Sociedade

Sociedade é uma associação entre indivíduos que compartilham valores culturais e éticos e que estão sob um mesmo regime político e econômico, em um mesmo território e sob as mesmas regras de convivência. A sociedade não é um amontoado de indivíduos, mas um sistema organizado deles e ordenado em uma estrutura social, com um arcabouço normativo e com instituições formais e informais (Estado, família, Igreja, escola etc.) — que ensinam esse repertório de prescrições, fomentam a unidade cultural, punem a transgressão das regras, socializam os indivíduos, definem uma gama de papéis que eles podem desempenhar e mantêm a coesão social, econômica e política.

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O que é sociedade?

A etimologia da palavra sociedade remete ao latim, societas, que significa associação “amistosa com outros”. Sociedade é uma palavra polissêmica, isto é, pode ter variados significados conforme o enfoque, a corrente teórica e mesmo a disciplina. O agrupamento humano sob regras e costumes comuns existe desde os primórdios da humanidade.

Como aponta o renomado antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, “a sociedade é uma condição universal da vida humana”|1|. Trata-se de uma necessidade biológica e simbólica. Biológica porque somos predispostos geneticamente à vida em sociedade e ao desenvolvimento de habilidades indispensáveis à nossa sobrevivência e que envolvem simultaneamente o físico e o intelecto, como a linguagem e a técnica em qualquer tipo de trabalho.

É uma necessidade simbólica porque, além de suprir nossas necessidades físicas, precisamos dar sentido a elas, e isso requer o desenvolvimento de um arcabouço moral e cognitivo que defina parâmetros de como fazer e por que fazer algo, o que passa pela definição de regras, rituais e significados compartilhados com nossos semelhantes. Assim, o comportamento humano não é fundado em instintos, mas em normas que orientam suas ações e a organização social do seu grupo, as quais são acumuladas historicamente e também podem ser modificadas no presente.

Sociedade consiste em um grupo de indivíduos ordenado em uma estrutura social.

Essas normas são aglutinadas em instituições que parametrizam e ordenam as relações humanas. As instituições modificam-se no tempo e no espaço, mas a existência de regras na socialização humana é invariável, é, em última instância, o que nos caracteriza como humanidade, animais sociais, cuja satisfação biológica passa inevitavelmente pelo desenvolvimento de capacidades sociais, isto é, que requerem trocas cognitivas e morais na interação com os iguais.

Uma sociedade é um agrupamento humano, em determinado recorte espacial e temporal, regido por normas comuns, culturais e/ou escritas, e unido pela consciência de pertencimento. Sua organização abrange todas as dimensões da vida humana: um sistema econômico que viabilize a produção e distribuição de riqueza entre seus membros; um sistema político e jurídico que medeie as relações, solucione conflitos, proteja a integridade da vida, concilie as diferentes demandas e interesses, determine e delegue as punições a quem infringir as regras; um sistema educacional que abarque família, escola, instituições religiosas e culturais, que oriente o processo de socialização, inculcando o conteúdo ético e cultural característico desse povo e preparando as gerações mais novas para seu ingresso no sistema econômico.

Como afirma Durkheim, as sociedades não são meramente a soma de indivíduos, mas um sistema formado pela associação entre indivíduos. Dessa forma, há uma organização, com instituições formais e informais, uma estrutura social que pode ser hierárquica ou não, e papéis sociais designados aos seus componentes. Esse arranjo permite a previsibilidade necessária para uma harmônica convivência entre as pessoas, permite também o planejamento e persecução de interesses individuais ou comunitários. Estudar como essa organização social é formada, operada e modificada é tarefa elementar da sociologia enquanto disciplina.

Sociedade e indivíduo

Os autores clássicos têm diferentes abordagens sobre o tema. Durkheim enfatiza que a sociedade é anterior ao indivíduo e impõe-se sobre ele, suas regras (fatos sociais) são exteriores, coercitivas e gerais e exercem controle sobre os indivíduos. A participação do indivíduo na sociedade está ligada à função que ele desempenha nela.

Marx enfatiza a divisão de classes, sendo que a classe que domina sobre as demais produz e dissemina a ideologia que permite que as classes exploradas por meio do trabalho aceitem e validem a exploração que sofrem. A infraestrutura social corresponde à base material da sociedade, a sua formação mediante o mundo do trabalho. A superestrutura, por sua vez, corresponde à base normativa dessa sociedade, ao seu conteúdo moral, jurídico e simbólico que regula as relações materiais. Marx ressalta a capacidade de agência do indivíduo, isto é, seu poder de modificar a sociedade em que vive.

Weber volta sua atenção para a ação social, que seria a ação que leva em consideração o comportamento dos outros e é dotada de significado, seja ele de motivação racional, afetiva ou tradicional. Para Weber, compreender essas ações possibilita apreender os valores e as regras compartilhados por todos.

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Tipos de sociedade para a sociologia

A sociologia enquanto ciência social surgiu no século XIX, quando grandes mudanças complexificavam as sociedades pré-capitalistas, transformando-as nas sociedades modernas. Portanto, a sociologia desenvolveu-se na confrontação de dois tipos de sociedade: a sociedade feudal, que era suplantada, e a sociedade burguesa, que emergia.

A classificação de tipos de sociedade pode variar assim como o próprio conceito de sociedade. Por isso, vamos ater-nos a essa divisão rudimentar, sociedade tradicional e sociedade moderna, ainda que haja muitas outras classificações possíveis. É importante ressaltar que a classificação por tipos tem finalidade analítica, portanto, não traduz uma linha evolutiva entre sociedades melhores e piores.

A sociedade tradicional da Idade Média é ilustrada em filmes como “O sétimo selo” (1957), “Joana D’Arc” (1999) e “O nome da rosa” (1986).

A sociedade feudal tinha uma organização da produção econômica baseada na atividade agrícola. Grosso modo, os três grupos sociais que a constituíam eram os sacerdotes, os guerreiros e os trabalhadores, estes sustentavam os dois primeiros, posto que o ócio era valorizado e cultivado nos estratos que gozavam de status social.

As terras eram divididas em feudos, concedidos aos nobres pelos reis, onde moravam os senhores, suas famílias e servos domésticos, bem como os camponeses, arrendatários que trabalhavam na terra, em parte, para si e, em parte, para os senhores. Cada grupo tinha seus “direitos e deveres”, suas funções, e o dono ou administrador da terra tinha total poder sobre quem estivesse em seus limites, numa organização patriarcal de liderança, replicada também nas colônias europeias em todo o mundo, como as sesmarias no Brasil.

Essa sociedade com hierarquia rígida e baixíssima mobilidade social também se caracterizava por relações afetivas e tradicionais, portanto, tinha traços comunitários, embora fosse calcada na exploração e marcada por imensa desigualdade.

A sociedade burguesa, que se desenvolveu após drásticas mudanças culturais e políticas, como o iluminismo, a Revolução Francesa, a Revolução Industrial, desmantelou o traço comunitário que marcava a sociedade feudal, substituindo-o por uma racionalização das relações. Um exemplo: na sociedade feudal, o casamento era uma obrigação moral, na sociedade moderna, é um contrato com direitos e deveres.

O desenvolvimento da ciência e de técnicas associadas à industrialização e a secularização e burocratização do Estado, e sua transformação num ente impessoal e racional-legal, trouxeram mudanças nos valores e nas relações sociais, antes pautadas pela tradição, agora o são pela razão e interesse. A burguesia ascendeu como principal classe social e política, e o proletariado, que também se organizou politicamente, passou a pleitear mudanças nas relações de trabalho e conquistar direitos, o que seria impensável numa sociedade feudal.

Por outro lado, o camponês tinha o controle do processo produtivo e reconhecia-se no resultado final do seu trabalho, já o trabalhador industrial não tinha o controle sobre o processo e nem sobre o resultado final, muitas vezes sequer reconhecendo-se nele, já que a produção em série desmembrava e automatizava as etapas de confecção de um produto. A sociedade burguesa, ao contrário de sua antecessora, é urbana, industrial.

Filme “Tempos modernos” (1936), do genial Charles Chaplin, ilustra o modelo de produção industrial e como ele se reflete na vida do operário. [1]

Essa tipificação permite comparar, identificar mudanças sociais e mesmo antever modificações futuras nos arranjos sociais. Quanto mais complexa a sociedade moderna torna-se, mais também se ramifica e fragmenta o estudo da sociologia em correntes teóricas e fenômenos a serem observados.

Se aplicada à sociologia durkheimiana, a sociedade feudal poderia ser caracterizada como exemplo de solidariedade mecânica, isto é, uma sociedade tradicional, com consciência coletiva que suplanta as consciências individuais, trabalho coletivo, e direito repressivo que usa a punição como exemplo. A sociedade industrial poderia ser classificada como exemplo de solidariedade orgânica, ou seja, de sociedade complexa, com trabalhos fragmentados e individualizados, porém interdependentes, individualista, com a personalidade predominando sobre a consciência coletiva, e praticante do direito restitutivo, isto é, que pune, mas ressocializa o infrator.

Entre as inúmeras formas pelas quais sociedades podem ser classificadas, estão: por sua estrutura econômica (sociedades agrárias, sociedades industriais), por sua estrutura social (sociedade de castas, sociedade patriarcal). Outra possível forma de classificar uma sociedade é por sua organização com base em um comando central político, jurídico e militar — Estado —, que, somado ao povo e ao território, forma os países. O Estado como espinha dorsal de uma sociedade pode ser secular, como os Estados modernos dos países ocidentais, ou teocrático, como o Vaticano, regido pela Igreja Católica, e o Irã, país islâmico dirigido por aiatolás. Há também sociedades apátridas, isto é, sociedades sem Estado, como os ciganos.

Sociedade civil é a expressão política da sociedade organizada, com agenda própria, capaz de pressionar o Estado por mudança nas regras. [2]

Sociedade humana e cultura

A coesão de uma sociedade é construída sobre a sua cultura. A interação cultural gera a consciência de pertencimento, isto é, identidade cultural. Essa identidade forma-se pela partilha de crenças, saberes e costumes comuns.

Essa semelhança pode ser atribuída a vários fatores: étnicos, religiosos, profissionais, territoriais, políticos, ancestrais etc. A semelhança aproxima e a identificação gera coesão de grupos, que podem ser maiores ou menores. Entre as formas de identidade cultural mais conhecidas, está a identidade nacional, os símbolos, as narrativas, as práticas e os conhecimentos que nos unem enquanto brasileiros, por exemplo, mesmo num território tão imenso e com inúmeras diferenças regionais.

Como aponta o sociólogo francês Edgar Morin|2|:

“Não só os indivíduos estão na sociedade, mas a sociedade também está nos indivíduos, incutindo-lhes, desde o nascimento deles, a sua cultura. A cultura e a sociedade permitem a realização dos indivíduos, as interações entre os indivíduos permitem a perpetuação da cultura e a auto-organização da sociedade.”

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Sociedade e comunidade

Uma sociedade é a soma das variadas comunidades que a compõem. A rede de relacionamentos de que é formada uma sociedade é constituída por grupos menores, comunidades, que são formadas por grupos menores, as famílias. Esses núcleos da sociedade, família, comunidades, são grupos intermediários que socializam e integram os indivíduos ao grupo majoritário, que é a sociedade.

Para o sociólogo Ferdinand Tonnies (1855-1936), numa comunidade as interações humanas dão-se pela vontade “natural”, ou seja, voluntária e afetiva, com vistas a participar de uma rede de proteção e subsistência. Já as interações humanas de um agrupamento maior, que é a sociedade, são balizadas pela vontade arbitrária, que é tanto mais artificial e racional quanto mais expansionista e complexa for essa sociedade.

A comunidade é composta por relações de afeto, reciprocidade, proximidade, interesses comuns e continuidade no tempo, tais como relações de parentesco, amizade, vizinhança. Os relacionamentos em seu seio são caracterizados por alto grau de coesão social e engajamento moral, além de emotivos e também tradicionais. A espacialidade é um elemento importante na definição de uma comunidade, seus contornos territoriais são nítidos, sendo seus principais núcleos a família, a vizinhança e os núcleos municipais de sociabilidade.

A comunidade tem como pilares características comuns, sejam elas consanguíneas, culturais (religião, linguagem) ou espaciais. A sociedade, por sua vez, reúne várias comunidades, aqui os elementos comuns são mais restritos, a integração é marcada pela impessoalidade, racionalidade, instrumentalidade, ao contrário da integração comunitária, que é afetiva, envolve costumes, ideais e vontades comuns.

Notas

|1| CASTRO, Eduardo Viveiros. O conceito de sociedade em antropologia: um sobrevôo.

|2| MORIN, Edgar. O método 5: a humanidade da humanidade. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2005. p. 51-52.

Créditos das imagens

[1] neftali / Shutterstock

[2] Tverdokhlib / Shutterstock    

Publicado por Milka de Oliveira Rezende
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“De encontro a” e “ao encontro de” são expressões que possuem sentidos opostos. Apesar disso, a confusão entre elas é bastante comum. Por isso, nesta videoaula, iremos distinguir as situações em que são empregadas e aprendê-las adequadamente.
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