Existencialismo
O existencialismo popularizou-se após a Segunda Grande Guerra. É no contexto de uma Paris destruída que essa corrente de pensamento foi associada ao nome de Jean-Paul Sartre. Trata-se de um equívoco, entretanto, assumir que esse pensador é o inaugurador desse novo olhar sobre o mundo e o ser humano.
A fonte de inspiração da existência como problema filosófico encontra-se em Martin Heidegger, que, por sua vez, foi influenciado por Friedrich Nietzsche e Søren Kierkegaard. Embora esses pensadores tenham elaborado explicações distintas, suas reflexões iniciaram-se baseadas no ser humano em sua concretude.
Maurice Merleau-Ponty, por exemplo, enfatizou a centralidade do corpo em Fenomenologia da percepção (1945), sendo sua ausência inconcebível. Nessa obra, as questões foram pensadas com base na vida em seus aspectos concretos, e temas como a angústia, a responsabilidade e a liberdade começaram a ser enfatizados.
Características do existencialismo
A base da proposta existencialista é analisar o ser humano em seu todo e não dividido em aspectos internos (sua mente, cognição e sentimentos) e externos (seu corpo, comportamento e ações). Embora tenhamos semelhanças com outros seres e alguns objetos, a consciência que temos das nossas ações e do mundo ao nosso redor é peculiar.
Não poderíamos, assim, tentar entender o ser humano do mesmo modo que compreendemos os demais seres e objetos do mundo. A existência não é algo que se possa meramente classificar ou mensurar, pois é um desdobramento ou acontecimento que não se deixa compreender a não ser sendo um indivíduo.
Encontramo-nos em uma situação na qual o que somos não está predeterminado, mas é antes resultado das nossas ações. Coloca-se em questão, assim, o propósito do ser humano em um mundo que não é como deseja ou tenha escolhido.
Essa situação, que consiste geralmente na percepção de uma limitação, é o que gera o sentimento de ansiedade. As ações passam a ser entendidas como resultados unicamente de escolhas e não como reações ou reflexos das situações nas quais alguém se encontra.
A autenticidade é uma noção que encontra reflexos e semelhanças em todos os pensadores da linha existencialista. Ser autêntico seria não se deixar meramente submeter aos valores de uma sociedade e assumir um lugar na dinâmica social. O cotidiano pode ser uma fuga da nossa responsabilidade ao fazermos apenas o que é esperado de nós ou o que nos é solicitado, sem refletirmos seriamente sobre a própria existência.
Longe de recair em libertinagem ou individualismo, autenticidade trata-se da percepção de que o que somos é constantemente modificado pelas nossas escolhas e de que o modo como vivemos é um compromisso assumido diariamente.
"Existir é para nós achar-nos de pronto tendo que realizar a pretensão que somos numa determinada circunstância. Não se nos permite eleger de antemão o mundo ou circunstância em que temos que viver, já que nos encontramos, sem nossa anuência prévia, submersos num contorno, num mundo que é o de aqui e agora. Esse mundo ou circunstância em que me encontro submerso não é somente a paisagem que me rodeia, mas também meu corpo e também minha alma. Eu não sou meu corpo; encontro-me com ele e com ele tenho que viver, seja são seja doente, mas também não sou minha alma: encontro-me com ela e tenho que usar dela para viver, ainda que às vezes me sirva mal porque tem pouca vontade ou nenhuma memória. Corpo e alma são coisas, e eu não sou uma coisa, mas um drama, uma luta para chegar a ser o que tenho que ser." |1|
Principais filósofos
A radicalidade da tomada de consciência de si e do mundo é um dos principais motivos pelo qual o existencialismo continua sendo uma corrente de pensamento relevante e que possibilitou desdobramentos em muitas áreas do conhecimento.
Søren Kierkegaard é apontado por muitos como o primeiro filósofo a colocar o indivíduo como ser singular no centro da reflexão filosófica. Essa temática surge em suas abordagens do conflito entre questões morais e religiosas, nas quais usa frequentemente a figura do personagem bíblico Abraão, indicando limitações nas perspectivas racionalistas em oferecer respostas.
Martin Heidegger reorientou a visão contemporânea sobre o problema do ser ao propor que a pergunta pelo ser só pode ser colocada por dasein (o “ser-aí”) ou o homem que existe no mundo. Só o ser humano existe efetivamente, uma vez que os demais seres e objetos apenas são. É a investigação sobre essa pergunta que evidencia o caráter existencialista de seu pensamento em Ser e tempo (1927).
Sartre é mundialmente conhecido por sua afirmação de que a existência precede a essência, significando que só se pode entender o ser humano com base em suas ações no mundo. Conhecido por uma conferência intitulada O existencialismo é um humanismo (1946), que continha noções posteriormente revisadas e abandonadas, sua grande obra é O ser e o nada, publicada em 1943.
Apontado pelo próprio Sartre como um existencialista cristão, Gabriel Marcel afirmou que o cotidiano pode afogar o ser humano em uma série de atividades repetidas (funções) que o privam de refletir profundamente sobre a vida. O que nomeou como “mundo quebrado” (le monde cassé) está relacionado à influência que a ciência possui em reduzir nosso pensamento a problemas e soluções, deixando de lado a experiência efetiva das pessoas e o mistério que nos conduz a refletirmos profundamente sobre o ser.
Esse filósofo interpretou várias facetas da relação humana com as noções de “disponibilidade”, uma abertura para o outro e ao mundo, e de “indisponibilidade”, uma sensação de autossuficiência.
Karl Jaspers, outro pensador cristão, expôs grande parte do seu pensamento existencialista nos três volumes da obra Filosofia (1932). Defendeu que não somos um eu predeterminado, e o que podemos tornar-nos seria melhor entendido pelas “situações limite”, isto é, momentos nos quais questionamos nossa vida como um todo, como aqueles em que experimentamos medo, angústia ou pavor. Propôs que sua concepção de “fé filosófica” fosse o caminho para transcender a existência real.
Martin Buber pode ser considerado um pensador muito próximo desse aspecto religioso do existencialismo. Esse pensador judeu refletiu amplamente sobre as relações do ser humano e dos demais seres. Não haveria um eu isolado, já que se realiza no encontro com um outro, uma vez que as demais relações seriam com objetos.
O pensamento existencialista também teve expressão na Espanha, com José Ortega y Gasset e Miguel de Unamuno y Jugo. Este último abordou o conflito entre fé e razão, uma vez que o ser humano almeja a imortalidade, mas essa possibilidade não é confirmada pela razão, o que conduz ao desespero. Já o primeiro, concentrou-se em uma noção ampla de vida, incluindo uma dimensão histórica e outros aspectos circunstanciais e biológicos.
Essa corrente de pensamento alcançou muitos outros países, incluindo a Rússia, com Lev Shestov e Nicolau Berdiaev, e o Brasil, onde muitos pesquisadores apontam Farias Brito como seu precursor.
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O existencialismo em outras áreas
A tentativa de analisar a situação do ser humano no mundo em que se encontra também teve ramificações na literatura e nas artes em geral. Elementos do pensamento existencialista são encontrados nas obras de André Malraux e Albert Camus, e muitos consideram Franz Kafka e Fiodor Dostoievski como escritores precursores de noções existencialistas. O existencialismo também influenciou a teologia, em especial, o teólogo Paul Tillich.
Notas
|1| ORTEGA Y GASSET, José. Meditação da técnica. Tradução de Luís Washington Vita. Rio de Janeiro: Livro Ibero-Americano, 1963.