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Hegel

Georg Wilhelm Hegel pensava que a consciência deveria passar por uma série de desenvolvimentos para superar as contradições percebidas em conceitos que seriam aparentemente opostos; buscou uma interpretação racional da multiplicidade sensível, tentando enxergar no finito o que havia de absoluto. Pode-se identificar seu ponto de partida conceitual em elementos das teorias de Immanuel Kant e Johann Gottlieb Fichte.

Enquanto estudou em Tübingen, fez duas amizades que o marcaram pessoal e filosoficamente. Fascinou-se com a democracia na Grécia antiga, por influência do famoso poeta alemão Johann Friedrich Hölderlin, e acompanhou criticamente os desdobramentos da Revolução Francesa (1789), evento que teve grande influência em seus pensamentos. Entusiasmou-se com a possibilidade de ver nesse evento a manifestação da liberdade moderna, mas esse não se elevou à condição de racionalidade esperada.

O início de seu desenvolvimento intelectual esteve muito próximo ao de Friedrich Wilhelm von Schelling, que já havia adquirido certa notoriedade, o que se torna explícito em seu primeiro livro Diferença entre os sistemas filosóficos de Fichte e de Schelling (1801). Essa proximidade e consequente amizade acabam poucos anos mais tarde, já que ambos começam a expressar e publicar ideias conflitantes.

Hegel foi um dos principais nomes do idealismo alemão.
Hegel foi um dos principais nomes do idealismo alemão.

Biografia de Hegel

Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu na cidade de Stuttgart em 1770 e pertenceu a uma família com fortes laços protestantes. Embora seja hoje amplamente conhecido pelo seu último nome, seus familiares e amigos tratavam-no por “Wilhelm”. Começou a estudar em uma instituição formal já aos três anos e teve lições de latim em casa, com sua mãe Maria Magdalena Louisa Hegel.

Seu pai, Georg Ludvich Hegel, havia estudado direito na Universidade de Tübingen e trabalhava como secretário em uma repartição pública. Seu irmão conquistou uma carreira militar notável, mas faleceu na Campanha Russa. Teve maior contato com sua irmã, Christiane Louise, que permaneceu em casa cuidando do patriarca da família, e para a qual confessou que a morte repentina de sua mãe, em 1781, abalou-o imensamente.

Finalizou seus estudos básicos em sua cidade, no Gymnasium Illustre, onde teve seus primeiros contatos com os ideias iluministas. Embora essa escola tenha nutrido bons frutos na educação desse filósofo, seu período no seminário protestante Stift, que funcionava na Universidade de Tübingen, proporcionou pouco contentamento.

Forma-se em filosofia e teologia em 1793 e adquire seu magister philosophae poucos anos depois. Dois escritos de sua juventude, organizados apenas postumamente e intitulados O espírito do cristianismo e seu destino e A vida de Jesus, indicam como o filósofo esteve interessado em temas teológicos, mas os abordou por um viés iluminista. Muitos indicam nessas reflexões iniciais o primórdio de sua proposta dialética.

Finaliza seu trabalho doutoral em 1801, e no mesmo ano defende um trabalho que lhe garante a habilitação para lecionar (o chamado privatdozent). Essa forma de sustento é ainda incerta, e a qualificação de professor extraordinário só é conquistada em 1805. A instabilidade política acaba interrompendo a atividade docente de Georg Wilhelm Hegel. Napoleão Bonaparte invade a cidade de Viena, em 1806, no mesmo ano em que o filósofo estava finalizando sua primeira grande obra, a Fenomenologia do espírito (1807).

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Com a cidade parcialmente destruída e sua casa invadida, Hegel muda-se para Nuremberg. É nessa cidade que se casa com Marie Helene von Tucher, chegando a ter dois filhos, Karl Friedrich Wilhelm e Immanuel Thomas Christian. É um momento pessoalmente agradável para o filósofo, mas, por causa de problemas financeiros, recorre ao amigo Immanuel Niethammer para conseguir emprego — inicialmente como redator-chefe de um jornal local, em Bamberger, e depois no ginásio de Nuremberg, onde lecionou para adolescentes e assumiu posteriormente o cargo de reitor. Sua Propedêutica filosófica, organizada postumamente, é indicada como resultado do período em que trabalhou nesse colégio.

É nesse período que escreve os dois volumes de Ciência da lógica (1812 e 1816), obra de maior teor sistemático, mas que não foi recebida com a mesma admiração de seu primeiro grande escrito. É um texto denso e altamente abstrato reconhecido pela comunidade filosófica ainda hoje como complexo e de difícil leitura. O filósofo apresenta o problema do começo da reflexão filosófica e distancia-se de um tratado de lógica tradicional, aproximando-se de um estudo ontológico. As críticas fazem-no escrever Enciclopédia das ciências filosóficas (1817), editada em três volumes, que é uma abreviação de seu sistema filosófico.

Aos 46 anos é convidado a assumir um cargo assalariado na Universidade de Heidelberg. Sua aula inaugural, em outubro de 1816, tratou da história da filosofia, tema com o qual se ocupou detidamente nos anos que se seguiram. Pouco tempo depois, entretanto, conquista o que almejava: a cadeira de professor em Berlim, universidade em que permaneceu até sua morte.

Embora benquisto pelos estudantes, sofreu críticas e temia perseguição política por causa do conteúdo de seus cursos. Arthur Schopenhauer tentou competir com um deles, em 1826, mas nenhum estudante inscreveu-se em seu curso. Em 1831, a cidade vivenciava uma epidemia de cólera, e Hegel decide viajar com a família para não contrair a doença. Com a aparente melhora da situação, retornam após algumas semanas, mas o filósofo acaba ficando doente poucos dias depois, vindo a falecer em 14 de novembro de 1831.

Leia mais: Conhecimento: um dos principais objetos de estudo da filosofia

Pensamento de Hegel

A principal obra de Georg Wilhelm Hegel, Fenomenologia do espírito (1807), expõe sua perspectiva epistemológica. Objetiva superar dialeticamente a dicotomia sujeito e objeto, resolvendo aparentes contradições desse conceito. O que seria, contudo, esse espírito (geist, em alemão)? Certamente não se trata de algo sobrenatural, mas evoca o não material. Trata-se, em sentido geral, de denotar o aspecto intelectual, seja de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos.

Pode-se falar, assim, do espírito subjetivo, que seria a vida mental de alguém, ou do espírito objetivo, que seria a manifestação das produções intelectuais de uma coletividade, por exemplo, a moralidade ou o direito. O termo espírito deve ser entendido como uma atividade e não como um objeto ou coisa. Mesmo com essas qualificações, o filósofo usa-o em um sentido apenas, sendo essas diferenças fases ou desenvolvimentos de um único espírito. O último desenvolvimento é o chamado espírito absoluto, um momento de plenitude, no qual a ideia manifesta-se como ser em e para si.

Em toda essa reflexão, percebe-se a abordagem dialética. O que se identifica como contrário é resultado de análises insuficientes que ainda não alcançaram uma compreensão superior que resolva a oposição. Isso indicaria a realidade como um processo, o movimento geralmente caracterizado como tese, antítese e síntese.

A investigação inicia-se, em linhas gerais, com conceitos distintos cujas contradições emergem ao serem investigados. O resultado é a incorporação dos opostos, conduzindo a uma elevação, uma compreensão nova dos momentos anteriores. Não se trata apenas de um movimento no âmbito do pensamento, mas igualmente no do ser. Teríamos, por exemplo, a relação entre família - sociedade civil - Estado, como apresentado em Filosofia do direito (1821):

“A sociedade civil-burguesa supera dialeticamente a família, negando seus princípios, esvaziando-a, diminuindo seu papel, sem, no entanto, fazê-la desaparecer. O Estado supera dialeticamente a sociedade civil-burguesa, negando sua pulverização estrutural, mas precisa conservar, em sua síntese superior, as exigências ligadas à conquista da autonomia por parte dos indivíduos [...] O Estado é o nível superior da realização desse movimento; é a ‘efetividade da ideia ética’, a unidade da consciência subjetiva e da ordem objetiva.” |1|

O pensamento de Georg Wilhelm Hegel influenciou alguns filósofos da Escola de Frankfurt e o pensamento existencialista; ultrapassou ainda as fronteiras da Alemanha, atraindo interesse na França, em meados do século XX, em boa parte devido aos cursos de Alexandre Kojève, e nos Estados Unidos, especialmente em Charles Taylor. Considera-se que György Lukács e Wilhelm Dilthey tenham também elaborado alguns conceitos com base nesse grande filósofo.

Søren Kierkegaard e Karl Marx são os filósofos mais relevantes que criticaram o pensamento hegeliano. O alvo da crítica desse último é, inicialmente, a perspectiva política de Hegel, em especial a noção de Estado, mas, na sequência de seu desenvolvimento intelectual, acaba por colocar em questão a dialética hegeliana e invertê-la.

Veja também: Friedrich Nietzsche: abordou temas vistos como “intocáveis” na filosofia

Principais obras e citações

Algumas obras de Georg Wilhelm Hegel foram organizadas após sua morte, com base em suas anotações e em anotações de sala de aula por seus estudantes. Embora possa-se dizer que havia o interesse na publicação desses textos, a redação final coube a terceiros. São elas:  Introdução à história da filosofia, Estética e Filosofia da religião. Muitas dessas anotações são resultado de cursos no período em que trabalhou em Berlim.

A linguagem dos textos, em geral, não pode ser considerada simples, e por isso há divergências em como interpretar o filósofo. Em todo caso, houve empenho em reescrever Enciclopédia das ciências filosóficas, em 1827, com o intuito de torná-la mais palatável. Ele planejava também concluir a reedição de Ciência da lógica, projeto interrompido pela sua morte.

  • Fenomenologia do espírito

“A certeza sensível experimenta, assim, que sua essência nem está no objeto nem no Eu, e que a imediatez nem é imediatez de um nem de outro, pois o que 'viso' em ambos é, antes, um inessencial [...] Com isso chegamos a [esse resultado de] pôr como essência da própria certeza sensível o seu todo, e não mais apenas um momento seu — como ocorria nos dois casos em que sua realidade tinha de ser primeiro o objeto oposto ao Eu, e depois o Eu.” 

  • Enciclopédia das ciências filosóficas

“A história da filosofia mostra nas filosofias diversamente emergentes que, de um lado, somente aparece uma filosofia em diversos graus de desenvolvimento, e de outro lado que os princípios particulares — cada um dos quais está na base de um sistema — são apenas ramos de um só e mesmo todo. A filosofia última no tempo é o resultado de todas as filosofias precedentes, e deve por isso conter os princípios de todas. Por este motivo, se ela é filosofia de outra maneira, é a mais desenvolvida, a mais rica e a mais concreta.” 

  • Filosofia do direito

“O domínio do direito é o espírito em geral; aí, a sua base própria, o seu ponto de partida está na vontade livre, de tal modo que a liberdade constitui a sua substância e o seu destino e que o  sistema do direito é o império da liberdade realizada, o mundo do espírito produzido como uma  segunda natureza a partir de si mesmo.” 

  • Introdução à história da filosofia

“Estas lições têm como objeto a história da filosofia. O que esta história nos expõe é a série dos espíritos nobres, a galeria dos heróis da razão pensante que, pela força desta razão, penetraram na essência das coisas, na Natureza e do Espírito, na essência de Deus, e para nós elaboraram o mais elevado tesouro, o tesouro do conhecimento racional. O que historicamente somos, a posse que nos pertence a nós e ao mundo atual não surgiu imediatamente e brotou apenas a partir do solo da atualidade; semelhante posse é a herança e o resultado do trabalho e, claro está, do trabalho de todas as gerações anteriores do género humano.” 

Notas

|1| KONDER, Leandro. Hegel: A razão quase enlouquecida. Rio de Janeiro: Campus, 1991.

Publicado por Marco Oliveira
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