Anglicanismo
O anglicanismo é uma das principais tradições cristãs da atualidade, sendo a principal religião da Inglaterra e muito presente na África, América do Norte e Oceania. Foi Henrique VIII o fundador do anglicanismo quando separou a Igreja da Inglaterra da Igreja Católica durante a Reforma Anglicana. Henrique VIII desejava se separar de Catarina de Aragão e se casar com Ana Bolena, e seu pedido foi recusado pelo papa, fazendo o rei realizar sua própria reforma religiosa. Em 1534 o Parlamento inglês, sob pressão de Henrique VIII, aprovou o Ato de Supremacia, o qual separou oficialmente as duas igrejas e tornou o monarca o líder da nova igreja na Inglaterra.
Quando a Inglaterra se tornou o maior império da história, o anglicanismo foi levado por missionários para as colônias, surgindo diversas províncias anglicanas. Essas províncias ainda hoje possuem autonomia, mas são ligadas à Igreja Anglicana da Inglaterra pelo arcebispo de Canterbury (cidade também chamada de Cantuária), que é um bispo considerado “primeiro entre iguais” (primus inter pares).
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Resumo sobre o anglicanismo
- Anglicanismo é uma das tradições cristãs originadas durante a Reforma Protestante.
- Foi Henrique VIII o fundador do anglicanismo quando separou a Igreja da Inglaterra da Igreja Católica durante a Reforma Anglicana.
- A aprovação do Ato de Supremacia em 1534 pelo Parlamento inglês é considerada o marco fundador da Igreja Anglicana.
- O anglicanismo mescla tradições católicas e reformistas.
- A Bíblia cristã é o livro sagrado do anglicanismo.
- Foi através da expansão do seu império que a Inglaterra levou o anglicanismo para diversos países do mundo.
- O monarca inglês é simbolicamente o líder da Igreja Anglicana da Inglaterra.
- Para o anglicanismo o arcebispo da Cantuária é uma figura que unifica os anglicanos de todo o mundo.
- Cada província do anglicanismo é autônoma, mas todas são unidas por laços históricos, doutrinários e litúrgicos.
- Atualmente Justin Welby é o arcebispo da Cantuária.
- Hoje existem 40 províncias que fazem parte da Comunhão Anglicana.
- Uma vez a cada década os bispos de todas as províncias anglicanas realizam uma assembleia chamada de Conferência de Lambeth. Ela ocorre na Cantuária, no Palácio de Lambeth, por isso recebe esse nome.
- Os primeiros anglicanos chegaram ao Brasil durante o Período Joanino, quando o Brasil e sua economia foram abertos para a Inglaterra, e diversos ingleses passaram a residir em nosso país.
- No século XX foi formada a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, atualmente uma das 40 províncias do anglicanismo.
O que é o anglicanismo?
O anglicanismo é uma tradição cristã que surgiu na Inglaterra no século XVI durante a Reforma Protestante. Atualmente possui cerca de 85 milhões de praticantes em todo o mundo, a maior parte deles no Reino Unido e em países que foram colônias inglesas, como Canadá, Nova Zelândia, Austrália e Uganda. |1|
A aprovação do Ato de Supremacia em 1534 pelo Parlamento inglês é considerada o marco fundador da Igreja Anglicana. O ato reconheceu a autoridade do monarca inglês, na época Henrique VIII, como chefe máximo da igreja da Inglaterra, separando a igreja desse país da Igreja Católica e consequentemente da autoridade papal.
Os anglos foram um povo germânico que povoou a Inglaterra no período posterior à saída dos romanos. Atualmente a palavra “anglo” é utilizada como sinônimo de inglês. O próprio nome “Inglaterra” provém dos anglos, com o nome original próximo de “angloland”, terra dos anglos, que se modificou para England. Por isso a religião criada nesse país é chamada de “Anglicana”.
Contexto histórico da origem do anglicanismo
Durante a Alta Idade Média a Igreja Católica foi a única igreja cristã em toda a Europa, mas no século XI, no início da Baixa Idade Média, houve o Grande Cisma do Oriente, e a Igreja Católica se dividiu em duas: Igreja Católica Apostólica Romana, de tradição latina, e a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa, de tradição grega.
Em 1517, um monge católico chamado Martinho Luthero divulgou suas 95 teses, nas quais fez diversas críticas à Igreja Católica, às suas autoridades e práticas. Entre as principais críticas feitas por Lutero estavam a venda de indulgências, o culto de imagens e o luxo no qual parte da cúpula da Igreja vivia. Excomungado pelo papa, Lutero se refugiou na Alemanha, onde recebeu proteção e apoio da nobreza da região e de parte da burguesia. Ele traduziu a Bíblia para o alemão e fundou a primeira igreja evangélica, a Igreja Luterana.
Após Lutero, diversos outros reformadores surgiram, assim como diversas outras denominações cristãs. Foi nesse contexto da Reforma Protestante que o anglicanismo surgiu.
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Origem do anglicanismo
O anglicanismo teve origem no século XVI na Inglaterra. Henrique VIII se casou com Catarina de Aragão em 1509, pouco depois de ter assumido o trono. Em 1º de janeiro de 1511 nasceu o primeiro filho do casal real, que recebeu o mesmo nome do pai, mas a criança viveu apenas algumas semanas. Em 1516 nasceu Maria, que se tornou posteriormente Maria I da Inglaterra, ela foi a única filha do casal a se tornar adulta.
Henrique VIII teve diversas amantes e seis esposas durante seu reinado. Em 1527 o rei inglês solicitou que seu casamento com Catarina de Aragão fosse anulado e que ele fosse autorizado a se casar com Ana Bolena, jovem da Corte inglesa. O papa Clemente VII recusou inúmeras vezes os pedidos de Henrique VIII, irritando o monarca. O atrito político entre o rei inglês e o papa levaram o rei a decidir pela separação das duas igrejas.
O Ato de Supremacia, aprovado em 1534, selou a separação oficial entre a Igreja Católica e a nova igreja controlada pelo rei, a Igreja Anglicana. A reforma promovida por Henrique VIII centralizou ainda mais o poder em suas mãos. Além disso, sua reforma teve objetivos econômicos, uma vez que a maior parte das propriedades e bens da Igreja Católica na Grã-Bretanha passaram para o seu controle.
Principais características do anglicanismo
A principal característica da Igreja Anglicana é a de mesclar tradições católicas e reformistas. A primeira característica herdada do catolicismo foi sua estrutura episcopal. A Igreja Anglicana mantém uma estrutura hierárquica semelhante à da Igreja Católica, com arcebispos, bispos, padres e diáconos. Existem dois grandes arcebispados na Inglaterra, o de Canterbury e o de York, abaixo deles existem bispados, também chamados de dioceses, e, por fim, as paróquias. O arcebispo de Canterbury é tradicionalmente o mais importante no anglicanismo, sendo considerado o “primeiro entre iguais” (primus inter pares).
Cada país, ou conjunto de países, tem a sua própria igreja, chamada pelos anglicanos de “província”. Cada província possui autonomia, mas possui diversos laços com outras províncias do mundo, todas elas conectadas pelo Arcebispado de Cantuária.
O rei ocupa lugar de destaque na Igreja Anglicana. Desde a reforma realizada por Henrique VIII, o monarca inglês é considerado o líder máximo da igreja, sendo considerado o “defensor da fé e governador supremo da Igreja da Inglaterra”.
O anglicanismo, assim como a maior parte das tradições protestantes, tem sua fé fundamentada exclusivamente na Bíblia. Os anglicanistas também acreditam na salvação através da fé e em dois sacramentos principais, o batismo e a eucaristia.
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Princípios do anglicanismo
- Crença em um Deus: os anglicanos acreditam somente em um Deus, mas esse Deus pode se manifestar através da Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo.
- Pregação do Evangelho: as igrejas anglicanas acreditam que o dever do cristão, e da igreja, é o de pregar o Evangelho para toda a humanidade, não somente para os cristãos.
- Sacramentos: o batismo é para os anglicanos o ritual que insere o fiel na igreja, e a eucaristia, também chamada de sagrada comunhão, é celebrada por todos os fiéis, com a hóstia e o vinho representando o corpo e o sangue de Cristo.
- Obras importantes:
- O livro de preces da Igreja Anglicana, conhecido como Livro de Oração Comum, foi publicado pela primeira vez em 1549, durante o reinado de Eduardo VI, e passou por algumas mudanças com o passar dos séculos. O livro ajuda a organizar a devoção pessoal e coletiva, discorrendo sobre as rezas diárias, o funcionamento da hierarquia da instituição, seus rituais, entre diversos outros temas ligados à liturgia.
- Outro documento importante para os anglicanos são os 39 artigos da religião, chamados popularmente de “39 artigos”. Esses artigos passaram a ser produzidos em 1563, quando existiam 42 artigos. Durante o governo de Maria I os 39 artigos foram extintos e retornaram no governo de sua irmã, Elizabeth I. A versão atual, com 39 artigos, é de 1571. Os 39 artigos foram criados para apontar as principais diferenças entre o anglicanismo e o catolicismo e outras igrejas protestantes. Eles discorrem sobre a Santíssima Trindade, sobre a visão anglicana do inferno, sobre o livre-arbítrio, batismo, eucaristia, purgatório, entre diversos outros temas.
Diferenças entre anglicanismo e catolicismo
A primeira grande diferença entre o anglicanismo e o catolicismo é a autoridade papal. Para os membros da Igreja Católica Apostólica Romana o papa é o líder máximo dos cristãos, já para os anglicanos a sua autoridade não é reconhecida. No anglicanismo não existe uma autoridade máxima, uma vez que existe grande autonomia entre as paróquias, bispados e arcebispados.
Outra diferença está em relação à crença no purgatório. Os católicos acreditam no purgatório, uma espécie de antessala do céu na qual as pessoas falecidas são purificadas de seus pecados, antes de entrarem no céu. Para os anglicanos o purgatório não existe.
Há, ainda, uma diferença em relação aos santos. Na tradição anglicana a Virgem Maria e os santos são reconhecidos, mas acreditam que estes praticam apenas a intercessão, ou seja, os santos e Maria, por viverem próximos de Deus, podem solicitá-lo em favor dos que estão vivos. Os católicos acreditam na intercessão dos santos, mas também acreditam na sua mediação, agindo eles diretamente na vida dos humanos.
Outra diferença existe em relação ao divórcio e aos métodos contraceptivos. No catolicismo o divórcio e os métodos contraceptivos não são aceitos, já na tradição anglicana ambos são permitidos.
Anglicanismo no mundo
Originário na Inglaterra do século XVI, o anglicanismo se difundiu pelo mundo conforme o Império Inglês se expandia, por isso existe um grande número de anglicanos na América do Norte, África e Oceania.
No final do século XVII e durante todo o século XVIII, diversas entidades foram criadas para difundir o anglicanismo nas colônias inglesas, entre elas estavam a Society for Promoting Christian Knowledge, a Society for Propagation of the Gospel in Foreign e a Church Missionary Society. Essas entidades missionárias catequizaram milhões de nativos em todos os continentes, criando núcleos anglicanos e dando autonomia para as lideranças locais, criando diversas igrejas anglicanas autogeridas, conhecidas hoje como províncias.
Atualmente a Comunhão Anglicana é a terceira maior do mundo, ficando atrás apenas da Igreja Católica Apostólica Romana e da Igreja Católica Apostólica Ortodoxa. A Comunhão Anglicana é formada pela comunhão de diversas igrejas anglicanas autônomas de todo o mundo, que estão em comunhão entre si e possuem as mesmas doutrinas e crenças.
O arcebispo da Cantuária é considerado o líder da Comunhão Anglicana, sendo responsável por unificar essa tradição cristã. Atualmente Justin Welby é o arcebispo da Cantuária, exercendo esse cargo desde 2013.
A Conferência de Lambeth é a assembleia máxima do anglicanismo. Ocorre a cada dez anos, desde 1867, e é convocada pelo arcebispo da Cantuária. Participam da conferência bispos das 40 províncias do anglicanismo. Cada província possui um bispo; algumas províncias pertencem a apenas um país, como a do Brasil, mas outras podem congregar diversos países, como a província da África Central, da qual fazem parte quatro países.
Anglicanismo no Brasil
A historiografia defende que as primeiras igrejas anglicanas foram edificadas no Brasil após a chegada da Família Real, em 1808. A partir desse período a economia brasileira se abriu para todas as nações amigas, e os ingleses passaram a ter grande influência por aqui, econômica e culturalmente.
Inicialmente o anglicanismo no Brasil se relacionava diretamente com a Igreja da Inglaterra e era professada em nosso país por imigrantes britânicos. Com a Proclamação da República o catolicismo se desvinculou do Estado e outras religiões foram oficialmente permitidas.
Em 1955, as igrejas anglicanas mantidas pela Igreja da Inglaterra se fundiram no Brasil às igrejas anglicanas do distrito missionário do Brasil, administradas até então pela Igreja Episcopal dos Estados Unidos. Dez anos depois, em 1965, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil se separou formalmente da Igreja Inglesa e dos Estados Unidos, passando a ser uma das províncias da Comunhão Anglicana. Atualmente o cargo de bispa da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil é ocupado por Marinez Rosa dos Santos Bassotto, eleita em 2018.
Exercícios resolvidos sobre anglicanismo
Questão 1
(Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein) No dia 31 de outubro de 1517, o monge e doutor em teologia Martinho Lutero publicou em Wittenberg as suas 95 teses sobre questões a serem debatidas com outros teólogos católicos. Entre as posições defendidas, e que acabaram por levar ao rompimento de Lutero com a Igreja Católica, estavam:
A) a afirmação de que todo cristão batizado poderia ser o seu próprio sacerdote, o questionamento do dogma da infalibilidade papal e o princípio da salvação pela fé.
B) o reconhecimento apenas do batismo, da eucaristia, do casamento e da extrema unção como sacramentos cristãos válidos.
C) a reafirmação do culto aos santos locais e da Virgem, e a validação do casamento de qualquer membro da Igreja.
D) o uso da Inquisição e do Index como instrumentos de combate aos desvios doutrinais e o reconhecimento da infalibilidade papal na orientação teológica da cristandade.
Resolução:
Alternativa A.
Nas suas 95 teses apresentadas em 1517, Lutero fez diversas críticas à Igreja Católica, da qual era membro. Entre as principais críticas de Lutero estavam a autoridade papal e sua infalibilidade. Lutero defendeu a livre interpretação da Bíblia, sem a necessidade de um sacerdote, e também a salvação através da fé.
Questão 2
(PUC) O Parlamento inglês, ao promulgar o chamado Ato de Supremacia (Act of Supremacy), em 1534, subordinou as leis da Igreja à soberania jurídica das leis civis, concedendo ao rei Henrique VIII o poder de “único chefe supremo da Igreja”. O resultado do Ato de Supremacia foi/foram:
A) a difusão do protestantismo calvinista, principalmente pela Escócia.
B) o início do expansionismo inglês, constituindo as bases do seu império colonial.
C) a centralização de poder, que esteve na base da reforma anglicana.
D) a implantação do catolicismo, que gerou repressão tanto dos reformistas quanto do Parlamento inglês.
E) os conflitos entre o rei e o Parlamento, pois o primeiro buscava restaurar antigos direitos feudais retirados da Magna Carta de 1215.
Resolução:
Alternativa C.
A Reforma Anglicana, promovida por Henrique VIII após desavenças com o papa, fazia parte de um processo maior, o de centralização política na Inglaterra. Ao se tornar o líder máximo da nova igreja, Henrique VIII conseguiu mais poder político e também econômico, uma vez que parte das propriedades e bens da Igreja Católica na Grã-Bretanha passaram para a sua administração.
Notas
|1| ROSA, João Luíz. O que é Igreja Anglicana e por que Charles III virou o chefe dela? Valor Econômico, 19 set. 2022. Disponível em: https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/09/19/o-que-e-a-igreja-anglicana-e-por-que-o-rei-charles-virou-o-chefe-dela.ghtml.
Crédito de imagem
[1] Dancingtudorqueen / Wikimedia Commons (reprodução)
Fontes
HOLLOWAY, Richard. Breve história das religiões. Editora L&PM, Porto Alegre, 2009.
JORDAN, V. Anglicanismo para iniciantes: um guia para a história, crenças e práticas da Igreja Anglicana. Kindle, 2008.
ROSA, João Luíz. O que é Igreja Anglicana e por que Charles III virou o chefe dela? Valor Econômico, 19 set. 2022. Disponível em: https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/09/19/o-que-e-a-igreja-anglicana-e-por-que-o-rei-charles-virou-o-chefe-dela.ghtml.