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Ariano Suassuna

Ariano Suassuna foi um escritor paraibano que fundou, na década de 1970, um movimento intitulado Armorial, que visava à construção de um conjunto de obras artísticas em que o elemento erudito fosse fundido ao elemento cultural popular, principalmente o nordestino. Escreveu, assim, inúmeros textos teatrais, como o Auto da Compadecida, obra que se apropria de um gênero clássico, o auto religioso, para abordar temáticas ambientadas em cenários tipicamente nordestinos. É reconhecido, também, como um dos mais importantes autores da geração de 1945 do modernismo brasileiro.

Leia também: Graciliano Ramos – importante representante da geração de 1930

Biografia de Ariano Suassuna

O escritor Ariano Vilar Suassuna, mais conhecido como Ariano Suassuna, nasceu em Nossa Senhora das Neves, hoje João Pessoa (PB), em 16 de junho de 1927. Com a Revolução de 1930, seu pai foi assassinado por motivos políticos no Rio de Janeiro, e a família mudou-se para Taperoá, na Paraíba, onde morou de 1933 a 1937 e cursou o primário.

Em 1942, mudou-se para o Recife, onde concluiu, em 1945, os estudos secundários no Ginásio Pernambucano e no Colégio Osvaldo Cruz. Em 1946, iniciou a Faculdade de Direito, onde conheceu Hermilo Borba Filho, com quem fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco. Em 1947, escreveu sua primeira peça, intitulada Uma Mulher Vestida de Sol.

Ariano Suassuna, sempre bem-humorado e irreverente, foi um defensor ferrenho da arte popular. [1]
Ariano Suassuna, sempre bem-humorado e irreverente, foi um defensor ferrenho da arte popular. [1]

Em 1950, formou-se na Faculdade de Direito e recebeu o Prêmio Martins Pena pelo Auto de João da Cruz. Por causa de uma doença pulmonar, retornou à cidade de Taperoá, onde escreveu e montou a peça Torturas de um Coração, em 1951. No ano seguinte, voltou a morar na capital pernambucana, período em que se dedicou à advocacia, sem abandonar, no entanto, a produção teatral. Abandonou a advocacia em 1956 para tornar-se professor de Estética na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Em 1959, com o apoio do escritor Hermilo Borba Filho, fundou o Teatro Popular do Nordeste, espaço cultural que contribuiu para a montagem de muitas peças teatrais. No início dos anos 1960, deu uma pausa na carreira de dramaturgo para dedicar-se à carreira universitária na UFPE. Nessa instituição de ensino, em 1976, defendeu a tese de livre-docência intitulada “A Onça Castanha e a Ilha Brasil: Uma Reflexão sobre a Cultura Brasileira”. Em 1994, aposentou-se como professor.

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Sempre muito ativo nos meios culturais, foi membro fundador do Conselho Federal de Cultura em 1967. Em 1969, tornou-se diretor do Departamento de Extensão Cultural da UFPE. Em 1970, no Recife, liderou o “Movimento Armorial”, interessado no desenvolvimento e no conhecimento das formas de expressão populares tradicionais. Como uma das ações desse movimento, convocou nomes significativos da música para procurarem uma música erudita nordestina que viesse a se juntar ao movimento, lançado em Recife, em 18 de outubro de 1970, com o concerto “Três Séculos de Música Nordestina – do Barroco ao Armorial” e com uma exposição de gravura, pintura e escultura.

Entre 1958 a 1979, dedicou-se também à prosa de ficção, publicando o Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971) e História d’O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão / Ao Sol da Onça Caetana (1976), classificados por ele de romance armorial-popular brasileiro.

Em 3 de agosto de 1989, tornou-se ocupante da Cadeira nº 32 da Academia Brasileira de Letras. Entre 1994 e 1998, por convite do então governador de Pernambuco, Miguel Arraes, tornou-se secretário estadual de Cultura. No ano 2000, tornou-se membro da Academia Paraibana de Letras e Doutor Honoris Causa da Faculdade Federal do Rio Grande do Norte. Faleceu no dia 23 de julho de 2014, no Recife, aos 87 anos.

Fundador do Movimento Armorial, Ariano Suassuna acreditava na força da junção da arte erudita com a arte popular nordestina.
Fundador do Movimento Armorial, Ariano Suassuna acreditava na força da junção da arte erudita com a arte popular nordestina.

Características literárias de Ariano Suassuna

A produção de Ariano Suassuna, principalmente a teatral, tem como característica a presença do humor, muitas vezes atrelado à crítica social, e de elementos da cultura popular nordestina. Ele foi um dos fundadores do Movimento Armorial, que buscava criar a arte erudita por meio da cultura popular desenvolvida no Nordeste. Esse movimento, lançado em 1970, não se restringiu à literatura, mas incluiu também teatro, música, arquitetura, artes plásticas.

Além das influências da cultura popular nordestina em sua produção literária, Ariano Suassuna filiou-se à geração de 1945, também conhecida como terceira geração modernista. Essa vertente do modernismo surgiu em um contexto histórico que propiciou uma experiência literária voltada para a questão estética, já que, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda de Getúlio Vargas do poder, pairou um clima de normalidade democrática, o que propiciou o olhar dos escritores para os aspectos formais e estéticos de suas obras, sobretudo no que se refere à pesquisa da própria linguagem literária.

Assim, os autores da geração de 1945 secundarizaram as preocupações políticas, ideológicas e culturais que caracterizaram a geração de 1930 e enveredaram em direção à experimentação estética. Nesse sentido, Ariano Suassuna apropriou-se de estruturas da tradição literária, como os autos religiosos, e subverteu-lhes a forma, agregando ao tradicional elementos regionais da cultura nordestina.

Veja também: Guimarães Rosa – autor que também expressou a experimentação estética em suas obras

Obras de Ariano Suassuna

Textos teatrais

  • Uma Mulher Vestida de Sol (1947);
  • Cantam as Harpas de Sião (ou O Desertor de Princesa) (1948);
  • Os Homens de Barro (1949);
  • Auto de João da Cruz (1950);
  • Torturas de um Coração (1951);
  • O Arco Desolado (1952);
  • O Castigo da Soberba (1953);
  • O Rico Avarento (1954);
  • Auto da Compadecida (1955);
  • O Desertor de Princesa (Reescritura de Cantam as Harpas de Sião -1958);
  • O Casamento Suspeitoso (1957);
  • O Santo e a Porca, imitação nordestina de Plauto (1957);
  • O Homem da Vaca e o Poder da Fortuna (1958);
  • A Pena e a Lei (1959);
  • Farsa da Boa Preguiça (1960);
  • A Caseira e a Catarina (1962);
  • As Conchambranças de Quaderna (1987).

Romances

  • A história do amor de Fernando e Isaura (1956);
  • Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta – romance armorial popular (1971);
  • As Infâncias de Quaderna – folhetim semanal no Diário de Pernambuco (1976-77);
  • História d’O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão / Ao Sol da Onça Caetana – romance armorial e novela romançal brasileira (1977);
  • A Ilumiara – Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores (2017) – publicação póstuma.

Poesias

  • O pasto incendiado (1945-1970);
  • Ode (1955);
  • Sonetos com mote alheio (1980);
  • Sonetos de Albano Cervonegro (1985);
  • Poemas (antologia) (1999);
  • Os homens de barro (1949).
Ariano Suassuna incorporou elementos da cultura nordestina, como o cordel, em suas peças.
Ariano Suassuna incorporou elementos da cultura nordestina, como o cordel, em suas peças.

Auto da Compadecida

A peça o Auto da Compadecida foi encenada pela primeira vez em 11 de setembro de 1956, no Teatro Santa Isabel, pelo grupo Teatro Adolescente do Recife, sob direção de Clênio Wanderley. A peça retoma elementos do teatro popular, mais especificamente dos autos medievais, e da literatura de cordel, comum na região Nordeste do país, a fim de exaltar os humildes e ridicularizar os poderosos e os religiosos que, deturpando-se moralmente, preocupam-se apenas com questões financeiras.

A obra teatral tem João Grilo e Chicó como protagonistas. Amigos inseparáveis, vivem no interior do Nordeste, vitimados, assim como outros conterrâneos, pela fome e pela miséria, aliadas à violência dos detentores do poder local. Porém, apesar desse clima inóspito, os dois amigos driblam as adversidades com inteligência e esperteza.

A história, dividida em três atos, inicia-se com a morte do cachorro de estimação da mulher do padeiro, a qual tratava o animalzinho como se fosse um ente da família, a ponto de insistir para que o padre lhe batizasse como se batiza um ser humano.

João Grilo e Chicó, funcionários do esposo da mulher dona do cão, intercederam, quando o cão ainda era vivo, junto ao padre, com o objetivo de convencê-lo a atender aos desejos da patroa. Porém, de nada adiantou o esforço dos amigos, e, para a infelicidade da mulher do padeiro, o cachorro morreu sem que recebesse a benção pelo sacramento católico.

Como não conseguiu o batismo quando o cachorro era vivo, a mulher do padeiro convence-se de que não poderia enterrar o animal sem antes fazer uma cerimônia religiosa. Mais uma vez João Grilo e Chicó tentam ajudá-la, dessa vez convencendo o padre a realizar o velório. Em conversa com o padre, João Grilo diz que o cão teria um testamento em que deixava de herança dez contos de réis para ele e três para o sacristão se o enterro fosse realizado em latim. O padre, com a possibilidade de herdar uma boa quantia, concorda com João Grilo em realizar o funeral do animal.

O bispo, porém, descobre o que se arquitetava e fica horrorizado com a possibilidade de se velar, com honras católicas, um animal. Muito esperto, João Grilo diz ao sacerdote que o testamento, na verdade, também reservava seis contos para a arquidiocese e quatro para a paróquia. A possibilidade de ganho faz com que o bispo faça vista grossa ao velório canino.

A cidade, porém, é invadida pelo perigoso bando do cangaceiro Severino, o qual mata, sem dó nem piedade, praticamente todos, dentre os quais o bispo, o padre, o sacristão, o padeiro e a mulher. João Grilo e Chicó, temendo serem as próximas vítimas do bando, dizem aos jagunços que possuem uma gaita benzida por Padrinho Padre Cícero, figura religiosa muito devotada no Nordeste, a qual seria capaz de ressuscitar os mortos.

Como demonstram interesse no objeto mágico, os dois amigos dizem que dão a gaita em troca de escaparem ilesos. Os cangaceiros, incrédulos, não acreditam no poder do objeto, mas os dois fazem uma demonstração. Assim, Chicó, com o auxílio de um saco com sangue, finge receber uma facada de João, de modo que o sangue parece ser de Chicó e este parece estar morto.

O truque, entretanto, não se sustenta por muito tempo, e João Grilo acaba morto pelos cangaceiros. No céu, todos os personagens se encontram. Na hora do juízo final, Nossa Senhora intercede por cada um dos personagens. Ironicamente, os considerados com difícil possibilidade de salvação são o padre, o bispo, o sacristão, o padeiro e a sua mulher, que seguem direto para o purgatório.

Curiosamente, os cangaceiros são mandados ao paraíso, já que, segundo a ótica de Nossa Senhora, eles eram naturalmente bons, mas foram corrompidos pelo sistema. João Grilo recebe a graça de voltar para o seu próprio corpo e, de volta à Terra, tem a possibilidade de assistir ao seu próprio enterro, feito pelo melhor amigo, Chicó. Este, por sua vez, havia prometido à Nossa Senhora que entregaria todo o dinheiro que tinha à Igreja caso seu amigo sobrevivesse. Como o milagre concretiza-se, os dois amigos fazem a devida doação prometida.

Leia o trecho a seguir da cena em que o padre e o bispo, movidos por ambição, caem na lábia do esperto João Grilo:

“PADRE: É, mas quem vai ficar engraçado sou eu, benzendo o cachorro. Benzer motor é fácil, todo mundo faz isso, mas benzer cachorro?
JOÃO GRILO: É, Chicó, o padre tem razão. Quem vai ficar engraçado é ele e uma coisa é benzer o motor do major Antônio de Morais e outra é benzer o cachorro do major Antônio de Morais. […]
BISPO: Então houve isso? Um cachorro enterrado em latim?
JOÃO GRILO: E então? É proibido? BISPO Se é proibido? Deve ser, porque é engraçado demais para não ser. É proibido! É mais do que proibido! Código Canônico, Artigo 1627, parágrafo único, letra k. Padre, o senhor vai ser suspenso [...]
JOÃO GRILO: É mesmo, é uma vergonha. Um cachorro safado daquele se atreve a deixar três contos para o sacristão, quatro para o padre e seis para o bispo, é demais. [...]
BISPO: É por isso que eu vivo dizendo que os animais também são criaturas de Deus. Que animal interessante! Que sentimento nobre!”

Frases de Ariano Suassuna

“Quem gosta de ler não morre só.”

“O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso.”

“Não existe arte nova ou velha, só boa ou ruim.”
“Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa.”

“A humanidade se divide em dois grupos, os que concordam comigo e os equivocados.”
“A tarefa de viver é dura, mas fascinante.”

“O sonho é que leva a gente para a frente. Se a gente for seguir a razão, fica aquietado, acomodado.”

“Toda arte é local antes de ser regional, mas, se prestar, será contemporânea e universal.”

“É preciso mais fé para acreditar de que o homem se originou do macaco do que ter fé para acreditar na história de Adão e Eva.”

“Não troco o meu ‘oxente’ pelo ‘ok’ de ninguém!”

Créditos das imagens

[1] Valter Campanato/ABr / Commons
[2] Luciano Joaquim / Shutterstock

Publicado por Leandro Guimarães
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