vi. 

Se eu fosse cego amava toda a gente. 

(Prosa poética de Almada Negreiros publicada na Revista Orpheu nº1 – Ortografia original preservada).

Publicado por Luana Castro Alves Perez
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