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Alta Idade Média

Alta Idade Média é o período inicial da Idade Média ocorrido entre os séculos V e X. O que deu início a ela foi a desagregação do Império Romano do Ocidente, evento que aconteceu oficialmente em 476, quando o último rei romano foi destituído.

A Alta Idade Média promoveu grandes transformações na Europa Ocidental devido à desagregação do Império Romano e ao estabelecimento dos povos germânicos. Isso deu origem a novas formas de organização social, política e econômica. O período da Alta Idade Média vincula-se à formação do feudalismo.

A periodização histórica é uma criação de historiadores modernos, que determinaram a divisão da Idade Média em Alta Idade Média e Baixa Idade Média (séculos XI-XV).

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Como se iniciou a Idade Média?

Importante considerarmos que o marco utilizado pelos historiadores para determinar o início da Idade Média — a destituição de Rômulo Augusto do trono romano, em 476 — não é algo engessado. Sendo assim, esse evento é apenas utilizado pelos historiadores como um ponto de partida para certas mudanças estruturais na Europa.

Essas mudanças estão ligadas ao fim do Império Romano na Europa Ocidental e ao estabelecimento dos germânicos nesse território. Para entendermos isso, precisamos retornar alguns séculos na história romana. A partir do século III, iniciou-se o que ficou conhecido como “crise do século III”, acontecimento que deu início à queda de Roma.

O declínio romano não é um acontecimento motivado por apenas uma razão, mas sim por uma série de fatores. Havia, em Roma, crise política, crise econômica, crise social e guerra. Todos esses fatores enfraqueceram o império de tal maneira que ele foi deixando de existir a partir do século V.

A Alta Idade Média iniciou-se com a decadência do mundo romano.
A Alta Idade Média iniciou-se com a decadência do mundo romano.

Do século II em diante, Roma não realizou mais guerras de conquista, o que impactou diretamente as estruturas econômicas do império. Isso aconteceu porque a economia romana necessitava de escravos para funcionar plenamente e, sem as guerras, Roma não os obtinha. Isso gerou queda na população de escravos e na produtividade, e afetou a economia romana.

A economia também foi prejudicada pela política, uma vez que a corrupção e a intensa disputa pelo poder que existia no império prejudicavam sua estabilidade. Durante um período de 50 anos, no século III, Roma teve 18 imperadores, a maioria deles assassinada para que outros pudessem assumir o poder.

O enfraquecimento econômico resultou em enfraquecimento militar, e o golpe de misericórdia sobre os romanos foi dado pelos germânicos, povos que habitavam além das fronteiras romanas, no norte da Europa. Desde muitos séculos, os germânicos tentavam integrar-se a Roma, lutando contra os romanos pelo direito de conseguir adentrar nas terras deles.

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Essa luta travada entre ambos fez com que muitos germânicos recebessem o direito de instalar-se nas terras fronteiriças de Roma e de adentrar-se nos exércitos de fronteira. Do século IV em diante, as invasões germânicas tornaram-se mais drásticas e contribuíram diretamente para o fim do Império Romano.

Tratava-se dezenas de povos que migravam à procura de novas terras para garantir sua sobrevivência, e, ao longo dos séculos IV e V, eles devastaram o território romano. As invasões germânicas não foram acontecimentos pequenos e isolados, eram movimentações de população gigantescas que traziam guerra e destruição. O historiador Hilário Franco Júnior aponta que cada povo germânico em migração tinha cerca de 50 mil a 80 mil pessoas|1|.

Em 453, o papa Leão I subornou Átila, o líder dos hunos, para que eles não atacassem Roma.
Em 453, o papa Leão I subornou Átila, o líder dos hunos, para que eles não atacassem Roma.

Os ataques, inclusive, chegaram a Roma, capital do Império Romano do Ocidente. Em 410, o rei visigodo Alarico liderou o saque dela; em 453, o papa Leão I subornou os hunos, liderados por Átila, para que eles não a atacassem; em 455, foi a vez dos vândalos, liderados por Genserico, saquearem-na.

Com o poder enfraquecido perante o esfacelamento do território romano, o último imperador de Roma foi deposto em 476. Com isso, chegou-se ao fim do Império Romano do Ocidente.

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Características da Alta Idade Média

Em relação ao mundo romano, o mundo construído pelos germânicos na Alta Idade Média era consideravelmente distinto, embora existisse grande influência da cultura latina. Esse período inicial da Idade Média pode ser considerado como o momento da acomodação de novos costumes surgidos da mistura de germânicos e romanos.

Entre as características da Idade Média, podemos destacar:

  • Ruralização

Após a desgregação do Império Romano, a Europa Ocidental ruralizou-se, e esse é um dado comprovado pelos historiadores. Isso foi uma consequência direta da devastação causada pela crise romana e pelas invasões germânicas. Os povos invasores tinham como grande alvo as cidades romanas, pela quantidade de bens que poderiam ser saqueados.

Além disso, com a crise econômica romana e a devastação causada pelos germânicos, a produção agrícola do império caiu drasticamente e o comércio enfraqueceu-se. Com a produção e o comércio em queda, as grandes cidades ficaram desabastecidas. Num cenário de morte e fome, as cidades logo se tornaram locais de proliferação de doenças.

Esse cenário forçou milhares de pessoas a buscarem refúgio no campo, longe das cidades. Elas passaram a abrigar-se em pequenas vilas ou ao redor de grandes propriedades de terra para obter alguma proteção em comida. Os donos das grandes propriedades converteram-se em chefes militares, para garantir a segurança de seus bens, e passaram a explorar aqueles que procuravam trabalho em suas terras. Desenvolveu-se nesse processo a servidão medieval.

  • Redução populacional

A Alta Idade Média ficou marcada pela redução populacional. Os fatores diretos dessa redução foram as guerras, a fome e as doenças que foram trazidas durante as invasões germânicas. Hilário Franco Júnior aponta que, no ano 200, a população na Europa Ocidental era de 24,1 milhões de pessoas, enquanto que, no ano 600, era de 16,3 milhões|2|. Só a partir do século VIII a população europeia começou a recuperar-se.

  • Trabalho e sociedade

Durante a Alta Idade Média, a Europa ruralizou-se e presenciou a formação dos feudos.
Durante a Alta Idade Média, a Europa ruralizou-se e presenciou a formação dos feudos.

Como mencionado, durante a Alta Idade Média, consolidou-se a servidão. O camponês ficava preso à terra em que ele estava durante toda a sua vida. Essa terra não pertencia a ele, mas a um nobre que lhe fornecia o direito de instalar-se nela e tirar a sua subsistência do cultivo. O camponês deveria pagar vários tributos pelo direito de cultivar a terra e por utilizar as instalações do seu senhor.

Esse processo de consolidação do trabalho servil aliado à ruralização e ao progressivo isolamento dessas propriedades fez com que o feudalismo fosse estruturado. No entanto, a formatação clássica do feudalismo só entrou em vigor a partir do século XI, portanto, na Baixa Idade Média.

O trabalho dos camponeses era marcado pela baixa produtividade, pois era manual e as técnicas de produção eram arcaicas. Isso afetava diretamente a vida do camponês, uma vez que grande parte da sua pequena produção era revertida em imposto para os donos das terras. Esse quadro reforçava a penúria dos trabalhadores na Alta Idade Média.

Só para termos uma ideia dessa baixa produtividade, vale considerar uma estatística trazida pelo historiador Robert Darnton. Ele aponta que, na França, durante a Idade Moderna (séculos XV ao XVIII), cada semente fornecia cinco grãos de trigo, um retorno muito baixo. Podemos considerar que na Alta Idade Média (séculos antes da Idade Moderna) a produtividade era igual ou até mesmo menor que isso. Para fins de comparação, Darnton aponta que, no século XX, cada semente fornecia até trinta grãos, uma diferença abissal|3|.

Nesse período começou a estabelecer-se uma sociedade estamental, isto é, dividida em classes e com pouca mobilidade social. Os grupos eram a nobreza, a elite detentora do poder político, militar e econômico; o clero, formado por representantes da Igreja Católica, também detentor de poder político e econômico; e os camponeses, grupo mais explorado que tirava seu sustento por meio de seu trabalho e era obrigado a pagar pesados impostos aos outros dois grupos.

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  • Economia

A economia, como já podemos perceber, era dependente do trabalho agrícola, do qual quase toda a riqueza no período era produzida, por meio do trabalho dos camponeses. A produção artesanal era baixa, e isso era fruto da redução populacional, pois não havia mão de obra qualificada para a atividade, além de haver pouca matéria-prima disponível e poucos consumidores.

O artesanato começou a ganhar força, a partir do século VIII, à medida que a população europeia crescia. No caso do comércio, é importante esclarecer que o comércio mediterrâneo, por influência dos bizantinos, continuou existindo. No entanto, na Europa Ocidental, essa atividade enfraqueceu-se por conta da organização econômica baseada em um relativo isolamento.

Não era frequente que existissem excedentes que fossem comercializados, mas quando eles existiam eram comercializados com feudos vizinhos ou eram levados para pequenas feiras que se desenvolviam.

A pouca presença dessa atividade na Europa Central, durante a Alta Idade Média, contribuiu para que circulação da moeda começasse a diminuir. Isso porque o comércio que ainda existia nesse período baseava-se na troca de mercadorias.

  • Política

Politicamente, a influência da cultura germânica foi muito presente, a começar pela forma como essa população organizava-se. Tratava-se de reinos, liderados por um rei que, geralmente, era o chefe militar.

Essa estrutura de poder era típica dos povos germânicos, e o historiador Jacques Le Goff afirma que ela era detestada pelos romanos. Le Goff também sugere que as leis que surgiram na Europa após o fim do Império Romano eram baseadas em códigos da tradição germânica|4|.

Na Alta Idade Média, estabeleceu-se uma aliança entre o poder secular e o poder eclesiástico. A Igreja Católica consolidou-se como instituição religiosa, e, aos poucos, seu poder econômico permitiu-lhe interferir no poder secular. Assim, muitos dos reinos germânicos que surgiram — o caso mais simbólico é o dos francos — procuraram respaldo e legitimidade para seu poder na Igreja Católica.

Por fim, vale destacar que, na Alta Idade Média, estabeleceu-se uma relação de poder que foi uma das grandes marcas da Idade Média: a vassalagem. Isso aconteceu porque, na Alta Idade Média, o rei era uma figura frágil e que só garantia sua posição de poder com o apoio de outros nobres/chefes militares.

Para isso surgiu essa relação de fidelidade entre rei e nobre, na qual o rei (suserano) demandava a fidelidade de seu nobre (vassalo). Em troca, o suserano fornecia uma terra e os direitos e privilégios de exploração a seu vassalo, que, por sua vez, devia auxiliá-lo na governança e fornecer suas tropas quando necessário.

Notas

|1| JUNIOR, Hilário Franco. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006, p. 20.

|2| Idem, p. 24.

|3| DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1988, p. 41-42.

|4| LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 47-48.

Créditos da imagem

[1] Shutterstoock e Shutterstock

Publicado por Daniel Neves Silva
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