Variações linguísticas
Quando falamos em variação linguística, analisamos os diferentes modos em que é possível expressar-se em uma língua, levando-se em conta a escolha de palavras, a construção do enunciado e até o tom da fala. A língua é a nossa expressão básica, e, por isso, ela muda de acordo com a cultura, a região, a época, o contexto, as experiências e as necessidades do indivíduo e do grupo que se expressa. Veja quantos fatores empregamos para adequar a nossa fala à situação e ao grupo em que nos encontramos.
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Tipos de variações linguísticas
Há quatro tipos de distinção dentro das variações linguísticas. Vamos aprender um pouco sobre cada um deles.
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Variações históricas (diacrônicas)
As variações históricas tratam das mudanças ocorridas na língua com o decorrer do tempo. Algumas expressões deixaram de existir, outras novas surgiram e outras se transformaram com a ação do tempo.
Um clássico exemplo da língua portuguesa é o termo “você”: no português arcaico, a forma usual desse pronome de tratamento era “vossa mercê”, que, devido a variações inicialmente sociais, passou a ser mais usado frequentemente como “vosmecê”. Com o passar dos séculos, essa expressão reduziu-se ao que hoje falamos como “você”, que é a forma incorporada pela norma-padrão (visto que a língua adapta-se ao uso de seus falantes) e aceita pelas regras gramaticais. Em contextos informais, é comum ainda o uso da abreviação “cê” ou, na escrita informal, “vc” (lembrando que estas últimas formas não foram incorporadas pela norma-padrão, então não são utilizadas na linguagem formal).
Vossa mercê → Vosmecê → Você → Cê
Outras mudanças comuns são as de grafia, as quais as reformas ortográficas costumam regular. Assim, a partir de 2016, a palavra “consequência” passou a ser escrita sem trema, sendo que antes era escrita desta forma: “conseqüência”. Do mesmo modo, a palavra “fase” é hoje escrita com a letra f devido à reforma ortográfica de 1911, sendo que antes era escrita com ph: “phase”.
Conseqüência → Consequência
Phase → Fase
Vale, ainda, comentar a respeito de palavras que deixam de existir ou passam a existir. Isso acontece frequentemente com as gírias: se antes jovens costumavam dizer que algo era “supimpa” ou que “aquele broto é um pão”, hoje é mais comum ouvir deles que algo é “da hora” ou que “aquela mina é mó gata”.
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Variações geográficas (diatópicas)
As variações geográficas naturalmente falam da diferença de linguagem devido à região. Essas diferenças tornam-se óbvias quando ouvimos um falante brasileiro, um angolano e um português conversando: nos três países, fala-se português, mas há diferenças imensas entre cada fala.
Não é preciso que a distância seja tão grande: dentro do próprio Brasil, vemos diferenças de léxico (palavras) ou de fonemas (sons, sotaques). Há diferenças entre a capital e as cidades do interior do mesmo estado. Observemos alguns exemplos de diferenças regionais:
“Mandioca”, “aipim” ou “macaxeira”? Os três nomes estão corretos, mas, dependendo da região do Brasil, você ouvirá com mais frequência um ou outro. O mesmo vale para a polêmica disputa entre “biscoito” e “bolacha”, que se estende para todo o território nacional.
As gírias também variam bastante regionalmente: cerveja pode ser conhecida como “bera” em regiões do Paraná, “breja” em São Paulo e “cerva” no Rio de Janeiro.
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Variações sociais (diastráticas)
As variações sociais são as diferenças de acordo com o grupo social do falante. Embora tenhamos visto como as gírias variam histórica e geograficamente, no caso da variação social, a gíria está mais ligada à faixa etária do falante, sendo tida como linguagem informal dos mais jovens (ou seja, as gírias atuais tendem a ser faladas pelos mais novos).
Há, ainda, expressões informais ligadas a grupos sociais específicos. Um grupo de futebolistas, por exemplo, pode usar a expressão “carrinho” com significado específico, que pode não ser entendido por um falante que não goste de futebol ou que será entendido de modo distinto por crianças, por exemplo.
Um grupo de capoeiristas pode facilmente falar de uma “meia-lua”, enquanto pessoas de fora desse grupo talvez não entendam imediatamente o conceito específico na capoeira. Do mesmo modo, capoeiristas e instrumentistas provavelmente terão mais familiaridade com o conceito de “atabaque” do que outras pessoas.
Como vimos, as profissões também influenciam bastante nas variações sociais por meio dos termos técnicos (jargões): contadores falam dos termos “ativo” e “passivo” para remeter a conceitos diferentes daqueles usados por linguistas. No entanto, em ambos os casos, ativo e passivo são conceitos muito mais específicos do que seu uso geral em outros grupos.
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Variações estilísticas (diafásicas)
As variações estilísticas remetem ao contexto que exige a adaptação da fala ou ao estilo dela. Aqui entram as questões de linguagem formal e informal, adequação à norma-padrão ou despreocupação com seu uso. O uso de expressões rebuscadas e o respeito às normas-padrão do idioma remetem à linguagem tida como culta, que se opõe àquela linguagem mais coloquial e familiar. Na fala, o tom de voz acaba tendo papel importante também.
Assim, o vocabulário e a maneira de falar com amigos provavelmente não serão os mesmos que em uma entrevista de emprego, e também serão diferentes daqueles usados para falar com pais e avós. As variações estilísticas respeitam a situação da interação social, levando-se em conta ambiente e expectativas dos interlocutores.
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Preconceito linguístico
Tendo tantas variações e nuances, pudemos ver que cada contexto social traz naturalmente um modo mais ou menos adequado de expressão, sendo importante entender que as variações linguísticas existem para estabelecer uma comunicação adequada ao contexto pedido.
Apesar disso, as diversas maneiras de expressar-se ganham status de maior ou menor prestígio social baseado em uma série de preconceitos sociais: as variações linguísticas ligadas a grupos de maior poder aquisitivo, com algum tipo de status social, ou a regiões tidas como “desenvolvidas” tendem a ganhar maior destaque e preferência em relação às variedades linguísticas ligadas a grupos de menor poder aquisitivo, marginalizados, que sofrem preconceitos ou que são estigmatizados.
Desenvolve-se, assim, o preconceito linguístico, que se baseia em um sistema de valores que afirma que determinadas variedades linguísticas são “mais corretas” do que outras, gerando um juízo de valor negativo ao modo de falar diferente daqueles que se configuram como os “melhores”. O preconceito linguístico nada mais é do que a reprodução, no campo linguístico, de um sistema de valores sociais, econômicos e culturais.
No entanto, ao estudarmos as variações linguísticas, percebemos que não há uma única maneira de expressar-se e que, portanto, não há apenas um modo certo. A língua e sua expressão variam de acordo com uma série de fatores. Antes de tudo, ela deve cumprir seu papel de expressão, sendo compreendida pelos falantes e estando adequada aos contextos e às expectativas no ato da fala. Dessa forma, o ideal do preconceito linguístico, que gera juízo de valor às diferentes variações linguísticas, não deve ser alimentado.
Linguagem formal e informal
Uma diferença importante é aquela entre linguagem formal e linguagem informal. A situação em que nos encontramos define o tipo de linguagem que usaremos. Primeiro, pensemos no conceito de norma-padrão: as convenções da língua criam regras gramaticais que buscam nortear seu uso, de modo que falantes de uma mesma língua, apesar das variações existentes, consigam entender-se por um padrão comum a todos.
Assim, um jovem nascido no Acre conseguirá comunicar-se com uma senhora que viveu em Santa Catarina baseado nas regras comuns da norma-padrão da língua portuguesa. Do mesmo modo, grandes veículos de comunicação, como emissoras de TV ou mesmo youtubers, podem produzir mensagens que serão basicamente compreendidas por qualquer falante do idioma utilizado.
Um contexto mais casual, como uma reunião com amigos ou um almoço em família, pede uma expressão coloquial. Por mais respeito que haja entre você e sua família e amigos, você não utilizará palavras ou construções gramaticais muito rebuscadas. Aqui, há mais liberdade na maneira de falar, por isso você utiliza uma linguagem informal, que pode permitir o uso de gírias, de frases feitas ou interjeições, de abreviações, de desvios gramaticais (ou menor preocupação em seguir a norma-padrão) etc.
Já o contexto formal, como reuniões profissionais, discursos ou ambientes acadêmicos, exige o uso da linguagem formal, aquela que se preocupa com a norma-padrão e suas regras gramaticais, seguindo-as estritamente. Além disso, a fala torna-se polida e clara, e mesmo a escolha das palavras é feita com maior cuidado.
Exercícios resolvidos sobre variações linguísticas
Questão 1 - (Enem)
“Acuenda o Pajubá”: conheça o “dialeto secreto” utilizado por gays e travestis
Com origem no iorubá, linguagem foi adotada por travestis e ganhou a comunidade
“Nhaí, amapô! Não faça a loka e pague meu acué, deixe de equê se não eu puxo teu picumã!” Entendeu as palavras dessa frase? Se sim, é porque você manja alguma coisa de pajubá, o “dialeto secreto” dos gays e travestis.
Adepto do uso das expressões, mesmo nos ambientes mais formais, um advogado afirma: “É claro que eu não vou falar durante uma audiência ou numa reunião, mas na firma, com meus colegas de trabalho, eu falo de 'acué' o tempo inteiro”, brinca. “A gente tem que ter cuidado de falar outras palavras porque hoje o pessoal já entende, né? Tá na internet, tem até dicionário...”, comenta.
O dicionário a que ele se refere é o Aurélia, a dicionária da língua afiada, lançado no ano de 2006 e escrito pelo jornalista Angelo Vip e por Fred Libi. Na obra, há mais de 1300 verbetes revelando o significado das palavras do pajubá.
Não se sabe ao certo quando essa linguagem surgiu, mas sabe-se que há claramente uma relação entre o pajubá e a cultura africana, numa costura iniciada ainda na época do Brasil colonial.
Disponível em: www.midiamax.com.br. Acesso em: 4 abr. 2017 (adaptado).
Da perspectiva do usuário, o pajubá ganha status de dialeto, caracterizando-se como elemento de patrimônio linguístico, especialmente por:
a) ter mais de mil palavras conhecidas.
b) ter palavras diferentes de uma linguagem secreta.
c) ser consolidado por objetos formais de registro.
d) ser utilizado por advogados em situações formais.
e) ser comum em conversas no ambiente de trabalho.
Resolução
Alternativa C. O que caracteriza qualquer dialeto é a consolidação de seu registro por meio de objetos formais, como pesquisa e dicionarização.
Questão 2 - (Fuvest)
Todas as variedades linguísticas são estruturadas e correspondem a sistemas e subsistemas adequados às necessidades de seus usuários. Mas o fato de estar a língua fortemente ligada à estrutura social e aos sistemas de valores da sociedade conduz a uma avaliação distinta das características das suas diversas modalidades regionais, sociais e estilísticas. A língua padrão, por exemplo, embora seja uma entre as muitas variedades de um idioma, é sempre a mais prestigiosa, porque atuam como modelo, como norma, como ideal linguístico de uma comunidade. Do valor normativo decorre a sua função coercitiva sobre as outras variedades, com o que se torna uma ponderável força contrária à variação.
Celso Cunha. Nova gramática do português contemporâneo. Adaptado.
De acordo com o texto, em relação às demais variedades do idioma, a língua padrão comporta-se de modo
a) inovador.
b) restritivo.
c) transigente.
d) neutro.
e) aleatório.
Resolução
Alternativa B. Como modelo e norma, a língua padrão restringe as demais variedades do idioma, sendo sempre o ideal linguístico.