Surgimento da Sociologia
O surgimento da Sociologia ocorre no século XIX, a princípio, por influência da teoria positivista de Auguste Comte, porém, muitos acontecimentos anteriores e concomitantes ao surgimento dessa nova ciência humana contribuíram para a sua formação.
Podemos retomar os primeiros indícios de transformação da sociedade europeia que influenciaram a Sociologia ainda no Renascimento. O Iluminismo também contribuiu para uma desestabilização social e uma completa mudança da configuração urbana e política que tornaram a sociedade europeia altamente complexa e carente de fontes de explicações teóricas rigorosas.
Já a consolidação da Sociologia enquanto ciência ocorreu com o trabalho desenvolvido pelo jurista e sociólogo francês Émile Durkheim, que formulou o primeiro método preciso e exclusivo para a nova ciência e a introduziu na universidade como disciplina autônoma.
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Contexto histórico do surgimento da Sociologia
Entre os séculos XV e XIX, sucessivos acontecimentos alteraram significativamente a vida, a política e a economia europeias. Podemos pensar que a economia e a política feudal não precisavam de grandes explicações, pois havia uma lógica interna justificada pelo clero e uma organização social rural e simplista, baseada em estamentos (a nobreza, o clero, os servos e os camponeses).
A sociedade estamental apoiada pela Igreja Católica simplesmente impunha que cada um nascia predestinado a levar um tipo de vida e que isso era escolha de Deus sendo, quase sempre, vedada a alteração dessa ordem. Se um indivíduo era servo, ele deveria servir, porque Deus quis assim. Se ele era nobre, era uma recompensa divina, porque o seu espírito era mais nobre.
O século XIX encontra-se em meio a uma crise devido ao alto desenvolvimento promovido pela industrialização, o que refletiu na formação de uma complexa crise de valores e conflito de interesses. Podemos listar como fatores históricos que contribuíram para o surgimento da Sociologia os seguintes:
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Renascentismo
Com o Renascimento, a burguesia passa a crescer e aquela concepção de sociedade estamental medieval passa a ser alterada, visto que os burgueses não eram nobres, mas tinham tanto ou mais dinheiro quanto os nobres. A reivindicação da classe burguesa por seus direitos políticos ocorreu gradativamente de acordo com o crescimento dessa classe.
Essas alterações na configuração social europeia causaram uma alteração tão grande na ordem política e social do continente que, em partes, contribuíram até para a Revolução Francesa e para os ideais de igualdade e liberdade propostos pelo Iluminismo.
Encontramos no Renascimento europeu um período de transição do Medievo para a Modernidade. A retomada de valores filosóficos, científicos e estéticos da cultura greco-romana mudaram a concepção de conhecimento do ser humano, permitindo uma nova visão que inauguraria a Modernidade.
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Capitalismo mercantilista
O surgimento do capitalismo em sua primeira forma, o mercantilismo, desencadeou a expansão marítima e comercial europeia, fator que possibilitou o desenvolvimento financeiro de potências por meio do comércio e da exploração voraz das colônias situadas nas Américas e, mais tarde, na África e na Ásia. Isso fez com que, em um primeiro momento (século XVI), o europeu buscasse entender as diferentes culturas das colônias.
Em um segundo momento (século XIX), o europeu precisava justificar a exploração sanguinária dos países africanos e asiáticos. No século XVI, começou, de forma embrionária, o desenvolvimento de uma atitude de estudo das diferentes culturas. No século XIX, aquele estudo tornou-se uma área científica das Ciências Sociais, a Antropologia. Em seu começo, por volta dos anos de 1870, a Antropologia era extremamente elitista e etnocentrista, além disso criava teorias para justificar a exploração das novas colônias, apesar de já estar em curso, no mesmo período, o capitalismo industrial.
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Iluminismo
Os ideais iluministas projetaram um novo cenário intelectual e político ideal, baseado na justificação jurídica e política dos poderes e na separação entre Estado e Igreja. A partir disso, as pessoas passaram a buscar, pouco a pouco, os seus direitos e a exigir do Estado a legalidade em suas ações.
Isso não só provocou a Revolução Francesa, como fez com que houvesse uma gradativa alteração na concepção de política, o que se expressou como fator marcante para o estabelecimento de uma ciência capaz de compreender essa nova forma de sociedade e de política, baseada na legalidade e nos direitos fundamentais.
A consolidação da burguesia enquanto classe dominante e a formação do capitalismo industrial firmaram-se com a mudança da economia, antes baseada na manufatura e agora baseada na produção industrial, que gerou a divisão acirrada de classes sociais. Isso ocasionou uma intensa explosão demográfica nos centros urbanos que se industrializaram, como Londres e Paris, pois as pessoas migraram do campo para as cidades em busca de melhores condições de vida.
A falta de emprego para todo mundo resultou em miséria, fome, aumento significativo da violência e alastramento de doenças. O caos desse novo cenário europeu era, para Auguste Comte, mais um atestado de que era necessária uma ciência capaz de estudar e reordenar a sociedade, a fim de colocar a humanidade novamente no rumo do progresso.
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Como a Revolução Francesa contribuiu para o surgimento da Sociologia?
A Revolução Francesa marcou profundamente a história europeia e, como não poderia ser diferente, foi um fator decisivo para o surgimento da Sociologia. O objetivo final alcançado da Revolução Francesa era acabar com o Antigo Regime.
A lógica monárquica, herdeira do medievalismo, foi derrubada, e o pensamento republicano começou a nascer na Europa. Forma de políticas menos excludentes, laicas e baseadas no Estado de direitos começaram a florescer na França, o que alterou a configuração social do país. Apesar dos fatores positivos que tornaram a revolução necessária, a França viveu anos de instabilidade política por conta do caos deixado no cenário pós-revolucionário, pois a grande Revolução Francesa, de inspiração burguesa e iluminista, ocasionou uma ruptura política dentro da Europa.
Segundo Comte, a Revolução Francesa foi necessária para o desenvolvimento de um novo pensamento político, laico, republicano e juridicamente amparado, mas o caos deixado pela ruptura abrupta impediu o crescimento social francês, fator que precisava ser alterado no século XIX. Como solução, Comte apontou que a Sociologia devia entrar em cena para entender a nova sociedade e reorganizá-la.
Diante da insegurança, que segundo Comte, era um empecilho para o crescimento, para a evolução e para o progresso, o filósofo propôs a criação de uma ciência que, tal como as ciências naturais, observasse e formulasse, metodologicamente, a sociedade a fim de propor rumos para a retomada do progresso social, científico e moral. Diante disso, o filósofo formulou a sua Lei dos Três Estados e inaugurou o positivismo.
O surgimento da Sociologia como ciência
Comte deu o primeiro passo para a criação da Sociologia. Porém, Émile Durkheim formulou uma crítica ao pensamento comtiano que, na visão de Durkheim, era demasiado metafísico e não atingia, de fato, o estágio positivo capaz de criar uma ciência rigorosa para a sociedade, pois era baseado em abstrações.
Para Durkheim, uma ciência da sociedade deveria ter o seu próprio método de análise capaz de operar autonomamente, pois as leis das ciências naturais não seriam suficientes para compreender o todo complexo que eram as sociedades capitalistas industriais.
Durkheim formulou o método comparativo de análise social baseado no que ele chamou de fatos sociais. Segundo o sociólogo francês, existem traços comuns que se repetem em todas as sociedades, os fatos sociais, e o papel do sociólogo seria identificar esses fatos e comparar os dados obtidos das diferentes sociedades.
Um bom exemplo de fato social analisado por Durkheim foi o suicídio. Segundo as análises do sociólogo, publicadas no livro O Suicídio, há uma ocorrência comum desse fenômeno em todas as sociedades, sendo motivado sempre pelos mesmos fatores:
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Isolamento social e falta de perspectiva de vida social, o que Durkheim classificou como suicídio egoísta, não no sentido de não se pensar nos outros, mas no sentido de projetar o próprio ego e a sua existência para fora da sociedade e não enxergar vínculos entre si mesmo e o mundo .
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Tirar a própria vida por uma causa maior, o que Durkheim chamou de suicídio altruísta, que é enxergar em algo uma maior importância que a própria existência, fazendo com que o sujeito se mate em nome daquilo que está em questão.
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Tirar a própria vida por conta de uma instabilidade caótica no âmbito social ou econômico, o que leva as pessoas a tomarem medidas drásticas. Durkheim chamou essa forma de suicídio anômico.
Durkheim constatou que o suicídio é um fato social por ocorrer em todos os lugares, mas que os números de casos de suicídio variam. Isso se deve a fatores externos expressos por outros fatos sociais que fazem com que as pessoas cometam mais ou menos suicídios.
Durkheim também foi pioneiro ao introduzir a Sociologia no ensino superior francês, inaugurando a cadeira de Sociologia em cursos de Direito e cursos voltados para a docência, além de torná-la uma ciência autônoma e rigorosa.
O surgimento da Sociologia no Brasil
O escritor, crítico literário e sociólogo brasileiro Antonio Candido escreveu um artigo que retoma os primeiros passos da Sociologia brasileira, intitulado como A Sociologia no Brasil |1|. Segundo o escritor, o início da Sociologia no Brasil passou por dois momentos distintos separados pela década de 1930. Antes desse período, a Sociologia Brasileira era feita, sobretudo, por juristas a partir de 1890.
Além de juristas, historiadores, filósofos e intelectuais em geral tentaram entender a sociedade brasileira, escrevendo tratados importantes sobre a nossa formação, mas sem o rigor acadêmico necessário à pesquisa sociológica. Entre os nomes importantes de sociólogos diletantes que arriscaram à formulação de tratados sobre a formação do Brasil, podemos destacar Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior.
Em 1933, São Paulo inaugurou o primeiro curso superior de Sociologia no Brasil, pela Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Em 1934, foi inaugurada a Universidade de São Paulo (USP) e dada a necessidade de contratações especializadas, a universidade convidou diversos professores e pesquisadores de Sociologia, sobretudo franceses, para integrarem o corpo docente da universidade.
A USP incorporou em seu quadro a Escola Livre de Sociologia e Política e deu continuidade à pesquisa e ao ensino em Sociologia. Os primeiros sociólogos especialistas brasileiros começaram a se graduar por volta de 1936, dando origem a uma nova leva de intelectuais da Sociologia, altamente especializados no assunto, o que impulsionou a pesquisa metódica e rigorosa sobre a sociedade em nosso país. Entre os nomes de destaque que começam a surgir depois de 1930, podemos mencionar Florestan Fernandes.
Resumo
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A Sociologia surgiu na França;
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Primeiro, ela foi idealizada por Auguste Comte;
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Émile Durkheim criou o primeiro método sociológico e desenvolveu a Sociologia como uma ciência autônoma;
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Vários fatores acumulados desde o Renascentismo, passando pela Revolução burguesa e pela Revolução Industrial contribuíram para o surgimento da Sociologia;
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A Sociologia chegou ao Brasil por pensadores não especialistas a partir do fim do século XIX;
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Em 1933, foi criado o primeiro curso superior de Sociologia no Brasil, o que fez surgir uma nova leva de sociólogos especializados que consolidaram de vez os estudos sociológicos brasileiros.
Notas
|1| CANDIDO, A. A Sociologia no Brasil. In: Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, v. 18, n. 1.
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