A concepção de História de Santo Agostinho
Santo Agostinho (354 d.C. a 430 d.C.), que foi bispo na cidade africana de Hipona (na atual Argélia), foi também um dos maiores filósofos e teólogos de todos os tempos. Sua filosofia possuía forte influência da tradição platônica difundida por filósofos como Plotino. No âmbito teológico, acirrou o combate às heresias que tratavam de questões relativas ao mal e ao pecado original, bem como à Trindade Santa. No pensamento desse filósofo há uma concepção de História que foi erigida a partir dos dogmas cristãos, como a encarnação, morte e ressurreição de Cristo.
Em sua obra Confissões, há um esforço de compreensão sobre a condição do homem enquanto ser que partilha da eternidade, posto que é dotado de uma alma imortal, e da temporalidade, já que seu corpo é material, corruptível e suscetível à morte. Em outra obra, a mais importante do filósofo, A Cidade de Deus (dividida em três volumes), Santo Agostinho procura ampliar suas reflexões sobre o tempo e a eternidade e dedica-se a pensar a própria dinâmica da história humana à luz da encarnação do Verbo Divino – nome dado à pessoa de Cristo, segundo a teologia trinitária.
Um dos elementos mais característicos da concepção de História agostiniana é a questão da interpretação tipológica ou figurativa, isto é: as histórias do Antigo Testamento (da tradição judaica) contêm, segundo essa interpretação, figuras (ou tipos) dos fatos que serão realizados no Novo Testamento. Por exemplo: o sacrifício de Isaque (ou, melhor dizendo, o quase sacrifício de Isaque) por seu pai, Abraão, narrado no livro do Gênesis, seria a figura antecipadora do sacrifício de Deus, haja vista que, nesse episódio, Deus enviou um cordeiro para substituir Isaque, assim como enviaria seu filho, Jesus Cristo – tido como o cordeiro de Deus – para ser sacrificado.
Em obras como A cidade de Deus, Agostinho desenvolveu um grande esquema interpretativo sobre a dinâmica da História
Os textos proféticos, as parábolas proferidas por Jesus e, sobretudo, o Apocalipse de João apresentam uma gama dessas figuras que poderiam, se interpretadas corretamente, revelar ao homem a dinâmica da História segundo os desígnios divinos. Como Cristo, tido como uma das pessoas divinas para Agostinho, encarnou na história – feito Homem –, toda a história, teológica e filosoficamente falando, estaria subordinada à sua figura. Um trecho de outra obra sua deixou patente essa concepção:
“Com efeito, o Verbo não só apareceu visivelmente – pois isso poderia ter feito tomando algum corpo etéreo, ajustado e proporcionado à nossa vista. Apareceu entre os homens, como verdadeiro homem. Convinha que assumisse a mesma natureza a ser redimida. E para que nenhum sexo julgasse ser preterido pelo Criador, humanizou-se.” (A verdadeira Religião, II, 16, 30).
Percebe-se, portanto, que a encarnação de Cristo, o Verbo Divino, para a remissão dos pecados e redenção dos homens era, para Agostinho, uma evidência dos propósitos divinos, que orientariam toda a dinâmica da história. Boa parte da tradição filosófica medieval debruçou-se sobre essa concepção. Muitas visões sobre a “dinâmica da História” ou os propósitos da presença humana na Terra, entre outras, derivam dessa concepção cristã – ainda que em forma secularizada – sistematizada por Santo Agostinho.