Marco temporal
O marco temporal é uma tese jurídica que defende uma alteração na política de demarcação de terras indígenas no Brasil. Segundo essa tese, só poderia reivindicar direito sobre uma terra o povo indígena que já estivesse ocupando-a no momento da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
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Resumo sobre marco temporal
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É uma tese jurídica que propõe uma alteração na política de demarcação de terras indígenas no Brasil.
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Somente as terras já ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de 1988 é que podem ser reivindicadas por eles.
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Entende-se que a tese traria insegurança jurídica ao Brasil e retornaria os conflitos em terras já pacificadas.
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Essa tese ganhou força por causa de uma disputa do governo de Santa Catarina com os xokleng por uma terra que faz parte da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ.
O que é o marco temporal?
O marco temporal é uma tese jurídica que propõe uma alteração radical na política de demarcação de terras indígenas (TI) no Brasil. O debate que o envolve existe há mais de 10 anos, mas ganhou força nos últimos tempos. Essa tese defende que os povos indígenas só possuem direito de reivindicar determinado território caso eles já o ocupassem em 5 de outubro de 1988, dia em que a Constituição Federal foi promulgada.
Assim, se determinado povo indígena não estivesse na terra que ele disputa na data mencionada, seria necessário uma comprovação na Justiça de que havia uma disputa judicial em curso ou um conflito acontecendo no momento de promulgação da Constituição. Entende-se que o marco temporal é parte de uma estratégia de ruralistas e agricultores para barrar o avanço das demarcações de TI no Brasil.
O caso ganhou grande repercussão no Brasil porque passou a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a instância máxima do Judiciário em nosso país. A última sessão, que aconteceu em setembro de 2021, foi adiada e não existe previsão para quando essa tese será julgada novamente. Além disso, a repercussão se deveu à grande reação dos indígenas brasileiros, que mobilizaram milhares de pessoas para acamparem em Brasília em protesto.
Apesar de a prática não ter sido oficializada ainda, os especialistas consideram que o marco temporal já tem sido utilizado como política para a demarcação de TI desde o governo de Michel Temer, iniciado em 2016. Atualmente, considera-se que a demarcação de TI no Brasil está estagnada, estimando-se que centenas de demarcações estão paradas na Justiça.
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De onde vem a disputa pelo marco temporal?
Essa questão que envolve o marco temporal se acirrou a partir de 2017, quando a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu um parecer estabelecendo uma série de restrições à demarcação de terras indígenas e definindo o marco temporal como critério para decidir eventuais disputas por terras. Essa tese tem sido usada desde então para barrar as propostas por novas TI.
No entanto, o marco temporal foi utilizado pela primeira vez em um julgamento do STF em 2009. Nessa ocasião, o STF usou o marco para determinar a criação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima. Importante mencionar que o tribunal definiu na época que a tese só tinha validade para esse caso.
Entretanto, ruralistas e agricultores têm explorado a tese para impedir que novas demarcações sejam realizadas. Essa estratégia acabou sendo usada pelo governo de Santa Catarina para questionar a ocupação de uma terra pelos xokleng, povo indígena tradicional daquela região. O caso dos xokleng, inclusive, é o que levou o debate do marco temporal para o nível nacional.
Em 2003, foi criada a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, mas uma parte dela ocupada pelos xokleng está sendo requerida pelo governo de Santa Catarina, além de ocupada por agricultores que plantam fumo.
Isso porque o governo de Santa Catarina afirma que uma terra de cerca de 80 mil metros quadrados ocupada pelos xokleng não o era no momento que a Constituição Federal foi promulgada, em 1988. Os xokleng, por sua vez, argumentam que a terra estava desocupada na ocasião porque historicamente eles haviam sofrido perseguição para darem espaço para que colonos europeus se estabelecessem no interior do estado.
Os xokleng foram vítimas, ao longo de grande parte do século XX, de milícias armadas pelo próprio Estado para expulsá-los de terras que seriam vendidas para agricultores e imigrantes. Essas milícias cometiam assassinatos como forma de aterrorizar os xokleng e expulsá-los de seu território.
A disputa entre os xokleng e o governo de Santa Catarina se tornou tão importante porque foi decidido por Alexandre de Moraes, um dos ministros do STF, que esse caso servirá de modelo para todas as futuras ações do tipo. Assim, se a tese do marco temporal for aplicada aos xokleng, ela poderá ser aplicada para qualquer outro povo indígena.
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Quais as consequências do marco temporal?
O julgamento do marco fez com que o assunto ficasse em evidência, e isso levou especialistas a debaterem sobre suas possíveis consequências caso seja aprovado. Fala-se da dificuldade de demarcação de novas terras indígenas com o marco temporal porque essa tese ignora todo o histórico de violência e marginalização que os povos indígenas viveram no Brasil.
Isso se refere ao fato de que, historicamente, os povos indígenas no Brasil foram vítimas de diversas violências e gradativamente expulsos de suas terras, sem que houvesse muitos que pudessem defendê-los. Sendo assim, estipular um marco temporal para legalizar o direito ou não sobre determinada terra ignora todo esse passado de violência e opressão.
Além disso, muitos argumentam que o marco temporal não só dificultará a demarcação de terras indígenas como fomentará o início de novas disputas, inclusive em terras já pacificadas. Isso significa que, com essa tese, terras indígenas poderão ser invadidas e ações poderão ser iniciadas na Justiça com o intuito de expulsar povos indígenas de determinados locais.
Outro ponto importante é que a demarcação de terras indígenas tem sido considerada importante para garantir a preservação ambiental, pois o avanço indiscriminado de agricultores tem contribuído para desmatamento, desequilíbrio nos regimes de chuva, aumento na temperatura etc. Importante mencionar também que muitos consideram a tese do marco inconstitucional porque a Constituição Federal garante o direito dos indígenas de terem suas terras demarcadas.
Do lado dos ruralistas, eles afirmam que o marco temporal é necessário para garantir maior segurança jurídica sobre a questão da demarcação de terras e sobretudo para impedir que agricultores as percam.
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