Elementos da narrativa

Os elementos da narrativa são narrador, personagem, enredo, tempo e espaço.
A narrativa apresenta narrador, personagens, enredo, tempo e espaço.

Os elementos da narrativa são narrador, personagem, enredo, tempo e espaço. O narrador pode ser observador, onisciente ou personagem. O enredo é a história ou trama que se passa em determinado momento e lugar. Uma das narrativas mais famosas da literatura brasileira é o romance Dom Casmurro, de Machado de Assis.

Leia também: Quais são as principais características dos textos narrativos?

Videoaula sobre os elementos das narrativas

Quais são os elementos da narrativa?

Uma narrativa apresenta cinco elementos. São eles:

  • narrador;

  • personagem;

  • enredo;

  • tempo;

  • espaço.

A seguir, vamos apontar cada um desses elementos no trecho da narrativa “Caso de divórcio”, do livro Ed Mort: todas as histórias, de Luis Fernando Verissimo:

O divórcio é necessário. Todos conhecem dezenas de casos que convenceriam até um arcebispo. Eu mesmo conheço meia dúzia. Vou contar uns três ou quatro.

O nome dele é Morgadinho. Baixo, retaco, careca precoce. Você conhece o tipo. No carnaval se fantasia de legionário romano e no futebol de praia dá pau que não é fácil. Frequenta o clube e foi lá que conheceu sua mulher, mais alta do que ele, morena, linda, as unhas do pé pintadas de roxo. Na noite de núpcias, ele lhe declarou.

― Se você algum dia me enganar, eu te esgoelo.

― Ora, Morgadinho...

Ela se chama Fátima Araci. Ou é Mara Sirlei? Não, Fátima Araci. Não é que ela não goste do Morgadinho, é que nunca prestou muita atenção no marido. Na cerimônia do casamento já dava para notar. O olhar dela passava dois centímetros acima da careca do Morgadinho. Ela estava maravilhada com o próprio casamento e o Morgadinho era um simples acessório daquele dia inesquecível. Como um castiçal ou um coroinha. No álbum de fotografias do casamento que ela guardou junto com a grinalda, há esta constatação terrível: o Morgadinho não aparece. Aparece o coroinha mas não aparece o Morgadinho.

Um ou dois meses depois do casamento, o Morgadinho sugeriu que ela lhe desse um apelido. Um nome secreto, carinhoso, para ser usado na intimidade, algo que os unisse ainda mais, sei lá. Ela prometeu que ia pensar no assunto. O Morgadinho insistiu.|1|

Existem três tipos de narrador:

  • Narrador observador: narra apenas o que observa.

  • Narrador onisciente: vai além da observação, já que sabe de tudo e conhece até o futuro dos personagens.

  • Narrador personagem: participa da história narrada.

Na narrativa em questão, há uma mistura de narrador personagem com narrador onisciente. Quando o narrador diz “Eu mesmo conheço meia dúzia”, ele se mostra na história. No entanto, na sequência, ele narra de forma onisciente sobre o casal Morgadinho e Fátima Araci, os personagens centrais. E até ironiza a própria onisciência ao mostrar dúvida sobre o nome da personagem Fátima.

Além dos elementos narrador e personagem, temos também o enredo, a história que está sendo contada. No caso, o narrador conta a história do casamento e possível divórcio dos personagens. Por fim, no trecho citado, temos um tempo cronológico, pois apresenta uma sequência de fatos de forma cronológica. Quanto ao espaço, o narrador menciona um clube onde o casal se conheceu e, indiretamente, a igreja onde ocorreu o casamento.

Veja também: O que é foco narrativo?

Exemplos de narrativa

Capa do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis, uma das mais famosas narrativas da literatura brasileira, publicada pela editora Moderna.[1]

A literatura brasileira possui grandes narrativas, como os livros:

  • Iracema, de José de Alencar

  • Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida

  • Inocência, de Visconde de Taunay

  • Dom Casmurro, de Machado de Assis

  • Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto

  • Macunaíma, de Mário de Andrade

  • O tempo e o vento, de Erico Verissimo

  • A hora da estrela, de Clarice Lispector

  • Grande sertão: veredas, de Graciliano Ramos

A seguir, vamos ler um trecho de uma das mais famosas narrativas brasileiras, o romance Dom Casmurro:

Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei num trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.

— Continue, disse eu acordando.

— Já acabei, murmurou ele.

— São muito bonitos.

Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado. No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados, deram curso à alcunha, que afinal pegou. Nem por isso me zanguei. Contei a anedota aos amigos da cidade, e eles, por graça, chamam-me assim, alguns em bilhetes: “Dom Casmurro, domingo vou jantar com você.” — “Vou para Petrópolis, Dom Casmurro; a casa é a mesma da Renania; vê se deixas essa caverna do Engenho Novo, e vai lá passar uns quinze dias comigo.” — “Meu caro Dom Casmurro, não cuide que o dispenso do teatro amanhã; venha e dormirá aqui na cidade; dou-lhe camarote, dou-lhe chá, dou-lhe cama; só não lhe dou moça.”. |2|

Além de romances, também são narrativas os contos, as novelas e algumas crônicas. Elas podem tratar de diversas temáticas. Assim, há narrativas de amor, de terror, de suspense etc. E podem apresentar elementos realistas ou fantásticos.

Exercícios resolvidos sobre elementos da narrativa

Questão 1

(Enem)

Miguilim

De repente lá vinha um homem a cavalo. Eram dois. Um senhor de fora, o claro de roupa. Miguilim saudou, pedindo a bênção. O homem trouxe o cavalo cá bem junto. Ele era de óculos, corado, alto, com um chapéu diferente, mesmo.

— Deus te abençoe, pequenino. Como é teu nome?

— Miguilim. Eu sou irmão do Dito.

— E o seu irmão Dito é o dono daqui?

— Não, meu senhor. O Ditinho está em glória.

O homem esbarrava o avanço do cavalo, que era zelado, manteúdo, formoso como nenhum outro. Redizia:

— Ah, não sabia, não. Deus o tenha em sua guarda... Mas que é que há, Miguilim?

Miguilim queria ver se o homem estava mesmo sorrindo para ele, por isso é que o encarava.

— Por que você aperta os olhos assim? Você não é limpo de vista? Vamos até lá. Quem é que está em tua casa?

— É Mãe, e os meninos...

Estava Mãe, estava tio Terez, estavam todos. O senhor alto e claro se apeou. O outro, que vinha com ele, era um camarada.

O senhor perguntava à Mãe muitas coisas do Miguilim. Depois perguntava a ele mesmo:

— Miguilim, espia daí: quantos dedos da minha mão você está enxergando? E agora?

ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim. 9. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

Esta história, com narrador observador em terceira pessoa, apresenta os acontecimentos da perspectiva de Miguilim. O fato de o ponto de vista do narrador ter Miguilim como referência, inclusive espacial, fica explicitado em:

A) “O homem trouxe o cavalo cá bem junto.”

B) “Ele era de óculos, corado, alto [...].”

C) “O homem esbarrava o avanço do cavalo, [...].”

D) “Miguilim queria ver se o homem estava mesmo sorrindo para ele, [...].”

E) “Estava Mãe, estava tio Terez, estavam todos.”

Resolução:

Alternativa A

Em “O homem trouxe o cavalo cá bem junto”, o advérbio de lugar “cá” mostra que o narrador tem o personagem Miguilim como referência. Afinal, tal advérbio indica a perspectiva espacial de Miguilim.

Questão 2

(Enem)

As doze cores do vermelho

Você volta para casa depois de ter ido jantar com sua amiga dos olhos verdes. Verdes. Às vezes quando você sai do escritório você quer se distrair um pouco. Você não suporta mais tem seu trabalho de desenhista. Cópias plantas réguas milímetros nanquim compasso 360º de cercado cerco. Antes de dormir você quer estudar para a prova de história da arte mas sua menina menor tem febre e chama você. A mão dela na sua mão é um peixe sem sol em irradiações noturnas. Quentes ondas. Seu marido se aproxima os pés calçados de meias nos chinelos folgados. Ele olha as horas nos dois relógios de pulso. Ele acusa você de ter ficado fora de casa o dia todo até tarde da noite enquanto a menina ardia em febre. Ponto e ponta. Dor perfume crescente...

CUNHA, H. P. As doze cores do vermelho. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2009.

A literatura brasileira contemporânea tem abordado, sob diferentes perspectivas, questões relacionadas ao universo feminino. No fragmento, entre os recursos expressivos utilizados na construção da narrativa, destaca-se a

A) repetição de “você”, que se refere ao interlocutor da personagem.

B) ausência de vírgulas, que marca o discurso irritado da personagem.

C) descrição minuciosa do espaço do trabalho, que se opõe ao da casa.

D) autoironia, que ameniza o sentimento de opressão da personagem.

E) ausência de metáforas, que é responsável pela objetividade do texto.

Resolução:

Alternativa B

O trecho da narrativa em questão não traz vírgulas, o que sugere a irritação da personagem, já que, em várias ocasiões, ela não utiliza pausas, o que mostra a ausência de calma ou de controle emocional.

Questão 3

(Enem)

Texto I

Logo depois transferiram para o trapiche o depósito dos objetos que o trabalho do dia lhes proporcionava. Estranhas coisas entraram então para o trapiche. Não mais estranhas, porém, que aqueles meninos, moleques de todas as cores e de idades as mais variadas, desde os nove aos dezesseis anos, que à noite se estendiam pelo assoalho e por debaixo da ponte e dormiam, indiferentes ao vento que circundava o casarão uivando, indiferentes à chuva que muitas vezes os lavava, mas com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos presos às canções que vinham das embarcações...

AMADO, J. Capitães da areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 (fragmento).

Texto II

À margem esquerda do rio Belém, nos fundos do mercado de peixe, ergue-se o velho ingazeiro — ali os bêbados são felizes. Curitiba os considera animais sagrados, provê as suas necessidades de cachaça e pirão. No trivial contentavam-se com as sobras do mercado.

TREVISAN, D. 35 noites de paixão: contos escolhidos. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009 (fragmento).

Sob diferentes perspectivas, os fragmentos citados são exemplos de uma abordagem literária recorrente na literatura brasileira do século XX. Em ambos os textos,

A) a linguagem afetiva aproxima os narradores dos personagens marginalizados.

B) a ironia marca o distanciamento dos narradores em relação aos personagens.

C) o detalhamento do cotidiano dos personagens revela a sua origem social.

D) o espaço onde vivem os personagens é uma das marcas de sua exclusão.

E) a crítica à indiferença da sociedade pelos marginalizados é direta.

Resolução:

Alternativa D

No primeiro texto, os personagens vivem em um espaço inseguro, sem proteção nem mesmo contra as intempéries. Já no segundo texto, os bêbados recebem as sobras do mercado, já que ficam nos fundos do mercado de peixe. Assim, o espaço onde vivem os personagens, em ambas as narrativas, revela a sua exclusão.

Notas

|1|VERISSIMO, Luis Fernando. Ed Mort: todas as histórias. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

|2|MACHADO DE ASSIS. Dom Casmurro. 2. ed. Brasília: Edições Câmara, 2019.

Crédito de imagem

[1]Editora Moderna (reprodução)

Fontes

ABAURRE, Maria Luiza M.; PONTARA, Marcela. Literatura: tempos, leitores e leituras. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2015.

GOULART, Audemaro Taranto; SILVA, Oscar Vieira da. Introdução ao estudo da literatura. Belo Horizonte: Lê, 1994.

MACHADO DE ASSIS. Dom Casmurro. 2. ed. Brasília: Edições Câmara, 2019.

VERISSIMO, Luis Fernando. Ed Mort: todas as histórias. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011. 

Publicado por Warley Souza
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