Cinco poemas de Cora Coralina
A história de Cora Coralina, poeta goiana nascida na Cidade de Goiás, no dia 20 de agosto de 1889, confunde-se com a história de sua cidade: pensar na Cidade de Goiás, reconhecida como Patrimônio Histórico da Humanidade, sem relacioná-la àquela que talvez seja a sua maior representante cultural é quase impossível.
Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, alcançou reconhecimento nacional por causa de seus versos singelos e história de vida peculiar. A doceira caiu nas graças do escritor Carlos Drummond de Andrade, a quem Cora enviou seu primeiro livro, Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais, publicado pela renomada Editora José Olympio, em 1965. Drummond não só gostou do estilo da escritora, que em muito dialogava com alguns de seus poemas da fase memorialista (vide o poema Cidadezinha qualquer), como tratou de torná-la, por meio de sua grande influência no círculo literário, conhecida do grande público brasileiro.
Cora começou a escrever cedo, embora o reconhecimento tenha sido tardio: em 1905, aos dezesseis anos de idade, enviou uma crônica de sua autoria para o jornal Tribuna Espírita, do Rio de Janeiro, publicada nesse mesmo ano. A partir de então, conciliou o interesse pela literatura com os afazeres próprios de uma mãe com seis filhos, que retornaria, depois de viver durante longos anos em várias cidades do interior do estado de São Paulo, viúva e idosa para a velha casa da ponte sobre o Rio Vermelho. A Casa de Cora hoje abriga um museu onde seus pertences permanecem intactos, assim como as cartas que trocava com o amigo Drummond.
Para que você conheça um pouco mais da obra dessa escritora tão querida pelo público, o Mundo Educação escolheu cinco poemas de Cora Coralina que certamente serão um convite irrecusável para que você mergulhe em seu encantador universo poético. Boa leitura!
A Casa de Cora Coralina hoje abriga um museu em homenagem à escritora. A casa fica situada às margens do lendário Rio Vermelho *
Aninha e suas pedras
Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.
O Cântico da Terra
Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.
Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranquila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.
Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.
A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.
E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranquilo dormirás.
Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.
Mãe
Renovadora e reveladora do mundo
A humanidade se renova no teu ventre.
Cria teus filhos,
não os entregues à creche.
Creche é fria, impessoal.
Nunca será um lar
para teu filho.
Ele, pequenino, precisa de ti.
Não o desligues da tua força maternal.
Que pretendes, mulher?
Independência, igualdade de condições…
Empregos fora do lar?
És superior àqueles
que procuras imitar.
Tens o dom divino
de ser mãe
Em ti está presente a humanidade.
Mulher, não te deixes castrar.
Serás um animal somente de prazer
e às vezes nem mais isso.
Frígida, bloqueada, teu orgulho te faz calar.
Tumultuada, fingindo ser o que não és.
Roendo o teu osso negro da amargura.
Ofertas de Aninha
(aos moços)
Eu sou aquela mulher
a quem o tempo
muito ensinou.
Ensinou a amar a vida.
Não desistir da luta.
Recomeçar na derrota.
Renunciar a palavras e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos.
Ser otimista.
Creio numa força imanente
que vai ligando a família humana
numa corrente luminosa
de fraternidade universal.
Creio na solidariedade humana.
Creio na superação dos erros
e angústias do presente.
Acredito nos moços.
Exalto sua confiança,
generosidade e idealismo.
Creio nos milagres da ciência
e na descoberta de uma profilaxia
futura dos erros e violências
do presente.
Aprendi que mais vale lutar
do que recolher dinheiro fácil.
Antes acreditar do que duvidar.
Considerações de Aninha
Melhor do que a criatura,
fez o criador a criação.
A criatura é limitada.
O tempo, o espaço,
normas e costumes.
Erros e acertos.
A criação é ilimitada.
Excede o tempo e o meio.
Projeta-se no Cosmos.
*Créditos da imagem: Wikimedia Commons e Adelano Lázaro.