Lei Eusébio de Queirós

Lei Eusébio de Queirós, aprovada em 1850, foi a lei responsável pela abolição do tráfico negreiro no Brasil. A pressão inglesa foi fundamental para que isso acontecesse.
A Lei Eusébio de Queirós colocou fim no tráfico negreiro, atividade que trouxe quase cinco milhões de africanos como escravos para o Brasil.

A Lei Eusébio de Queirós foi aprovada em setembro de 1850, decretando a abolição do tráfico negreiro no Brasil. A lei foi acompanhada de medidas de repressão a essa atividade, fazendo com que o tráfico negreiro tenha deixado de existir efetivamente a partir de 1856. Ela foi resultado de anos de pressão dos ingleses para que o tráfico negreiro fosse extinto.

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Tráfico negreiro no Brasil

A proibição do tráfico negreiro no Brasil foi um dos primeiros passos para que a escravidão pudesse ser de fato abolida no país. O fim dessa atividade econômica não foi fácil nem rápido, uma vez que não havia grande interesse na sociedade brasileira em acabar com a comercialização de africanos escravizados.

O tráfico negreiro era uma atividade que existia no Brasil desde o século XVI e, segundo as historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling, foi responsável por trazer 4,9 milhões de africanos para o país|1|, fazendo daqui o lugar que mais recebeu africanos escravizados na história mundial.

A partir do século XIX, a escravidão começou a ser questionada e o comércio de escravos a ser muito criticado. Internacionalmente, o país que se engajou em reprimir essa atividade foi a Inglaterra. Desde o começo do século XIX, os ingleses tentavam obter um compromisso para o fim do tráfico negreiro no Brasil.

Esse compromisso começou a ser negociado quando o Brasil ainda era colônia portuguesa. Em 1810, d. João VI havia se comprometido com o fim do tráfico negreiro, e, por isso, entre 1810 e 1812, os ingleses apreenderam vários navios negreiros que estavam a caminho do Brasil. Em 1815, os ingleses anunciaram que o tráfico só seria permitido em locais ao sul da Linha do Equador.

Em 1817, os portugueses aceitaram que os navios negreiros avistados em alto-mar fossem apreendidos. As pressões inglesas pelo fim do tráfico mantiveram-se quando o Brasil conquistou a sua independência, e o seu reconhecimento pelos ingleses passou obrigatoriamente por um compromisso do Brasil em abolir essa atividade.

Em 1826, o Brasil realizou um acordo em que se comprometia a abolir o tráfico em até três anos a partir da data de sua ratificação (que se deu em 1827). O imperador foi bastante criticado por isso, mas a primeira atitude deu-se depois que o prazo de três anos havia expirado. Em 7 de novembro de 1831, foi emitida a Lei Feijó, que proibia o tráfico negreiro e tornava livres os africanos que desembarcassem no Brasil após essa data.

A lei teve sua execução regulamentada em decreto de 12 de abril de 1832 e, na prática, foi letra morta porque nunca houve ação sistemática e organizada para fiscalizar e impedir a chegada de africanos escravizados ao Brasil. A consequência disso é que o tráfico negreiro recuperou fôlego a partir do ano de 1833, após ter sido menos intenso em 1832.

A falta de ação do governo brasileiro em combater o tráfico, mesmo com uma lei proibindo-o, fez com que a Lei Feijó fosse chamada de “lei para inglês ver”. Entre as práticas tomadas pelo governo para demonstrar que o tráfico estava sendo combatido, estava o fechamento do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro. Esse era o principal cais que recebia africanos escravizados.

A realidade, no entanto, foi outra, e estima-se que, de 1831 a 1845, cerca de 470 mil africanos tenham desembarcado no Brasil|2|. As autoridades policiais faziam vista grossa aos africanos desembarcados aqui, e houve até iniciativas políticas para tentar revogar a lei de 1831. Esses escravos eram enviados em grande parte para o Sudeste, local em que as fazendas de café começavam a prosperar.

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Pressão inglesa

Com a Lei de 1831, o Cais do Valongo, o principal cais do tráfico negreiro no Brasil, foi desativado.[1]

Durante as décadas seguintes, a questão do tráfico negreiro teve um peso enorme nas relações diplomáticas entre Brasil e Inglaterra. A leniência das autoridades imperiais em combater efetivamente o tráfico irritava os ingleses, e ações mais hostis começaram a ser cogitadas.

Em março de 1845, o acordo assinado entre Brasil e Inglaterra em 1826 teve seu prazo de validade expirado e as autoridades brasileiras não quiseram renová-lo. Essa ação foi entendida pelos ingleses como desinteresse pelo combate ao comércio transatlântico de africanos escravizados, e eles decidiram agir mais diretamente contra o Brasil.

George Hamilton Gordon, secretário de Assuntos Estrangeiros do Reino Unido e mais conhecido como Lorde Aberdeen, propôs a lei de que a marinha britânica podesse agir para aprisionar embarcações negreiras que estivessem trazendo africanos para o Brasil. Essa lei recebeu o nome de Slave Trade Supression Act ou Bill Aberdeen, sendo aprovada no Parlamento inglês em 9 de agosto de 1845.

O Bill Aberdeen dava direito ainda de levar a tripulação dos navios negreiros para a Inglaterra, onde seus componentes seriam julgados por atos de pirataria. A reação da sociedade brasileira perante essa intervenção foi de indignação, e os ingleses foram criticados por agirem contra a soberania e os interesses brasileiros.

Entre os políticos houve aqueles que defenderam uma retórica de guerra contra a Inglaterra, e houve até um ataque contra uma embarcação inglesa em 1850. Isso gerou uma represália inglesa que atacou dois navios negreiros na costa brasileira e deixou o clima entre as duas nações bastante tenso.

O temor de um conflito contra os ingleses e dos impactos econômicos que isso poderia trazer, além da má repercussão internacional que a manutenção do tráfico negreiro trazia, fez com que o clima político se tornasse favorável para o fim do tráfico negreiro. Nesse momento, Eusébio de Queirós entrou em ação.

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Lei Eusébio de Queirós

Lorde Aberdeen foi o responsável pela Bill Aberdeen, lei inglesa que forçou o Brasil a abolir o tráfico negreiro em 1850.

O ministro da Justiça, Eusébio de Queirós Coutinho Matoso Câmara, decidiu encaminhar um projeto para debater novamente sobre o fim do tráfico de africanos escravizados. Esse projeto foi aprovado e transformou-se na Lei nº 581, em 4 de setembro de 1850. Os redatores da lei definiram-na como uma iniciativa que tomava “medidas para a repressão do tráfico de africanos” no Império|3|.

A Lei Eusébio de Queirós não tratou do status dos africanos que haviam entrado no país ilegalmente (à luz da lei de 1831), o que significa que o interesse primordial dos grandes fazendeiros era o de garantir a posse dos africanos escravizados que entraram no Brasil após 1831, segundo afirmação do historiador Carlos Eduardo Moreira de Araújo|4|.

Dessa vez, a ação do governo brasileiro foi a de efetivamente reprimir o tráfico negreiro. A costa começou a ser monitorada para evitar que africanos fossem ilegalmente desembarcados em nosso território. Além disso, o tráfego interprovincial de escravos começou a ser monitorado e os escravos deveriam ter um passaporte para demonstrar que eles não haviam entrado ilegalmente depois da lei de 1850.

Os traficantes mais conhecidos começaram a ser constantemente monitorados e operações de vigilância nos portos começaram a ser realizadas. Mesmo com todas essas ações, estima-se que cerca de 38 mil africanos tenham entrado ilegalmente no Brasil entre 1850 e 1856|5|. As duas últimas apreensões de embarcações negreiras de que se tem conhecimento aconteceram em Pernambuco, em 1855, e no Espírito Santo, em 1856.

Notas

|1| SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 82.

|2| ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira. Fim do tráfico. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 232.

|3| Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850. Para acessar, clique aqui.

|4| ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira. Fim do tráfico. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 235.

|5| Idem, p. 236.

Créditos da imagem

[1] Rodrigo S Coelho e Shutterstock

Publicado por Daniel Neves Silva
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