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Ideologia

O termo ideologia, em sua gênese, no início do século XIX, designava um estudo científico das ideias, como elas se formam e que fenômenos incidem para isso, pesquisa empreendida pelo pensador Destutt de Tracy.

No mesmo período histórico, Karl Marx cunhou uma conceituação crítica do termo ideologia, designando-o como uma falsa consciência sistematizada da realidade social, política e econômica, cujo objetivo é perpetuar a dominação da classe burguesa sobre trabalhadores por meio do falseamento da realidade.

Leia também: Contexto histórico e autores envolvidos no surgimento da sociologia

O que é ideologia?

A palavra ideologia foi usada pela primeira vez por Antoine Destutt de Tracy (1754-1836), filósofo francês, em seu livro Fundamentos da ideologia (1801-1815), publicado em quatro volumes quando estava exilado em Bruxelas. O Conde de Tracy havia participado da Revolução Francesa, mas não apoiou o governo que se formou posteriormente (o de Napoleão Bonaparte), o que o impeliu a sair da França.

Para ele, ideologia era uma ciência das ideias, aqui consideradas num sentido amplo, de estados de consciência, de percepções sobre si e o ambiente. As ideias seriam fenômenos naturais resultantes da interação entre o ser vivo e a natureza. Em seu estudo sobre a formação das ideias, apontou a percepção, a memória, a vontade e a razão como elementos determinantes nesse processo. Seu pensamento influenciou o positivismo de Auguste Comte.

O imperador Napoleão Bonaparte, em contraposição a Destutt, considerava sua conceituação de ideologia como uma forma de oposição ao seu governo. Em discurso perante o Conselho de Estado em 1812, ele deu ao termo ideologia o sentido de ilusão, chamando os opositores ao seu governo de metafísicos, cujas ideias não tinham conexão com a realidade histórica.

Marx, assim como Napoleão, era crítico à concepção de Destutt. Para Marx, os ideólogos promoviam uma subversão entre a realidade e o pensamento, submetendo aquela a este, isto é, invertendo a relação, de modo que os fatos se adequassem às ideias, e não as ideias aos fatos.

Destutt de Tracy, pensador francês que criou o conceito de ideologia.
Destutt de Tracy, pensador francês que criou o conceito de ideologia.

Tipos de ideologia

As concepções de Destutt e Marx apontam dois tipos de ideologia:

  • Ideologia neutra

Trata-se da versão clássica do termo ideologia, concebida por Destutt de Tracy, um pensador que rejeitava as concepções espirituais e invisíveis como explicativas do pensamento. Ele era adepto da corrente materialista, que atribui as ideias e ações humanas somente a causas naturais e materiais. Primava pelo conhecimento científico baseado na observação e era contrário a uma educação religiosa.

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Com base nessas referências, podemos entender melhor sua concepção de ideologia como uma ciência natural, em que as ideias seriam apreendidas de sua relação direta com o mundo físico, a moral seria forjada não no espírito, mas nas necessidades, e os desejos humanos poderiam ser cientificamente conhecidos e controlados.

  • Ideologia crítica

Concebida por Karl Marx em contraposição aos ideólogos alemães, trata-se de uma designação negativa do termo, atribuindo a ele uma dissociação proposital entre a realidade e as ideias, promovida por uma classe burguesa como forma de obnubilar a apreensão da realidade pelos trabalhadores com o intuito de explorá-los.

Veja também: Marxismo – doutrina política elaborada por Karl Marx e Friedrich Engels

Função da ideologia

De acordo com Marx, as ideologias surgem por meio de relações sociais, econômicas e políticas, em contextos de ideias conflitantes, de contradições e contrastes sociais manifestos em desigualdade de recursos, de direitos, de acesso a bens e serviços. Portanto, as ideologias podem ter por finalidade naturalizar conflitos para que eles sejam considerados aceitáveis, na tentativa de normalizar, justificar, amenizar e mesmo ocultar as tensões sociais.

Assim elas contribuem para a manutenção e reprodução de determinado arranjo social, possibilitando que aqueles que, de alguma forma, são prejudicados e poderiam insurgir-se contra ele enxerguem-no como bom ou como impossível de ser modificado.

Ideologia para Karl Marx

Karl Marx, um dos três principais autores da sociologia clássica (junto a Èmile Durkheim e Max Weber), elaborou uma definição peculiar de ideologia. Em seu livro A ideologia alemã, lançado em 1846, Marx aponta a ideologia como uma falsa consciência da realidade. Para ele, ela é um instrumento de ocultamento da realidade utilizado pela classe dirigente para sobrepor-se às demais classes com a aquiescência delas.

O monopólio da produção intelectual e cultural pela classe dominante permitiu que ela manipulasse, a seu favor, a valoração dos fatos de maneira sistemática, assim, as suas ideias prevaleceram e foram interiorizadas pelos demais, ainda que para eles colocá-las em prática não representasse os mesmos benefícios.

Karl Marx, autor de “A ideologia alemã”.
Karl Marx, autor de “A ideologia alemã”.

Por exemplo, numa sociedade capitalista com uma classe dirigente burguesa, as ideias dessa elite política e econômica sobre jornada de trabalho, salários e produtividade são também assimiladas por boa parte dos trabalhadores, que serão, em alguma medida, prejudicados por elas. Assim, a ideologia seria uma legitimadora de desigualdades e da dominação de um pequeno grupo sobre grandes populações.

Em síntese, para Marx, a ideologia é a percepção da realidade com base em uma perspectiva sobre ela que vem da classe que tem o monopólio dos meios de produção material e intelectual. A ideologia restringe a compreensão da realidade a uma única visão dos fatos, ou seja, toma um recorte da realidade como se fosse a sua totalidade.

Como parte desse mecanismo da classe burguesa de alienar os trabalhadores quanto à sua própria realidade, Marx identifica um processo que ele conceitua como fetichismo, isto é, a dissociação entre a mercadoria e a forma como ela foi produzida.

Assim, as pessoas vão às prateleiras sem saber como aqueles produtos chegaram ali. Outro mecanismo de alienação conceituado por Marx é a separação entre o trabalhador e os meios de produção. O desmembramento nas etapas do processo de fabricação de um bem contribui para que o operário não enxergue seu trabalho no produto final e não perceba como e quanto ele contribuiu nessa cadeia de produção.

A fragmentação e especialização do processo produtivo e as jornadas exaustivas e precárias condições de trabalho (realidade do século XIX, quando o autor construiu sua teoria) contribuíram para que a percepção da realidade ficasse confusa e limitada, fácil, portanto, de ser manipulada pelos donos dos meios de produção, que, aliados ao Estado, difundiram a todos as suas ideias que legitimavam essa situação e permitiam que ela continuasse.

Como Marx propôs solucionar esse problema? Para ele, o caminho seria o proletariado tomar consciência de si, o que ele denomina consciência de classe, compreender sua posição no processo e suas diferenças em relação à burguesia. Essa percepção de pertencimento permitiria ao proletariado organizar-se e fazer uma revolução proletária, que teria como ponto de partida o socialismo e como resultado final o comunismo. Para saber mais sobre esse processo, leia: Luta de classes.

Publicado por Milka de Oliveira Rezende
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