O “povo brasileiro” no Segundo Reinado
Após a Independência do Brasil, em 1822, e a instituição do Império, com a Constituição de 1824 e o governo de D. Pedro I, um dos interesses mais patentes das elites políticas que arquitetaram a política nacional (entre esses “arquitetos” estava a figura expressiva de José Bonifácio de Andrada e Silva) era dar ao Brasil o caráter de Nação, isto é, o “rosto” de um país com um povo e uma cultura específicos. Essa pretensão fazia-se coerente, uma vez que o mundo ocidental vivia, em meados do século XIX, a explosão do Nacionalismo; e, no âmbito cultural, do Romantismo, que endossava os conceitos de povo e nação.
Durante o Período Regencial e o Segundo Reinado, que tiveram, guardadas as devidas críticas, o papel de manter a unidade nacional por meio, sobretudo, da preservação da unidade territorial, o projeto de construção da identidade do “povo brasileiro” pôde ser visto em vários setores, desde o cultural, com a poesia, o romance e as artes plásticas que tematizaram o indigenismo e os valores da sociedade tipicamente brasileira, até as ações políticas de fomento científico. Foi o caso das ações do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o IHGB.
Entretanto, um dos problemas que a “construção do modelo de povo brasileiro” enfrentava nesse período era o fato de que, no Brasil, o processo de “aburguesamento” da sociedade ainda não tinha se efetivado. Para que o país, à época, formasse de forma genuína um “povo”, isto é, um corpo de cidadãos conscientes de seu protagonismo político, era necessário que a sociedade encarnasse efetivamente os valores burgueses, que se formam mediante o contato com o processo de industrialização e a formação de grandes centros urbanos e comerciais.
O fato é que o Brasil, apesar de querer estar inserido no processo de absorção desses valores, era um país herdeiro de tradições aristocráticas, patrimonialistas e, em grande parte, absolutistas. Esses fatores provocavam a incompatibilidade entre os anseios de determinada elite política e a realidade da nossa formação histórica nacional.
O próprio imperador D. Pedro II possuía certa imagem de monarca, mas pretendia afastar-se do padrão faustuoso, do luxo aristocrático. Ao utilizar roupas burguesas, como terno, colete, gravata e cartola, Pedro II passava “ares de rei-cidadão”, como bem investiga a historiadora Lilia M. Schwarcz em seu livro “As barbas do imperador”. Isso implicava uma contradição entre as funções de um rei herdeiro de uma casa aristocrática pré-napoleônica e absolutista. D. Pedro, em sua própria pessoa, encarnava as contradições de um país em construção.