Adoção no Brasil

A adoção é um processo muitas vezes complicado no Brasil, mas não por falta de crianças à espera, e sim por exigências de adotantes que procuram características específicas.

A adoção existe, pois, infelizmente, muitas crianças não podem ser criadas pelos seus pais biológicos. Os motivos são os mais variados: falta de condição financeira, psicológica e até mesmo maus-tratos. Além disso, muitas crianças e adolescentes ficam órfãos ou vivem em situação de abandono.

Nesses casos, o Estado tem mecanismos de proteção garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que promovem a acolhida em abrigos e cadastram essas crianças em um sistema nacional para adoção. No entanto, muitas crianças e, na maioria, adolescentes não conseguem ser adotados, apesar da enorme quantidade de candidatos a adotantes. Isso ocorre porque os adotantes têm preferências que fogem da realidade da maioria das crianças à disposição.

Leia também: Instituições sociais – corpos sociais que promovem integração de toda a sociedade

História da adoção no Brasil

  • Antecedentes históricos

Ao estudarmos a história da adoção, entramos em contato com uma triste realidade que perdurou por muito tempo na história da civilização ocidental. Nos séculos XVII e XVIII, os asilos para crianças órfãs começaram a se tornar comuns na Europa em razão do crescimento exponencial da população nas cidades. Com a explosão demográfica dos centros urbanos, cresceram também a miséria, a fome e a violência.

Com um grande número de pessoas vivendo com dificuldades financeiras, aumentou o número de crianças abandonadas ou entregues aos orfanatos por seus pais biológicos, que não tinham condições de criá-las. A violência e o alastramento de doenças devido às péssimas condições sanitárias também elevaram o número de crianças que perdiam seus pais.

Em geral, não existia uma lei específica para a adoção, havendo apenas uma transferência de guarda de crianças de uma família para outra ou para os orfanatos – esses eram geralmente obras de caridade mantidas por instituições e ordenações religiosas, em sua maioria católicas. Havia também famílias que, sem condições de criar temporariamente seus filhos, transferiam os cuidados para uma família mais abastada. Grande parte das crianças nessa situação trocava serviços domésticos por abrigo e alimentação, recebendo, às vezes, educação formal.

  • Adoção no Brasil até a Constituição de 1988

No Brasil colonial, a adoção seguia as mesmas normas da Coroa Portuguesa, e essas não mudaram com a independência de nosso país. Era um processo informal de transferência de guarda para instituições de caridade ou para famílias dispostas a abrigar as crianças, mas não havia um vínculo legal e muito menos a garantia do chamado pátrio poder dos adotantes para os adotados.

Além disso, a grande maioria dos adotantes não queria adotar um filho, e sim conseguir um meio de obter mão de obra barata. Muitas vezes as crianças eram acolhidas para trabalharem em serviços domésticos ou até mesmo em oficinas em troca de abrigo e comida.

A situação da adoção em nosso país somente foi regulamentada com o Código Civil de 1916 e não expressamente pelo Estado, mas por meio de um contrato entre as partes interessadas. Com isso, não havia um controle da garantia de direitos dos adotados, o que colocava muitos na mesma situação de antes: eram adotados para serem serviçais. Para piorar, as regras eram absurdas: os adotantes deveriam ter mais de 50 anos de idade e uma diferença de idade entre adotante e adotado de 18 anos, além de não terem filhos biológicos.

O Código Civil de 1916 também garantiu a transferência de pátrio poder dos pais biológicos para os pais adotantes, mas os filhos adotados não tinham os mesmos direitos que filhos biológicos na época. Eles eram considerados “filhos de segunda categoria”. Havia também um processo de adoção informal – geralmente feito por famílias que realmente queriam filhos, mas não tinham condições de gerá-los (por esterilidade do casal) –, o qual acolhia bebês (de mães que não podiam criar seus filhos) e registrava em cartório como filhos legítimos.

A Lei 3.133, de 1957, alterou as regras para a adoção: os adotantes deveriam ter mais de 30 anos e uma diferença mínima de idade de 16 anos em relação ao adotado. A adoção ainda era um processo passível de revogação. Em 1965, a Lei 4.655 permitiu (mas não garantiu) que o filho adotivo pudesse gozar dos mesmos direitos dos filhos legítimos (seria legitimado) e que ele pudesse ser afastado de sua família biológica, além de ter sua certidão de nascimento original trocada por uma nova com o nome do casal adotante constando como pai e mãe.

A adoção passou a ser um processo irrevogável, mas, se o casal tivesse ou viesse a ter um filho legítimo, poderia requerer legalmente a retirada do filho adotivo da partilha de bens em benefício do filho biológico. Foi somente no ano de 1977, com a promulgação da Lei 6.515 (também conhecida como Lei do Divórcio), que a adoção passou a ser um processo irrevogável e que reconhecia o adotado como um sujeito com direitos como qualquer filho biológico. Apesar do reconhecimento, ainda não havia a garantia plena desse direito, pois tudo poderia ser feito se o casal adotante optasse por isso.

Em 1979, a Lei 6.697 instituiu um novo Código de Menores, que dividiu o processo de adoção em duas modalidades: adoção plena e adoção simples. A adoção simples era feita para crianças consideradas em situação de abandono e vulnerabilidade social, com autorização dos pais biológicos e de um juiz. Havia apenas a mudança na certidão de nascimento e não garantia ao adotado os plenos direitos de um filho legítimo. Esses direitos somente poderiam ser garantidos pela adoção plena, que era possível apenas para crianças de até 7 anos de idade.

Além disso, o casal adotante deveria ter, no mínimo, 5 anos de casamento, uma das partes deveria ter 30 anos e uma diferença mínima de 16 anos em relação ao adotado. Pessoas solteiras ou em união estável (que ainda não era reconhecida legalmente) não podiam adotar, o que restringia também os casais homossexuais, visto que na época essa modalidade de casamento não era permitida legalmente.

  • Após a Constituição de 1988

A adoção somente se tornou um processo mais amplo e justo com a promulgação da Constituição Federal de 1988, pois esse documento garante aos filhos adotados os mesmos direitos de filhos legítimos. Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990 (documento estabelecido para garantir o que estava descrito na Constituição), as regras de adoção tornaram-se melhores para adotantes e adotados.

Além do reconhecimento de igualdade entre os filhos adotados e biológicos, a idade mínima para alguém adotar abaixou de 30 para 21 anos de idade, e a idade máxima do adotado com plenos direitos subiu de 7 para 18 anos. Era necessária somente uma diferença mínima de 18 anos entre adotante e adotado, e pessoas solteiras poderiam adotar filhos se se encaixassem nos critérios. Casais homossexuais ainda não poderiam adotar filhos, pois o casamento homossexual ainda não era reconhecido, mas com a autorização de um juiz da Vara da Infância – como nos outros casos de adoção –, uma das partes do casal poderia requisitar a adoção como solteira.

Em 2009, a Lei 12.010 reforçou o que já estava estabelecido pelo ECA e estabeleceu a formação de cadastros a nível estadual e nacional para a inscrição de crianças disponíveis para a adoção. Desde 1990 e com o reforço da Lei 12.010, o Estado passou a ser o principal defensor do menor abandonado, órfão e em situação vulnerável, devendo interceder pela adoção e oferecer abrigo e educação ao menor até que este complete 18 anos de idade.

Veja também: Direitos Humanos – conjunto de direitos básicos a qualquer pessoa

Desafios da adoção no Brasil

O Brasil tem efetivamente 4,9 mil menores esperando por adoção e 42.546 pessoas ou casais que pretendem adotar uma criança. Apesar da aparente abundância de pessoas aguardando a oportunidade de adotar uma criança ou adolescente, a adoção ainda é complicada e demorada, além de deixar muitos menores cada vez mais distantes da adoção.

A criança disponível para a adoção é incluída no Cadastro Nacional para a Adoção, e os juizados e varas da infância são quem fazem o elo entre adotantes e os menores cadastrados. Não há uma maneira automática de vincular adotantes e adotados, o que pode parecer um primeiro obstáculo. No entanto, é necessário que haja esse vínculo, pois é o juizado e a figura de um juiz ou juíza da Vara da Infância que podem proteger as crianças prestes a serem adotadas.

Infelizmente, as crianças negras, com alguma deficiência, com irmãos ou com idade mais avançada são preteridas para a adoção.

Apesar da demora que envolve o processo de adoção parecer ocorrer por causa do sistema e da burocracia, não é. A demora acontece porque, infelizmente, a maioria absoluta dos candidatos a adotantes faz exigências e demonstra preferências, que em geral são bem parecidas. Nesse sentido, existem muitos candidatos a adotantes concorrendo pela adoção das mesmas crianças, enquanto muitas esperam até atingirem a maioridade e perderem o direito à adoção.

As preferências para a adoção são, em sua maioria, crianças brancas, sem irmãos, sem deficiência física ou cognitiva e com baixa idade. Grande parte dos adotantes prefere adotar crianças com até 2 anos de idade. Quanto mais velha a criança, menor a chance de adoção. As crianças com mais de 10 anos têm chances bem pequenas de serem adotadas.

Dados sobre a adoção no Brasil

Os dados sobre a adoção no Brasil evidenciam uma realidade triste para a maioria das crianças que aguardam a adoção. Os números foram retirados de um simulador feito pelo jornal Estadão|1| e mostram as dificuldades de crianças com certas características de serem adotadas. Veja os dados a seguir.

Dados gerais:

  • 42.546 pessoas ou casais estão na fila de espera para adotar uma criança;
  • 4,9 mil menores esperam a adoção.

Idade:

  • 86,73% dos adotantes não querem crianças com mais de 6 anos de idade;
  • 91,94% das crianças disponíveis para adoção têm mais de 6 anos de idade.

Dados sobre as preferências de cor da pele|2|:

  • 92% preferem crianças brancas;
  • 83% preferem crianças pardas (não pela cor em si, mas pela maior disponibilidade);
  • 58% preferem crianças amarelas;
  • 56% preferem crianças negras;
  • 55% preferem crianças indígenas.

Na simulação feita pelo jornal O Estadão, de um recorte de 1000 crianças adotadas, 50% eram pardas; 31%, brancas; e 19%, negras. A maioria parda justifica-se pelo maior número dessas crianças em nosso país disponíveis para a adoção no CNA.

Adoção de irmãos|3|:

  • 67% querem filhos sem irmãos;
  • 33% aceitam adotar irmãos.

Deficiências e doenças:

  • 35% aceitam filhos com doenças em geral;
  • 5% aceitam filhos com sorologia positiva para o HIV;
  • 6% aceitam filhos com deficiências físicas;
  • 3% aceitam filhos com deficiências cognitivas.

As crianças com deficiência cognitiva somam 14% do total de crianças para adoção em uma simulação específica descrita na página, mas apenas 9% foram adotadas. As crianças com deficiência física somam 6% do total, mas apenas 4% delas são adotadas.

Acesse também: Democracia racial – conceito utópico ainda muito distante da realidade

Quanto tempo demora um processo de adoção no Brasil?

Quem pretende adotar uma criança ou adolescente deve, primeiro, procurar a Vara da Infância e da Juventude mais próxima e fazer um cadastro. Essa pessoa ou casal deve apresentar seus documentos pessoais, além de comprovante de bons antecedentes criminais e atestado de saúde física e mental. Após a requisição da inscrição, os adotantes devem fazer um curso preparatório psicossocial, que visa a preparar e amparar os pais e toda a família, já que passarão por um processo que pode ser desgastante e complexo.

Depois do parecer do STF favorável à união estável homoafetiva (2011), casais compostos por dois homens ou duas mulheres podem adotar.

Após o curso, os candidatos à adoção passam por entrevistas e acompanhamento com psicólogos e assistentes sociais, que observarão a família e darão seus pareceres ao juizado responsável pelo caso. Nesse ponto também é definida a preferência de perfil da criança que se quer adotar. Se o juizado autorizar a abertura do processo de adoção, os candidatos são incluídos nos sistemas de adoção.

O tempo mínimo de andamento do processo não é longo, pois hoje não pode passar de quatro meses. Findado o prazo, um novo processo deve ser aberto. No entanto, a espera de famílias por um perfil desejado de crianças, que na maioria dos casos coincide com uma baixa quantidade de crianças disponíveis, eleva esse tempo a uma média de 3,5 anos, podendo ser maior ou menor e requirindo, hoje, a abertura de vários processos.

Notas

|1| Para acessar o simulador criado para estimular a adoção de grupos preteridos, clique aqui.

|2| Como os adotantes podem assinalar mais de uma cor, os dados passam da marca de 100%.

|3| O Artigo 92 do ECA proíbe a separação de irmãos pela adoção.      

Publicado por Francisco Porfírio
Enem
O que você precisa saber sobre o ProUni 2024
O ProUni, Programa Universidade para Todos, oferece bolsas de estudo em instituições de ensino superiores particulares de todo o Brasil. As inscrições são abertas duas vezes, no início de cada semestre. Assista ao vídeo e fique por dentro de como utilizar o programa!
Outras matérias
Biologia
Matemática
Geografia
Física
Vídeos