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Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade, aclamado como o maior poeta brasileiro do século XX, foi dono de uma lira de singular sensibilidade: carregou dentro do peito o sentimento do mundo, revirou a sintaxe, propôs uma geometria do amor e um esquadrinhamento do cotidiano.

Gauche, ou seja, dotado de um sentimento de inadequação perene, Drummond foi autor de vasta obra literária, composta de poemas, crônicas, contos, ensaios e literatura infantil juvenil.

Leia também: Modernismo – movimento artístico que remodelou os paradigmas das artes

Biografia de Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira (MG), no dia 31 de outubro de 1902. Foi o nono filho do casal Julieta Augusta Drummond de Andrade e Carlos de Paula Andrade, fazendeiro, descendente dos mineradores que outrora povoaram a região. Foi na fazenda que se deu toda a infância de Carlos — e Itabira é uma remissão constante em sua obra poética ao longo da vida.

Seus estudos secundários deram-se em Belo Horizonte (MG) e depois em Nova Friburgo (RJ). Foi no colégio fluminense que Drummond começou a circular seus textos, colaborando com o jornal da escola, até ser expulso da instituição, em 1919, graças a um incidente com um professor de português, que o acusara de “insubordinação mental”.

No ano seguinte, em 1920, mudou-se com a família para Belo Horizonte, onde começou a travar contatos literários e a colaborar com o jornal Diário de Minas. Em 1922, seu conto “Joaquim do telhado” venceu o concurso Novela Mineira. Ainda em Belo Horizonte, concluiu a graduação em Farmácia em 1925, mesmo ano em que fundou, com outros escritores mineiros, A Revista, o mais importante órgão de divulgação do modernismo no estado. Ainda nesse ano, casou-se com Dolores Dutra de Morais, com quem teve uma única filha, Julieta Drummond de Andrade.

Estátua retratando Carlos Drummond de Andrade em homenagem ao poeta, na praia de Copacabana, Rio de Janeiro (RJ).[1]
Estátua retratando Carlos Drummond de Andrade em homenagem ao poeta, na praia de Copacabana, Rio de Janeiro (RJ).[1]

Desinteressado na profissão de farmacêutico e na vida rural, Drummond passou a lecionar geografia e português em Itabira. Logo depois, tornou a Belo Horizonte, onde assumiu o posto de redator e redator-chefe do Diário de Minas.

Ao longo de sua vida, o poeta foi redator e colaborador em diversos jornais, além de ter trabalhado no Ministério da Educação.

Recebeu diversos prêmios, como:

  • Prêmio Jabuti em 1968;

  • Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte em 1973;

  • Prêmio Morgado de Mateus em 1980;

  • Prêmio Juca Pato em 1982.

Postumamente, foi homenageado com a Ordem do Mérito Cultural em 2010.

Sofreu um infarto em 1986, quando passou 14 dias hospitalizado. Já com a saúde fragilizada, vivenciou o adoecimento e a morte de sua única filha, vítima de câncer, em 5 de agosto de 1987. A dor da perda abalou-o muito, levando Carlos Drummond de Andrade à morte 12 dias depois, aos 84 anos, em 17 de agosto de 1987, por insuficiência respiratória.

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Características literárias de Carlos Drummond de Andrade

Enquadrado no chamado modernismo de 30, Drummond foi definido pelo crítico Otto Maria Carpeaux como o primeiro grande “poeta público do Brasil”. Escreveu contos, crônicas, livros infantis e textos jornalísticos, mas foi por sua grande obra poética que Drummond destacou-se.

Autor de lirismo único e inconfundível, colheu sua poesia de suas inquietações diante de um mundo caduco, recusando todas as respostas prontas e mergulhando em reflexões de tom existencial. Sua lírica foi a mais radical e a mais consciente dos poetas de seu tempo — uma consciência sensível e sentimental.

Confira as principais características do texto drummondiano:

  • Poesia de verso livre: a lírica de Drummond é feita majoritariamente de versos sem métrica regular ou rima, privilegiando um ritmo próprio que se desenvolve em harmonia com a semântica de cada poema.

  • Preocupação com temas sociais e com temas individuais: essas duas polaridades oscilam constantemente ao longo da poética do autor. Drummond buscou sair de si e olhar para o outro, para a sociedade, mas desse processo decorre também a autoanálise, o questionamento de si mesmo e de sua posição enquanto sujeito no mundo.

  • Escavação do real: os temas cotidianos do amor, da guerra, da amizade, da realidade em si mesma (tantas vezes dolorosa) foram esquadrinhados pelo poeta por meio da constante interrogação e da reflexão, muitas vezes desembocando em situações sem saída: na negação, no desvelamento do vazio do mundo e do sujeito moderno, no existencialismo, na ausência de sentido.

  • Humor e ironia: mais frequentes nos seus livros iniciais, foram recursos benquistos pelo autor, quase um instrumento de defesa diante da desintegração da realidade por ele vivenciada. A autoironia, a ironia romântica e a paródia foram recursos utilizados por Drummond — ora com mais leveza e certa alegria, ora com um humor ácido, sério, corrosivo.

  • Artesanato da linguagem e metapoesia: Drummond trabalhou árdua e intensamente com a linguagem, desintegrando e reintegrando as palavras, reinventando a sintaxe em jogos verbais, transformando e revirando as possibilidades poéticas. Além disso, dedicou poemas ao próprio tema do processo de escrita da poesia, em versos que falam da própria feitura ou da função da poesia em si.

Veja também: Poesia de Cecília Meireles, contemporânea de Drummond

Obras de Carlos Drummond de Andrade

Desenho de Drummond executando seu ofício, originalmente impresso nas cédulas de Cruzados Novos, papel-moeda corrente no Brasil em 1989.
Desenho de Drummond executando seu ofício, originalmente impresso nas cédulas de Cruzados Novos, papel-moeda corrente no Brasil em 1989.
  • Poesia

É possível dividir a obra poética de Drummond em quatro fases: a fase gauche, que compreende seus livros de estreia; a fase social, que diz respeito a um período de maior militância política do poeta; a fase filosófica, também conhecida como “fase do não”, graças aos poemas em tom desiludido; e a fase memorialista, quando o poeta dedicou livros inteiros aos temas mineiros e itabiranos.

  • Fase gauche

Mais próxima do modernismo de 1920, caracteriza-se por poemas em linguagem mais sintética, e é quando seus recursos de humor são mais evidentes. São representantes desse período os livros Alguma poesia (1930) e Brejo das almas (1934).

Poesias dessa fase

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

(Alguma poesia, 1930)

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

(Alguma poesia, 1930)

Acesse também: 21 de março – Dia Mundial da Poesia

  • Fase social

Tocados pelas agruras da Segunda Guerra Mundial e da ascensão do nazifascismo, os poemas entre os anos de 1940 e 1945 envolvem uma militância mais incisiva de Drummond. É o período das publicações de Sentimento do mundo (1940), José (1942) e A rosa do povo (1945).

Poesias dessa fase

Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista pela janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicidas,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.

(Sentimento do mundo, 1940)

 

O lutador [trechos]

Lutar com palavras
É a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, são fortes
como o javali.
(…)
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não tem carne e sangue
Entretanto, luto.
Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
(…)
Já vejo palavras
em coro submisso,
esta me ofertando
seu velho calor,
outra sua glória
feita de mistério,
outra seu desdém,
outra seu ciúme,
e um sapiente amor
me ensina a fruir
de cada palavra
a essência captada,
o sutil queixume.
Mas ai! É o instante
de entreabrir os olhos:
entre beijo e boca,
tudo se evapora.
(…)
O teu rosto belo,
É palavra, esplende
na curva da noite
que toda me envolve
(…)

(José, 1942)

  • Fase filosófica ou fase do não

Marcada por versos em tons mais pessimistas e pela frustração diante da impassibilidade do mundo, que ainda depois dos desastres da guerra permaneceu inalterável, os poemas desse período tendem à melancolia e à reflexão perpétua acerca do estado de coisas.

São desse momento os livros Claro enigma (1951), Fazendeiro do ar (1953) e A vida passada a limpo (1959). A ruptura com essa tendência temática dá-se em Lição de coisas (1962), publicação que consiste de uma poesia dita nominal, isto é, que se concentra no próprio fazer poético e nas estruturas dos vocábulos, aproximando-se do movimento concretista.

Poesias dessa fase

Confissão

Não amei bastante meu semelhante,
não catei o verme nem curei a sarna.
Só proferi algumas palavras,
melodiosas, tarde, ao voltar da festa.

Dei sem dar e beijei sem beijo.
(Cego é talvez quem esconde os olhos
embaixo do catre.) E na meia-luz
tesouros fanam-se, os mais excelentes.

Do que restou, como compor um homem
e tudo que ele implica de suave,
de concordâncias vegetais, murmúrios
de riso, entrega, amor e piedade?

Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Salvo aquele pássaro — vinha azul e doido —
ue se esfacelou na asa do avião.

(Claro enigma, 1951)

Fazenda

Vejo o Retiro: suspiro
no vale fundo.
Retiro ficava longe
do oceanomundo.
Ninguém sabia da Rússia
com sua foice.
A morte escolhia a forma breve
de um coice.
Mulher, abundavam negras
socando milho.
Rês morta, urubus rasantes
logo em concílio.
O amor das éguas rinchava
no azul do pasto.
E criação e gente, em liga,
tudo era casto.
(Lição de coisas, 1962)

  • Fase memorialista

Entre as décadas de 1970 e 1980, o poeta voltou-se para suas memórias e passou a reconstruir cenários de Itabira, da infância, relacionados ao cotidiano com a família, recompondo certo humor e ironia. É o momento de publicação da série Boitempo (1968, 1973) e de outros títulos em prosa. Também de 1973 é a publicação de As impurezas do branco, de lírica menos memorialista e mais crítica e contundente.

Poesia dessa fase

Boitempo

Entardece na roça
de modo diferente.
A sombra vem nos cascos,
no mugido da vaca
separada da cria.
O gado é que anoitece
e na luz que a vidraça
da casa fazendeira
derrama no curral
surge multiplicada
sua estátua de sal,
escultura da noite.
Os chifres delimitam
o sono privativo
de cada rês e tecem
de curva em curva a ilha
do sono universal.
No gado é que dormimos
e nele que acordamos.
Amanhece na roça
de modo diferente.
A luz chega no leite,
morno esguicho das tetas
e o dia é um pasto azul
que o gado reconquista.

(Boitempo I, 1968)

Leia também: A última crônica de Carlos Drummond de Andrade

  • Prosa

  • Confissões de Minas (1944)

  • O gerente (1945)

  • Contos de aprendiz (1951)

  • Passeios na ilha (1952)

  • Fala, amendoeira (1957)

  • A bolsa e a vida (1962)

  • Cadeira de balanço (1966)

  • Versiprosa (1967)

  • Uma pedra no meio do caminho - biografia de um poema (1967)

  • Caminhos de João Brandão (1970)

  • Os dias lindos (1977)

Crédito da imagem

[1] Donatas Dabravolskas / Shutterstock 

Publicado por Luiza Brandino
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