Darcy Ribeiro
Darcy Ribeiro foi um sociólogo, antropólogo, educador, escritor e indigenista|1| brasileiro, defensor da causa indígena e da educação pública e de qualidade. Seus estudos publicados em vasta produção bibliográfica são centrais para o entendimento da cultura indígena e da formação do povo brasileiro.
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O antropólogo Darcy Ribeiro também escreveu romances e entrou para a Academia Brasileira de Letras por suas contribuições literárias. Dentre seus grandes feitos, estão a criação do Museu do Índio, a fundação da Universidade de Brasília (UnB), a criação de um amplo projeto de educação em tempo integral no Rio de Janeiro (os Cieps) junto ao governador Leonel Brizola, a fundação do Parque Nacional do Xingu e a participação na criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira – LDB|2| (Lei 9394/96).
Biografia
Em 26 de outubro de 1922, nasceu, na cidade de Montes Claros (MG), Darcy Ribeiro. Em 1946, Ribeiro obteve o diploma de Ciências Sociais com habilitação em Antropologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Entre 1947 e 1956, o antropólogo trabalhou no Serviço de Proteção ao Índio (atual Fundação Nacional do Índio – Funai) como etnólogo|3|.
Em 1948, Ribeiro casou-se com Berta Gleizer Ribeiro, também antropóloga e etnóloga, que partiu com o marido para o estudo de campo de aldeias indígenas do Mato Grosso no período em que ele trabalhou para o Serviço de Proteção ao Índio. Berta e Darcy separaram-se em 1974, período em que viviam o exílio político no Chile.
Entre 1957 e 1961, Ribeiro foi diretor de Estudos Sociais do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação (MEC). Nesse período, participou das discussões sobre a criação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1961. Nesse período, também idealizou e concretizou, junto ao educador, jurista e escritor brasileiro Anísio Teixeira, a criação da Universidade de Brasília. Darcy Ribeiro foi o primeiro reitor da instituição educacional, que hoje é referência em pesquisas acadêmicas no Brasil.
Entre 1962 e 1964, o antropólogo foi ministro da Educação e ministro Chefe da Casa Civil do governo do Presidente João Goulart. Em 1964, com o golpe militar que introduziu a Ditadura Civil-Militar do Brasil (1964-1985), Ribeiro foi exilado, indo para o Uruguai com sua esposa Berta Gleizer.
Entre 1964 e 1968, o casal começou a trabalhar na escrita (por Darcy) e na primeira edição (por Berta) da coletânea de obras e estudos chamada Antropologia da Civilização, constituída por cinco volumes. São eles: O processo Civilizatório, As Américas e a Civilização, O Dilema da América Latina e Os Brasileiros, que se subdivide em Teoria do Brasil e Os Índios e a Civilização. Nesse período, Ribeiro também lecionou Antropologia na Universidade Oriental do Uruguai.
Em 1968, o antropólogo retornou ao Brasil. O cenário político brasileiro nesse ano era sombrio. Os militares criaram uma série de medidas de controle social, e o governo havia decretado o Ato Institucional n.º 5 (AI-5), que foi uma medida ditatorial que praticamente suspendeu os direitos civis previstos na Constituição Federal e permitiu de vez a prisão arbitrária, sem direito à defesa, além de programar medidas de censura mais duras.
Darcy Ribeiro veio para participar da Passeata dos Cem Mil, uma grande manifestação contra a Ditadura Militar. Nessa ocasião, Ribeiro foi preso e ficou encarcerado durante nove meses. Sua esposa Berta e intelectuais brasileiros tentavam articulações para liberar o antropólogo. Após a sua soltura, Ribeiro partiu com Berta para o exílio novamente, dessa vez passando pela Venezuela, pelo Chile e pelo Peru. Nessa ocasião, o antropólogo escreveu dois romances, além de trabalhar como consultor de reformas e implantações de universidades nos países em que passou. Ele também prestou consultoria educacional para o governo do presidente chileno Salvador Allende.
Em 1976, Darcy Ribeiro voltou do exílio e, em 1980, foi anistiado das acusações de crimes políticos. Filiou-se ao Partido Democrata Brasileiro (PDT) e, em 1982, iniciou seu mandato como vice-governador do Estado do Rio de Janeiro junto ao governador Leonel Brizola. No mesmo período e ao mesmo tempo em que era vice-governador, Darcy Ribeiro foi Secretário de Estado da Cultura e coordenador do Programa Especial de Educação.
O Programa Especial de Educação, criado por Darcy e Brizola, visava implantar 500 unidades escolares denominadas Cieps (Centros Integrados de Educação Pública) no Estado do Rio de Janeiro. Os Cieps eram escolas de tempo integral, em que os estudantes teriam atividades escolares regulares, além de reforço escolar, educação física, iniciação esportiva, projetos culturais, como aulas de música, pintura e teatro.
Nos Cieps, as crianças ficavam das oito da manhã às cinco da tarde e faziam lá todas as refeições do período (café da manhã, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar). Também havia unidades que recolhiam crianças de rua e abrigava-as em uma estrutura separada dentro do Ciep, funcionando como uma espécie de abrigo público, que, além de oferecer educação, cultura, esporte, lazer e alimentação, oferecia um lar às crianças de rua. O projeto arquitetônico inicial dos Cieps ficou a cargo do arquiteto e urbanista brasileiro Oscar Niemeyer.
Darcy Ribeiro também criou, como secretário da Cultura, o Sambódromo do Rio de Janeiro, mais conhecido como Sambódromo da Marquês de Sapucaí, originalmente nomeado Passarela Professor Darcy Ribeiro. Embaixo das arquibancadas do sambódromo, funcionou durante muito tempo um Ciep. A ideia era fazer uma construção colossal, como o sambódromo, mas que não fosse utilizada somente durante o Carnaval, sendo aproveitada durante todo o ano.
Leonel Brizola reelegeu-se ao cargo de governador do estado do Rio de Janeiro e continuou o projeto dos Cieps. Porém, os governos subsequentes abandonaram o projeto, e as escolas de tempo integral foram tornando-se, pouco a pouco, escolas comuns, organizadas em turnos. Darcy Ribeiro, como um educador e um visionário, acreditava que a solução para o futuro do país estava na educação pública de qualidade. Em 1982, durante campanha de Brizola para o governo do Rio de Janeiro, Darcy Ribeiro proferiu a seguinte frase, marcada como uma espécie de profecia que se confirmou em nosso país:
“Se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios.”
Em 1990, Darcy Ribeiro elegeu-se senador, continuando sua atuação em defesa da cultura e da educação. A Constituição Federal de 1988 trazia uma ideia de educação pública e igualitária que a Lei de Diretrizes e Bases de 1961 não mais contemplava. Formou-se um debate de quase oito anos para a promulgação de uma nova LDB. Marco Maciel, Maurício Correa e Darcy Ribeiro foram os criadores do projeto de lei que deu origem à Lei 9394/1996, mais conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, que foi sancionada em 1996 pelo então presidente do Brasil, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso.
Em 1995, Ribeiro publicou o seu último livro, O Povo Brasileiro, sendo talvez a sua obra mais ampla e completa sobre a formação antropológica do Brasil. Em 17 de fevereiro de 1997, o antropólogo morreu na cidade de Brasília, em decorrência de complicações causadas por um câncer, descoberto em 1995.
Darcy Ribeiro foi agraciado com doutorados honoris causa emitidos pela Universidade de Sorbonne, Universidade de Copenhague, Universidade do Uruguai, Universidade da Venezuela e Universidade de Brasília. Em 1992, o antropólogo e escritor foi nomeado membro da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de número 11.
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Leonel Brizola
Leonel Brizola foi um político de grande destaque no Brasil entre as décadas de 1950 e 1990. Formado em Engenharia Civil, Brizola era um político considerado de esquerda, nacionalista e a favor da redução da desigualdade social. Gaúcho, Brizola foi governador do Rio Grande do Sul e, mais tarde, do Rio de Janeiro (ele foi o único político da História do Brasil a governar dois estados brasileiros diferente por meio de eleição democrática). Foi um dos fundadores do Partido Democrata Brasileiro (PDT) e candidatou-se à presidência do Brasil em 1989, não passando para o segundo turno das eleições.
A trajetória política de Darcy Ribeiro cruzou com a trajetória de Leonel Brizola ainda na década de 1960. Em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo|4|, em 1995, Ribeiro afirmou que, na década de 1960, ainda não era muito próximo de Brizola. Eles foram juntos para o exílio no Uruguai, mas a amizade veio mesmo na década de 1980, após o retorno dos dois ao Brasil.
O Povo Brasileiro
A última obra escrita e publicada por Darcy Ribeiro é o seu mais completo e complexo estudo sobre a formação do Brasil e de sua nação. Trata-se de uma obra que se dedica a estudar as diferentes culturas, mas que entende que, apesar de uma grande diversidade, temos uma unidade nacional cultural, a qual se baseia, justamente, na diversidade.
É como se existisse a cultura de descendência africana, indígena e europeia aqui, mas que, ao mesmo tempo, a presença simultânea dessas três matrizes concretizasse a cultura brasileira. É como se houvesse a cultura nordestina, nortista, sulista e do Centro-Oeste, mas a cultura brasileira fosse, ao mesmo tempo, cada uma dessas culturas separadas e a junção de todas elas.
Darcy Ribeiro preocupou-se em identificar uma cultura nacional do povo brasileiro que não anulasse nenhuma das culturas presentes em nosso território e nem separasse, como em “caixas” de classificação, cada uma das diferentes culturas. O antropólogo entende que o Brasil é variado, miscigenado, e que isso torna o Brasil o país que é, culturalmente falando.
Nem a colonização, nem a industrialização, nem as cidades, nem a globalização foram capazes de anular a cultura brasileira única, resultante de vários processos de miscigenação e de progressos civilizatórios, que começaram há mais de dez mil anos, com os povos que habitavam o nosso território, e estende-se até os dias atuais.
Nasceu no Brasil, segundo Ribeiro, um novo povo, fruto da miscigenação, o qual se fez enquanto ser humano por meio da interação de diferentes culturas. Nas palavras de Ribeiro, é um povo:
“novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiça, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais delas oriundos. Também novo porque se vê a si mesmo e é visto como uma gente nova, um novo gênero humano diferente de quantos existam. Povo novo ainda, porque é um novo modelo de estruturação societária, que inaugura uma forma singular de organização sócio-econômica, fundada num tipo renovado de escravismo e numa servidão continuada ao mercado mundial. Novo, inclusive, pela inverossímil alegria e espantosa vontade de felicidade, num povo tão sacrificado, que alenta e comove a todos os brasileiros”|5|.
Créditos de imagem
[1] Universidade de Brasília. Arquivo Central. AtoM UnB
[2] Wagner Santos de Almeida / Shutterstock.com
[3] Quintinense (Domínio público)/ Commons
[4] Eugenio Hansen / Commons
Notas
|1| Indigenista é um termo que se refere àquela pessoa que se dedica à proteção e valorização da cultura indígena.
|2| A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, apelidada de Lei Darcy Ribeiro, é o principal documento oficial que trata especificamente da legislação educacional, estabelecendo regras e noções para a atuação educacional nos setores público e privado.
|3| A Etnologia é um ramo da Antropologia Cultural que visa a estudar as diferentes etnias com base em relatos, documentos e pesquisas de campo dos antropólogos por meio do método etnográfico. O método etnográfico moderno ocorreu com o trabalho do antropólogo Bronislaw Malinowski e busca colocar o antropólogo em contato direto com o seu objeto de estudo (uma determinada etnia), tentando partir do ponto de vista daquelas pessoas para entender aquela cultura. O método etnográfico pretende livrar a Antropologia de qualquer preconceito cultural ou etnocentrismo, que é a visão de um observador sobre uma determinada cultura em comparação com a sua própria cultura.
|4| Confira a entrevista clicando aqui.
|5| RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. 2º ed., São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 19.