Dadaísmo

Dadaísmo foi um dos movimentos de vanguarda do início do século XX. Seu nome é derivado da palavra dadá, que pode ter múltiplos significados e não significar coisa alguma. Surgiu em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial, como um movimento de contestação aos valores culturais. Contrário à racionalidade e à arte acadêmica, privilegiou o nonsense (ausência de significado) e defendeu a arte espontânea.

Os principais artistas do dadaísmo europeu foram: Hugo Ball, Hans Arp, Tristan Tzara, Marcel Duchamp, Francis Picabia, André Breton, Max Ernst, Hannah Höch e Raoul Hausmann. Desses artistas, há destaque para os escritores Hugo Ball, Tristan Tzara e Raoul Hausmann, que produziram uma literatura que influenciou modernistas e concretistas brasileiros.

Veja também: Verso, estrofe e rima – elementos amplamente ignorados pelos dadaístas

Contexto histórico do dadaísmo

No início do século XX, havia um clima de tensão entre as grandes potências europeias, gerado pela política de expansão neocolonialista iniciada no século anterior. O sentimento de nacionalismo, desenvolvido durante o século XIX, era usado agora para alimentar, em cada nação, a crença em sua superioridade em relação a qualquer outra.

Como consequência de tal rivalidade, além de acordos entre nações, a corrida armamentista intensificou-se. Os países precisavam garantir seu poderio, fosse com acordos entre si, fosse com acúmulo de material bélico, para o caso de ocorrer algum conflito armado, o que aconteceu em 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial, que só teve fim em 1918.

Primeira Guerra Mundial: posto de primeiros socorros da Cruz Vermelha.

No entanto, ao lado da tensão política, havia também certa euforia em relação às inovações tecnológicas que estavam evidentes no início daquele século, como o telefone, o telégrafo sem fio, o aparelho de raio-x, o automóvel, o avião, o cinema. O século que se iniciava mostrava o predomínio da tecnologia e, com ela, da velocidade.

Nesse contexto, alguns artistas, diante da matança que estava em curso durante a Primeira Guerra Mundial, mostravam-se descrentes da civilização e do propalado progresso social de início do século, que contrastava com o conflito armado. Esses artistas, munidos de um espírito anárquico e questionador, criaram então um movimento de vanguarda, o dadaísmo.

Origem do dadaísmo

Inauguração da primeira exposição dadá, Berlim, 5 de junho de 1920.

As vanguardas europeias foram movimentos artísticos ocorridos no início do século XX, na Europa, cada um com características específicas, mas com algo em comum: a quebra com os valores da arte tradicional. O dadaísmo foi um desses movimentos. Seu principal idealizador foi o poeta romeno Tristan Tzara (1896-1963).

O movimento surgiu, oficialmente, em Zurique, no dia 14 de julho de 1916, com seu primeiro manifesto, assinado pelo escritor alemão Hugo Ball (1886-1927), com esta introdução:

“Dadá é uma nova tendência da arte. Percebe-se que o é porque, sendo até agora desconhecido, amanhã toda a Zurique vai falar dele”.

Segundo o manifesto, o significado da palavra dadá, em francês, é “cavalo de pau”; em alemão, “Não me chateies, faz favor, adeus, até a próxima!”; em romeno, “Certamente, claro, tem toda a razão, assim é. Sim, senhor, realmente. Já tratamos disso”. Nessas definições, já se pode perceber que o movimento era pautado pela ironia. No final das contas, a palavra dadá, para os dadaístas, não tem nenhum significado ou tem todos os significados.

Hugo Ball, no Cabaret Voltaire, em 1916: clube noturno, em Zurique, onde surgiu o dadaísmo.

Nessa definição, ou indefinição, da palavra dadá, que dá nome ao movimento, é possível perceber a essência dessa vanguarda, fundada na falta de sentido:

Apenas uma palavra e uma palavra como movimento. [...]. Ao fazer dela uma tendência da arte, é claro que vamos arranjar complicações. Psicologia Dadá, literatura Dadá, burguesia Dadá e vós, excelentíssimo poeta, que sempre poetastes com palavras, mas nunca a palavra propriamente dita. Guerra mundial Dadá que nunca mais acaba, revolução Dadá que nunca mais começa.

Veja também: Semana de Arte Moderna: o pontapé inicial a uma nova literatura

Características do dadaísmo

Basicamente, o dadaísmo foi um movimento de oposição radical. Assim, foi contra a organização, a lógica, os valores estéticos tradicionais e, também, dos seus contemporâneos. Por isso, é considerado anárquico e provocador. Foi irreverente e experimental, valorizou a improvisação, além de ter feito crítica ao capitalismo e ao consumismo. Defendeu, portanto, uma arte espontânea, com base no nonsense, isto é, na falta total de sentido. Dessa forma, assumiu um caráter caótico e absurdo.

Essa espontaneidade artística, contrária aos padrões estéticos acadêmicos, é ilustrada na famosa “receita dadaísta”, de Tristan Tzara:

Pegue um jornal.

Pegue a tesoura.

Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema.

Recorte o artigo.

Recorte em seguida, com atenção, algumas palavras que formam esse artigo e meta-as num saco.

Agite suavemente.

Tire em seguida cada pedaço um após o outro.

Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco.

O poema se parecerá com você.

E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público.

O dadaísmo também é associado a duas técnicas artísticas:

  •  Colagem: técnica em que pedaços de diferentes tipos de materiais, como papel, tecido etc., são colados um ao lado do outro ou sobrepostos, de forma a criar uma imagem composta por essas combinações.
  •  Ready-made: deslocamento de um objeto de seu contexto para outro, de forma a gerar estranhamento. Um exemplo é a obra de arte Fonte, de Marcel Duchamp (1887-1968), em que um mictório é deslocado de seu contexto original para ser exposto em uma galeria de arte.
“Fonte” (1917), obra de Marcel Duchamp.

Principais artistas do dadaísmo

  • Hugo Ball

O escritor alemão Hugo Ball nasceu em 22 de fevereiro de 1886 e morreu em 19 de setembro de 1927. Com 24 anos, estudou na Max Reinhardt School of Dramatic Art.

Quando começou a Primeira Guerra Mundial, ele e sua esposa foram viver na Suíça, onde trabalhou como pianista. Eles criaram o Cabaret Voltaire, em 1916, um clube noturno onde se reuniam vários artistas. Ali, o movimento dadaísta surgiu. Ball foi autor do primeiro manifesto dadaísta.

  • Hans Arp

O escultor, pintor e poeta alemão Hans Arp (Jean Arp, ao obter a naturalidade francesa, em 1926) nasceu em 16 de setembro de 1886 e morreu em 7 de junho de 1966.

Estudou na Escola de Artes e Ofícios de Estrasburgo, na Academia de Artes Weimar e na Académie Julian, em Paris. Trabalhava com materiais não convencionais e usava técnicas de colagem, em franca rejeição à tradição acadêmica.

  • Tristan Tzara

O poeta romeno Tristan Tzara (Samuel Rosenstock) nasceu em 16 de abril de 1896 e morreu em 25 de dezembro de 1963. Foi um dos principais nomes do dadaísmo e um dos grandes defensores do movimento.

Seus primeiros textos poéticos receberam influência de escritores simbolistas franceses. Depois passou a escrever poesia dadaísta. Após o fim do movimento, Tzara aderiu ao surrealismo. No entanto, ao filiar-se ao partido comunista francês, sua poesia assumiu um teor mais político.

Retrato de Tristan Tzara, pintado por Robert Delaunay (1885-1941).
  • Francis Picabia

O pintor francês Francis Picabia nasceu em 22 de janeiro de 1879 e morreu em 30 de novembro de 1953. O artista formou-se na Escola de Belas Artes, em Paris.

Conhecido pela sua ironia, buscava escandalizar o público. Em 1909, aderiu ao cubismo, depois fez obras com traços futuristas, e, após, filiou-se ao dadaísmo em 1918, mas rompeu com o movimento na década de 1920, dedicando-se ao surrealismo. Até que, no final de sua vida, retomou a pintura abstrata.

  • André Breton

O escritor francês André Breton nasceu em 19 de fevereiro de 1896 e morreu em 28 de setembro de 1966.

Estudou medicina, e seu interesse pela psiquiatria foi responsável pelo seu contato com o dadaísmo e com o surrealismo (movimento do qual se tornou o principal líder). É autor do Manifesto surrealista (1924).

  • Max Ernst

O pintor alemão Max Ernst nasceu em 2 de abril de 1891 e morreu em 1 de abril de 1976. Estudou filosofia na Universidade de Bonn.

Envolveu-se brevemente com o cubismo, mas, em seguida, aderiu ao dadaísmo. Em 1922, conheceu André Breton e acabou filiando-se ao surrealismo, mas rompeu com esse movimento em 1954.

  • Hannah Höch

A artista alemã Hannah Höch nasceu em 1 de novembro de 1889 e morreu em 31 de maio de 1978. Autora de colagens e fotomontagens bastante políticas, criticava a cultura popular e o papel da mulher na sociedade de sua época. Associou-se ao dadaísmo em 1917. Seu trabalho explorava questões de gênero e identidade.

  • Marcel Duchamp

O pintor e escultor francês Marcel Duchamp nasceu em 28 de julho de 1887 e morreu em 2 de outubro de 1968. Estudou na Académie Julian, e seus primeiros trabalhos de pintura sofreram influência do fauvismo|1| e do pintor francês Henri Matisse (1869-1954).

Em seguida, aderiu ao cubismo. A partir de 1913, criou seus primeiros ready-mades, como a obra Roda de bicicleta. Sua obra da fase dadaísta mais famosa é a Fonte, assinada com o pseudônimo de R. Mutt, mostrada na exposição da Society of Independent Artists, em Nova Iorque, no ano de 1917.

Marcel Duchamp, em 1927.
  • Raoul Hausmann

O artista plástico e escritor austríaco Raoul Hausmann nasceu em 12 de julho de 1886 e morreu em 1 de fevereiro de 1971. Inicialmente vinculado à estética expressionista, foi um nome importante do dadaísmo. Produziu fotomontagens (caracterizadas por forte sátira política), colagens fotográficas e “poesia sonora”.

Acesse também: Primeira fase do modernismo: período de muita influência das vanguardas

Dadaísmo na literatura

Os principais nomes da literatura dadaísta são Hugo Ball, autor dos chamados “poemas sonoros” ou “poemas fonéticos” (sem palavras), e Tristan Tzara, cuja poesia traz sílabas sem sentido, elipses e imagens obscuras.

Além deles, Raoul Hausmann destaca-se com o chamado “poema-pôster” ou “poema-cartaz”, como sua obra OFFEAH, “poema optofonético”, de 1918, que é um cartaz onde está impresso: “OFFEAHBDCBDQ,,qjyE!”. Antes das vírgulas (ou aspas), há o desenho de certa mão com indicador apontado para baixo.

No trecho do poema Gadji beri bimba, de Hugo Ball, é possível perceber a ausência de sentido, com o foco no som das palavras (ou não palavras):

gadji beri bimba glandridi laula lonni cadori
gadjama gramma berida bimbala glandri galassassa laulitalomini
gadji beri bin blassa glassala laula lonni cadorsu sassala bim
gadjama tuffm i zimzalla binban gligla wowolimai bin beri ban
o katalominai rhinozerossola hopsamen laulitalomini hoooo
gadjama rhinozerossola hopsamen
bluku terullala blaulala loooo

Já no trecho do poema de Tristan Tzara, O gigante branco leproso da paisagem2, é possível perceber a falta de sentido provocada pelas lacunas e pela obscuridade do texto:

[…] em seus pulmões as asterídeas e os percevejos se balançam
os micróbios se cristalizam em palmeiras de músculos balanços bomdia sem cigarro tzantzantza ganga
bouzdouc zdouc ñfunfa mbaah mbaah ñfunfa
macrocystis pyrifera abraçar os barcos cirurgião dos barcos cicatriz úmida própria
preguiça das luzes brilhantes
os barcos ñfunfa ñfunfa ñfunfa
eu ele forço as velas nas orelhas trupànfah helicon e boxeador na varanda o violino do hotel em baobás de chamas e chamas se desenvolvem em formação de esponjas.

No Brasil, não houve propriamente uma literatura dadaísta. O modernismo brasileiro sofreu influência dos movimentos de vanguarda europeus, o que significa que marcas vanguardistas podem ser apontadas nas obras produzidas por seus artistas. Além disso, podemos ver, no concretismo brasileiro, a influência do dadaísmo, principalmente no caráter “verbivocovisual” (palavra, som, imagem) concretista, que apresenta semelhança com a “poesia sonora” ou “fonética” dadaísta. Isso pode ser verificado no poema Cidade (1963), de Augusto de Campos, que busca representar o caos da vida urbana:

atrocaducapacaustiduplielastifeliferofugahistoriloqualubrimendimultipliorganiperiodiplastipublirapareciprorustisagasimplitenaveloveveravivaunivoracidade

Notas

[1] O fauvismo foi um movimento (ou tendência) artístico, liderado por Henri Matisse (1869-1954), que explorou as possibilidades na utilização da cor.

[2] Tradução de Sergio Maciel.

Publicado por Warley Souza
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