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Cultura erudita

A cultura erudita surgiu na Europa, durante a constituição dos Estados Nacionais, num esforço de construção de identidade nacional em torno de grandes ideais, uma história épica e uma arte intelectualmente sofisticada que culminassem em civilizações fortes e conduzissem-nas ao progresso.

Desenvolvida no seio da nobreza europeia e, posteriormente, da sua alta burguesia, a cultura erudita era feita por poucos e para poucos. Exigia-se um grande investimento de tempo e recursos para estudo e elaboração de manifestações artísticas rebuscadas, complexas. Com as colonizações, essa cultura foi transportada para as colônias e alçada ao posto de padrão cultural, no qual as nações em formação deveriam espelhar-se.

A cultura erudita distingue socialmente uma elite intelectual de outros grupos dentro de um mesmo povo. É disseminada por instituições formais de conhecimento, como as universidades, os museus, os conservatórios. Alguns exemplos dela são a música clássica, a literatura de cunho universal, o balé etc.

Veja mais: Identidade cultural – conjunto híbrido de elementos que formam a essência de um povo

Origem da cultura erudita

A origem da cultura erudita está ligada à formação dos Estados Nacionais, no período que vai do século XIII ao século XIX, no continente europeu, especialmente na formação de países como França, Inglaterra, Alemanha e Itália. Embora esse processo tenha sido vivido em momentos diferentes por cada um deles, ainda possui uma característica comum: a formação de uma identidade nacional que carregasse as melhores manifestações culturais e artísticas e que tivesse heróis nos quais os patrícios espelhassem-se, além de uma narrativa comum gloriosa e positiva sobre a história de cada um desses povos.

Além de aglutinar esses povos em torno de símbolos comuns, a formação dessa identidade tinha também a finalidade de diferenciá-los entre si, colocando cada um deles num patamar superior e, internamente, distinguindo a elite social, econômica, política e religiosa da população geral, composta, em grande medida, por camponeses.

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Nas sociedades europeias, a valorização do acúmulo de conhecimentos intensificou-se durante o renascimento e a idade barroca (séculos XIII ao XVI). Era apreciado, para além do esclarecimento pessoal, o desenvolvimento de uma ampla gama de saberes, como artes, história, arquitetura e política em uma dada coletividade, de modo a ser sua “marca” estética, moral e política.

No renascentismo, os artistas eram financiados para que retratassem a vida nas cortes, eram pagos e protegidos pela nobreza, aristocracia e burguesia nascente. Desse período, de florescimento das universidades, invenção da imprensa, tradução de obras da Antiguidade Clássica para os idiomas europeus, datam as grandes obras de arte, música, pintura, escultura e teatro que hoje chamados de cultura erudita.

no século XVIII, os pensadores iluministas ligaram a ideia de cultura à ideia de civilização e progresso. Filósofos, como Rousseau e Kant, advogavam que quanto mais cultos fossem os indivíduos de uma sociedade, mais civilizada ela seria.

Na transição da Idade Média para a Idade Moderna, o termo cultura, do latim cultivare, que originalmente era ligado ao cultivo de alimentos, passou a ser utilizado como cultivo da mente, do intelecto, do acúmulo de conhecimento por meio da tradição. O dispêndio de tempo nessa busca por conhecimento implicava dispor de recursos para isso, logo, essa sofisticação intelectual desenvolveu-se nos grupos sociais abastados, na nobreza, no alto clero.

No ocaso da Idade Média, ocorreram o enfraquecimento do feudalismo, o surgimento do capitalismo, a formação dos Estados Modernos, e a decadência econômica da nobreza e ascensão da burguesia. Essa configuração social, em que senhores burgueses buscavam diminuir a discrepância cultural que os afastava da nobreza, associada ao florescimento de valores como a secularização, o humanismo e a valorização da arte clássica greco-romana, propiciou o surgimento de manifestações artísticas eruditas, enquanto categoria profissional e aristocrática, bem como sua apresentação em espetáculos.

Assim, a chamada “alta cultura”, que até então era monopólio da nobreza, associada à tradição e aos laços de sangue, passou a desenvolver-se sobre as bases da profissionalização, da secularização e da espetacularização, primeiro em figuras como o mestre de capela e o mestre de danças e, mais tarde, nas companhias de teatro, dança e música.

Acesse também: Contracultura – movimento de questionamento e negação da cultura vigente

Características da cultura erudita

  • Distingue certo grupo social da população geral, isto é, confere distinção social.
  • Sua produção tem como requisito indispensável o estudo.
  • Sua compreensão, muitas vezes, exige um conhecimento prévio, uma familiaridade com o universo cognitivo em que ela foi produzida.
  • Caracterizada pela formalidade, tem a sua legitimidade atribuída por instituições científicas, como universidades, escolas de artes e conservatórios.
  • Sua apreciação, também marcada pela formalidade, dá-se, na maior parte das vezes, em ambientes específicos, como museus, teatros e salas de concerto.
  • Sua produção e recepção em geral demandam alto investimento de tempo, recursos e conhecimento.
  • Seu acesso é restrito.

Cultura erudita, cultura de massa e cultura popular

Em definições mais gerais, a cultura pode ser classificada em três tipos: cultura popular, cultura erudita e cultura de massas.

  • Cultura popular

A cultura popular caracteriza-se pela participação ativa do povo na produção e expressão artística na literatura, na arte, na dança, no folclore, na música, nos ritos religiosos. Ancorada em tradições, ela é construída no seio de uma comunidade que é simultaneamente sua autora e seu público. Existe uma identificação direta e grande proximidade entre os que a concebem e os que a absorvem. Há nesse tipo de cultura um protagonismo caracterizado na ideia de feito por nós e para nós.

Os bonecos de barro dos artesãos de Caruaru-PE receberam da UNESCO o título de Artes Figurativas da América Latina. [1]
Os bonecos de barro dos artesãos de Caruaru-PE receberam da UNESCO o título de Artes Figurativas da América Latina. [1]

Historicamente, a cultura popular está assentada na tradição oral, em que histórias, saberes, canções, danças, entre outros signos, são repassados de uma geração para a outra por meio da oralidade, numa perspectiva coletiva de compartilhamento e disseminação de conhecimentos.

O que a difere da cultura erudita, ancorada na escrita, circunscrita a círculos intelectuais e com acesso e compartilhamento restrito. Podemos observar que na cultura popular, muitas vezes, há músicas, ditados e estórias dos quais desconhecemos a autoria, ao contrário do que ocorre na cultura erudita. Nesta o registro formal permite que, por séculos, reconheça-se quem foi o autor de alguma de suas obras, ainda, muitas vezes, é possível recuperar exatamente como ela foi elaborada, por meio de partituras ou documentos escritos.

  • Cultura de massa

A cultura de massa é um produto do sistema capitalista. A racionalização, o tecnicismo e a divisão social baseada no trabalho influenciaram também a cultura, que, pela técnica, fragmentação em nichos e racionalidade baseada no lucro, passou a ser reproduzida em grande escala.

Nesse contexto, sua autoria e produção foi desvinculada do público, que passou a ser visto como consumidor de um produto cultural. Embora tenha forte apelo popular, a participação do público restringe-se ao consumo. Alguns exemplos são a indústria fonográfica e cinematográfica.

Fotografia do projeto “Os museus como espaços de comunicação”, realizado no MIS. [2]
Fotografia do projeto “Os museus como espaços de comunicação”, realizado no MIS. [2]
  • Comparação entre os tipos de cultura

Ao contrário da verticalização que ocorre na cultura erudita e na cultura de massas, na cultura popular há uma interlocução horizontal entre quem produz e quem participa de suas expressões artísticas. Não são meios de comunicação tradicionais ou o Estado ou um grupo especializado que fazem essa conexão. Há também uma forte ligação com o local onde a comunidade está estabelecida, o que faz com que a cultura popular seja diversificada em cada região de um mesmo país.

Um “souvenir” do quadro “Mona Lisa”. [3]
Um “souvenir” do quadro “Mona Lisa”. [3]

Para exemplificarmos a diferença entre esses três tipos de cultura, pensemos em três manifestações culturais visuais: o quadro Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci, pertence à cultura erudita; os bonecos de barro que retratam o folclore nordestino, feitos pelos Senhores do Barro do bairro Alto do Moura, em Caruaru-PE, representam a cultura popular; e as fotografias podem ser classificadas como cultura de massa.

Pense no processo de feitura de cada uma dessas obras e você poderá identificar as características do tipo de cultura correspondente. Note que, hoje, num contexto de globalização e capitalismo transnacional, é possível que uma exposição de fotografias seja feita num museu, que os bonecos de barro dos artesãos pernambucanos sejam comercializados para a Europa e que um quadro de Da Vinci seja produzido em larga escala como um souvenir.

As sociedades ocidentais contemporâneas, multiculturais, urbanas, conectadas ciberneticamente, com uma hierarquização social menos rígida que nos séculos anteriores, permitem que uma mesma pessoa possa conhecer, identificar-se e consumir os três tipos de cultura apresentados. Portanto, essas distinções desenham modelos de análise, mas essas culturas dialogam entre si.

Leia também: Indústria cultural – a grande proliferadora da cultura de massa

Exemplos de cultura erudita

Orquestra Sinfônica Nacional na XXI Bienal de Música Brasileira Contemporânea. [4]
Orquestra Sinfônica Nacional na XXI Bienal de Música Brasileira Contemporânea. [4]

A música clássica, que tem como alguns de seus grandes expoentes: Ludwig von Bethoven, Johann Sebastian Bach, Wolfgang Amadeus Mozart, e Frédéric François Chopin. No Brasil, seu principal representante é o maestro e compositor Heitor Villa-Lobos.

Também conhecida como música de concerto, é marcada pela estrutura formal, regida por um maestro utilizando um sistema de notação em partituras, com uma orquestra com grande número de instrumentos, com diferentes timbres, que produzem uma sonoridade complexa. Sua execução pode incluir também cantores, nas óperas, por exemplo, que são dramas musicais cantados e encenados, como Carmen, de Georges Bizet, e La Traviata, de Giuseppe Verdi.

David, do escultor italiano Michelangelo. [5]
David, do escultor italiano Michelangelo. [5]

As artes plásticas, também conhecidas como belas-artes, caracterizam-se pelo uso de técnicas específicas para expressar, em imagens ou formas, concepções estéticas de um período histórico. As pinturas, como a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, e as esculturas, como a David, de Michelangelo, consideradas grandes obras de arte, são expressivos exemplos de cultura erudita.

Créditos das imagens

[1] Marcio Jose Bastos Silva / Shutterstock

[2] Maria Luiza Assis / Commons

[3] Grzegorz Czapski / Shutterstock

[4] Ministério da Cultura / Commons

[5] Rico Heil (User:Silmaril) / Commons

Publicado por Milka de Oliveira Rezende
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