Franz Boas
Franz Boas, antropólogo com formação em física e geografia, é uma das peças mais importantes para entender-se as transformações pelas quais a antropologia passou no século XX. A descoberta dessa área pelo pensador deu-se quando ele empreendeu uma expedição para a ilha de Baffin, no extremo norte do Canadá, onde teve contato com povos inuítes, popularmente chamados de esquimós.
De origem judaica, Boas migrou para os Estados Unidos, onde desenvolveu um estudo sobre os nativos dos Estados Unidos. As experiências com culturas bem distintas da europeia fê-lo perceber que é necessário estabelecer-se um profundo estudo antropológico para que não se caia em preconceitos. Boas pesquisou, escreveu e lecionou antropologia, tornando-se um dos mais importantes estudiosos da área de todos os tempos.
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Biografia de Franz Boas
Franz Boas nasceu na cidade de Minden, Alemanha, em 9 de julho de 1858. Filho de família judaica assimilada, seu pai era um comerciante bem-sucedido, e sua mãe, professora do ensino primário. A inspiração liberal e progressista de sua família influenciou o modo como Boas enxergava o mundo, o que também exerceu influência sobre os seus trabalhos como antropólogo.
O antropólogo não se formou em um curso de Antropologia. Aliás, nem esse curso, nem o curso de Ciências Sociais, grade da qual faz parte a antropologia, existiam. Boas cursou Geografia na Universidade de Heidelberg, e defendeu uma tese de doutorado em Física na Universidade de Kiel em 1881, com apenas 21 anos de idade.
Entre 1883 e 1884, o jovem estudante partiu em uma expedição para a ilha de Baffin, no extremo norte do Canadá, a fim de traçar um estudo cartográfico do local. Foi nesse momento que Boas teve a sua primeira experiência antropológica ao conviver com os inuítes, nativos da região.
Boas percebeu, com o convívio diário com aquelas pessoas, que entender a sua cultura era um processo muito mais complexo do que vinham teorizando os então estudiosos de antropologia. Era preciso entrar em contato direto com o povo, imergir em sua cultura e, o mais fundamental, aprender a sua língua. Boas também percebeu que aquelas pessoas eram muito diferentes dos europeus em aspectos físicos e culturais, mas que isso não os tornava inferiores.
O antissemitismo era um problema que já assolava judeus alemães há séculos e começou a ganhar mais espaço no fim do século XIX. Motivado por isso, Boas mudou-se para os Estados Unidos em 1886. Nesse mesmo ano, organizou uma expedição antropológica para a província canadense Colúmbia Britânica, para iniciar um estudo etnográfico dos povos nativos daquela região.
Em 1892, Boas foi contratado como professor de antropologia da Universidade de Clark, em Massachussetts. Em 1896, ele se tornou curador do Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque. Em 1899, ele se tornou professor de antropologia da Universidade de Colúmbia, também na cidade de Nova Iorque, onde residiu (enquanto não viajava a trabalho) até a sua morte.
Seus estudos avançaram muito desde então, e ele se tornou uma referência nos estudos antropológicos nos Estados Unidos. Com sua pesquisa, Boas conseguiu evidenciar os erros da corrente teórica que tinha originado a antropologia, que era o evolucionismo social. O evolucionismo, ou darwinismo social, apontava uma hierarquia de desenvolvimento da espécie humana por meio das raças, o que poderia ser medido pela cultura.
Essa linha de pensamento afirmava serem as pessoas brancas mais desenvolvidas, as negras menos desenvolvidas, e os indígenas e orientais estariam entre os dois extremos na linha de desenvolvimento intelectual e cultural. Para Boas, esses trabalhos não evidenciavam teorias científicas, pois eles não recorriam a um método preciso para analisar-se os grupos em questão. Tratava-se de abstrações teóricas sem fundamento científico e com pretensões racistas.
Na Universidade de Colúmbia, Boas fundou e dirigiu o Departamento de Antropologia, que teve os primeiros cursos de graduação e pós-graduação em Antropologia nas Américas. Autor de centenas de livros e artigos sobre antropologia física e cultural, linguística, e etnologia, Boas é considerado um dos mais importantes nomes da ciência que estuda a humanidade.
Também foi professor e orientador de pesquisas de importantes nomes das ciências sociais, como a antropóloga estadunidense Margareth Mead, o antropólogo belga Claude Lévi-Strauss, o cientista social brasileiro Gilberto Freyre, e a antropóloga, cantora, escritora e cineasta estadunidense Zora Neale Hurston. Hurston era negra, neta de escravos e tornou-se uma grande intelectual e artista na primeira metade do século XX.
Franz Boas faleceu no dia 21 de dezembro de 1942, aos 84 anos de idade. Ainda lúcido, Boas lecionou, pesquisou e escreveu até a sua morte.
Antropologia cultural
Certamente, Franz Boas é uma referência nos estudos de antropologia cultural por ter feito uma verdadeira reviravolta nessa área enquanto pesquisador. Seus estudos influenciaram dois grandes antropólogos que desenvolveram o assunto de maneira mais aprofundada, o polonês Bronislaw Malinowski e o belga Claude Lévi-Strauss.
Os esforços de Boas na antropologia cultural eram sumariamente três: separar o conceito de cultura do conceito de raça, entender a importância da linguagem para a formação da cultura, e promover uma análise relativista da cultura, que evitasse o etnocentrismo. Para o antropólogo, a linguagem é um dos pontos centrais para o entendimento da cultura de um povo. É preciso, para entender de fato a formação de um grupo social, adentrar nesse grupo, conviver de perto com as pessoas, observar a sua cultura e estudar a sua língua.
É preciso deixar de acreditar que existam culturas superiores ou inferiores baseando-se nos produtos delas, pois isso está muito mais ligado às condições materiais ambientais desses grupos. É preciso também entender que raça e cultura não têm ligação direta.
O fato de africanos não desenvolverem tecnologias como o motor a vapor ou equipamentos movidos a energia elétrica não significa que eles eram inferiores. A tecnologia menos desenvolvida de povos que não se centraram na Europa deu-se por outras condições diversas, em geral, ligadas aos percursos históricos e à condição material desses povos.
Conceito de civilização
O conceito de civilização para a antropologia europeia do século XIX era rigidamente etnocentrista. Embasados nas teorias positivistas, arrogando para si um ar progressista e utilizando mal o evolucionismo de Darwin, teóricos como Edward Burnet Tylor, James Frazer e Herbert Spencer criaram uma teoria que considerava civilizado o povo europeu branco. Os outros povos encontravam-se ainda em estágio de barbárie. Para ter-se uma noção da dimensão racista daquilo que circulava nos meios intelectuais da época, ainda no século XIX discutia-se (aqui nos meios religiosos) se os negros e indígenas tinham ou não alma.
Franz Boas fez um revisionismo desse entendimento de civilização da época, assim como revisou a ideia de cultura. Civilização não era estabelecer aquilo que os europeus estabeleceram como padrões de vida em sociedade, mas sim criar padrões de vida em sociedade. Civilidade era a capacidade de viver em comunidade, independentemente da cultura e do nível de organização política, desde que houvesse uma organização que permitisse a vida coletiva.
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Etnologia
A etnologia é o campo de estudo que busca a compreensão dos fatos com base em um recorte étnico. Boas entendia que a etnologia deveria dar-se conta de que tudo é individualidade, no sentido de que cada sociedade desenvolve-se de uma maneira diferente. Os percursos históricos acontecem de maneira acidental.
Assim, povos de diferentes lugares têm histórias diferentes e desenvolvem-se de maneiras diferentes, sendo cada um uma individualidade. É impossível achar uma lei universal que abarque todos os povos em questão de desenvolvimento, sendo impossível também hierarquizar esses povos de acordo com suas culturas.
Etnografia
A etnografia é um método de pesquisa antropológica que consiste no estudo de uma etnia por meio da imersão social com o povo dessa etnia — aprender a língua, conviver, observar os costumes de perto, analisar o modo de vida do cotidiano simples e dos momentos de rituais e festas. Quem, de fato, elaborou o método etnográfico como ferramenta precisa de estudo para a antropologia foi o antropólogo polonês Bronislaw Malinowski, no século XX. No entanto, Franz Boas foi o primeiro a reconhecer a importância dessa imersão e da conversa com os nativos, ainda no século XIX.
Crédito da imagem
[1] Ansgar Walk / Commons