Paródia: Uma questão de ideologia?
Recorrer a conceitos anteriormente ressaltados é, senão, um dos procedimentos mais eficazes quando o assunto diz respeito a novas aprendizagens – como essa que iremos desenvolver a partir de agora. Nesse sentido, como sugestão, que tal voltarmos ao texto “As distintas formas de intertextualização” e por meio dele constatarmos acerca de aspectos amplamente relevantes, os quais irão nos oferecer o sustentáculo necessário para que a nossa discussão se torne ainda mais reforçada e, consequentemente, apreendida? Pois bem, em se tratando do que se afirma como intertextualidade, sabemos que se trata das relações que se manifestam entre as ideias de um discurso, podendo esse estar materializado de distintas formas, ou seja, por meio das artes, por meio da linguagem verbal e não verbal, enfim, por meio de distintos textos. Dando vazão ainda mais aos nossos conhecimentos, constatamos que tais relações podem se afirmar apenas com base na imitação do que é exposto no texto considerado matriz, original, reproduzida, obviamente, através de outras palavras – que se demarca com paráfrase-, bem como pode se dar por meio de uma intenção voltada para um caráter subversivo, em tom de crítica – o que nos faz acreditar na existência de uma paródia.
Partindo então desse último pressuposto, caro(a) usuário(a), isto é, do aspecto irônico, crítico, tratando-se, pois, de uma paródia, temos a honra de compartilhar com você alguns dos pressupostos aqui firmados, norteados pelo questionamento se realmente tal posicionamento se demarca como sendo uma questão de ideologia ou não. Para tanto, nada melhor que analisarmos duas criações poéticas: a primeira delas, considerada como o texto-matriz: “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias; e a segunda, materializada pela paródia que com ela se estabelece, defendida pela “Uma canção”, cuja autoria é de Mário Quintana. Analisemo-las, portanto:
Canção do exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não há de se estranhar que em se tratando de uma criação poética pertencente ao período do Romantismo, os valores, os posicionamentos ideológicos eram voltados para um exaltar da nação recém-libertada do domínio de Portugal. Dessa forma, as belezas, os nativos que aqui habitavam eram de todo conclamados, mesmo porque tais características nortearam o que chamamos de primeira geração romântica, da qual Gonçalves Dias fez parte.
Agora, vejamos a criação de Mário Quintana:
Uma canção
Minha terra não tem palmeiras...
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.
Minha terra tem relógios,
Cada qual com sua hora
Nos mais diversos instantes...
Mas onde o instante de agora?
Mas onde a palavra "onde"?
Terra ingrata, ingrato filho,
Sob os céus da minha terra
Eu canto a Canção do Exílio!
Trata-se de um autor que pertenceu ao período pós-modernista, cujo panorama histórico denunciava as grandes transformações que o Brasil passava e o mundo de uma forma geral, sobretudo com o fim da Segunda Guerra Mundial. Não obstante, os autores, frente a toda essa situação conflitante, atuaram de forma a denunciar as mazelas que acometiam a realidade circundante, fazendo da poesia um objeto de denúncia social, sobretudo demarcada pela devastação da natureza, da destruição das várzeas, dos bosques, tão exaltados mediante as palavras proferidas por Gonçalves Dias.
Acerca de tais elucidações, cabe-nos afirmar que o questionamento demarcado no título do artigo realmente se confirma por meio delas, haja vista que todo esse tom sarcástico expresso nas palavras do segundo autor (Mário Quintana) deu-se em virtude dos posicionamentos ideológicos que nortearam a época em que ele se fez visto, sobretudo pela ênfase que era dada ao desmascarar da realidade, realidade esta tão camuflada nos tempos do Romantismo.