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Realismo mágico

Realismo mágico é uma vertente da literatura caracterizada pela convivência, no enredo, de elementos sobrenaturais com elementos da realidade.
Livros cobertos de brilho em referência ao realismo mágico
O realismo mágico insere em seus enredos elementos pouco usuais ou inverossímeis.

O realismo mágico ou realismo fantástico é uma vertente literária que se caracteriza, no plano da linguagem, pela constante utilização de símbolos e de metáforas e, no plano temático, pela ocorrência de enredos em que coisas mágicas e mirabolantes acontecem com os personagens. A presença dessa linguagem peculiar, associada aos elementos mágicos presentes no enredo, contribui para que o texto literário seja alçado ao plano da alegoria, possibilitando que aspectos absurdos da realidade, como a violência e a repressão ditatorial, sejam revelados e denunciados de forma velada.

Assim, em um contexto marcado por ditaduras militares em quase todos os países da América Latina, uma literatura metafórica e com elementos ficcionais altamente fantasiosos poderia facilmente passar despercebida pelos censores ditatoriais, além de que os absurdos da realidade se tornariam mais evidentes ao serem narrados de forma descomprometida com a lógica racional.

Leia também: Conto fantástico – narrativas curtas que utilizam elementos inverossímeis

Contexto histórico do realismo mágico

A expressão realismo mágico é empregada desde os fins dos anos 1940 para denominar um tipo de ficção hispano-americana que se contrapunha ao realismo e ao naturalismo do século XIX e contra a chamada “novela da terra”, um tipo de regionalismo muito produzido nas primeiras décadas do século XX.

A fase mais expressiva desse estilo literário foi por volta dos anos 1940, com Jorge Luis Borges, Alejo Carpentier e Arturo Uslar Pietri. Este último, inclusive, foi o primeiro autor a empregar a expressão realismo mágico, em sua obra Letras y hombres de Venezuela (1948). Para  esse escritor venezuelano, o realismo mágico incorporou o “mistério” à realidade, que passa a ser negada em sua tentativa de sempre expressar o real lógico-racional.

 A América Latina, nesse contexto de surgimento do realismo mágico, era tomada, nos vários países que a compõem, por ditaduras militares extremamente repressivas, as quais impunham forte censura à liberdade individual, política e artística. Os escritores, assim como outros artistas, eram frequentemente censurados, perseguidos, mortos ou se autoexilavam em países que viviam uma normalidade democrática.

O estilo realista mágico apresentava-se, portanto, como um meio de fazer evidenciar-se, nas narrativas, as contradições da realidade, mas de forma mascarada, metafórica, permeada por situações mágicas e sobrenaturais, o que tornava o enredo alegórico, sendo visto pelos agentes repressores como uma mera ficção fantasiosa.

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Principais características do realismo mágico

  • Enredos marcados pela presença de elementos sobrenaturais;
  • Tempo da narrativa não linear, em que passado, presente e futuro tendem a misturar-se;
  • Elementos da realidade lógica convivem com elementos mágicos;
  • Linguagem mais subjetiva, com a presença de metáforas;
  • Presença de alegorias;
  • Presença de alguma crítica político-social velada.

Leia mais: Memórias Póstumas de Brás Cubas  - romance realista que apresenta aspecto fantástico

Principais autores e obras do realismo mágico

  • Jorge Luis Borges (1899-1986)

Escritor argentino, escreveu ensaios, poemas, contos. Notabilizou-se, mundialmente, a partir da publicação, em 1944, do livro de contos intitulado Ficções. Nessa obra, ao longo de seus contos, o leitor depara-se com um narrador questionador que externaliza suas perplexidades e angústias acerca de muitos pontos filosóficos, como o universo, o tempo, a eternidade e o infinito, reflexões essas sempre permeadas pelas características do realismo mágico.

  • Gabriel García Márquez (1927-2014)

Escritor colombiano, agraciado, em 1982, com o Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra, é autor do clássico Cem anos de solidão, romance publicado em 1967. Nessa obra, narra-se a história da fictícia cidade de Macondo e a ascensão e o declínio da família Buendía, que participou de sua fundação.

Na primeira parte da obra, têm destaque os personagens José Arcádio Buendía, fundador da vila de Macondo, sua esposa, Úrsula Iguarán, sua filha Amaranta, seus filhos, José Arcádio e Aureliano, sendo este último coronel Aureliano Buendía, considerado o grande protagonista do livro, e o cigano Melquíades.

O enredo, que é tido como uma grande metáfora da condição política pela qual passava a América Latina no contexto em que o livro foi escrito, é permeado pela mescla de elementos da realidade colombiana e de elementos mágicos, o que faz desse romance um dos mais importantes da vertente do realismo mágico. Leia um trecho muito famoso de Cem anos de solidão:

“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo. Todos os anos, pelo mês de março, uma família de ciganos esfarrapados plantava a sua tenda perto da aldeia e, com um grande alvoroço de apitos e tambores, dava a conhecer os novos inventos.”

Para saber mais detalhes sobre esse importante autor do realismo fantástico, leia: Gabriel García Márquez.

  • Júlio Cortázar (1914-1984)

Escritor argentino, tem uma vasta obra publicada, sendo considerado um dos mais originais e criativos autores do seu tempo. Um de seus livros mais instigantes da vertente do realismo mágico é o romance O jogo da amarelinha, publicado em 1963 com o título Rayuela. Nessa narrativa, o leitor tem papel ativo, podendo iniciar e prosseguir a leitura por partes diferentes, sem seguir uma linha cronológica, o que faz com que a obra adquira uma multiplicidade de perspectivas.

O enredo, divido em três partes, gira em torno do casal Horácio e Maga, que se reúne, na primeira parte da obra, com frequência com seus amigos em encontros boêmios na França. Na segunda parte, Horácio, de volta à Argentina, reencontra um amigo, Traveler, e passa a conviver com ele e a esposa, Talita. A terceira parte é constituída por capítulos que podem ser lidos fora da linearidade narrativa que constituíam a primeira e a segunda parte. 

  • Mario Vargas Llosa (1936)

Escritor peruano, agraciado, em 2010, como o Prêmio Nobel de Literatura, é considerado um dos mais importantes representantes do realismo mágico. Autor de uma obra vasta, em variados gêneros, o romance A cidade e os cachorros, publicado em 1963, é o segundo livro do autor. Nessa narrativa, que incorpora características do realismo mágico, o tempo não segue um curso linear, e o passado entrelaça-se com o presente. A narração também segue um fluxo dinâmico, de modo que os conflitos dos personagens são apresentados com base em diferentes pontos de vista.

  • Isabel Allende (1942)

Escritora de nacionalidade chilena, mas nascida no Peru, é uma das poucas vozes femininas que integraram a corrente do realismo mágico na América Latina. Sua obra mais importante é o romance A casa dos espíritos, publicado em 1982. Nessa obra, narra-se a história épica da grande e problemática família Trueba, residente no Chile, composta por seu patriarca e por mulheres com o dom da vidência. A trama desenrola-se em um percurso que envolve a vida dos personagens desde o final do século XIX até os dias violentos e autoritários do golpe militar que derrubou o governo de Salvador Allende, parente da escritora, em 1973.

A presença desse elemento histórico, associado a elementos sobrenaturais, faz de A casa dos espíritos, obra que já foi adaptada para o cinema em 1993, um clássico do realismo mágico. Leia um trecho do romance, momento em que o narrador detém-se na descrição de Clara, uma das mulheres da obra.

“Clara passou a infância e entrou na juventude dentro das paredes de sua casa, num mundo de histórias assombrosas, de silêncios tranquilos, onde o tempo não se marcava com relógios nem com calendários e onde os objetos tinham vida própria, as aparições se sentavam à mesa e falavam com os humanos, o passado e o futuro faziam parte da mesma coisa e a realidade do presente era um caleidoscópio de espelhos desordenados onde tudo podia acontecer. É uma delicia para mim ler os cadernos dessa época, onde se descreve um mundo mágico que acabou. Clara habitava um universo inventado por ela, protegida das inclemências da vida, onde se confundiam a verdade prosaica das coisas materiais e a verdade tumultuosa dos sonhos, onde nem sempre funcionavam as leis da física ou da lógica. Clara viveu esse período ocupada nas suas fantasias, acompanhada pelos espíritos do ar, da água e da terra, tão feliz que não sentiu a necessidade de falar durante nove anos. Todos tinham perdido a esperança de tornar a ouvir-lhe a voz quando, no dia do seu aniversário, depois de soprar as dezenove velas do bolo de chocolate, estreou uma voz que tinha estado guardada durante todo aquele tempo e que tinha ressonância de instrumento desafinado.”

Acesse também: Franz Kafka – escritor que inseria em seus enredos elementos do absurdo

Realismo mágico no Brasil

No Brasil, o realismo mágico desenvolveu-se, mas não de forma tão expressiva quanto em outros países da América Latina. Dois escritores sobressaem-se como grandes representantes dessa vertente literária no país: José J. Veiga e Murilo Rubião.

  • José J. Veiga (1915-1999)

Escritor nascido no estado de Goiás, tem uma vasta obra ficcional publicada. Suas narrativas caracterizam-se principalmente pela ambientação regional e pela presença de um teor crítico social e político, sempre permeado pela presença de elementos sobrenaturais, o que o situa dentro da vertente do realismo mágico brasileiro. Notabilizou-se pela produção de contos, sendo sua primeira obra desse gênero o livro Os cavalinhos de Platiplanto, publicado em 1959.

Leia um trecho do conto que dá nome ao primeiro livro de José J. Veiga. Sob a promessa do avô de que ganharia um cavalo, o personagem principal, que é uma criança, deixa seu pé machucado ser tratado. A partir daí, o elemento mágico passa a manifestar-se na narrativa.

“Vovô sentou-se na beira da cama, pôs o chapéu e a bengala ao meu lado e perguntou por que era que meu pai estava ju­diando comigo. Para impressioná-lo melhor eu disse que era porque eu não queria deixar seu Osmúsio cortar o meu pé.

— Cortar fora?

Não era exatamente isso o que eu tinha querido dizer, mas achei eficaz confirmar; e por prudência não falei, apenas bati a cabeça.

— Mas que malvados! Então isso se faz? Deixa eu ver.

Vovô tirou os óculos, assentou-os no nariz e começou a fazer um exame demorado de meu pé. Olhou-o por cima, por baixo, de lado, apalpou-o e perguntou se doía. Naturalmente eu não ia dizer que não, e até ainda dei uns gemidos calculados. Ele tirou os óculos, fez uma cara muito séria e disse:

— É exagero deles. Não é preciso cortar. Basta lancetar.

Ele deve ter notado o meu desapontamento, porque explicou depressa, fazendo cócega na sola do meu pé:

— Mas nessas coisas, mesmo sendo preciso, quem resolve é o dono da doença. Se você não disser que pode, eu não deixo ninguém mexer, nem o rei. Você não é mais desses menininhos de cueiro, que não têm querer. Na festa do Divino você já vai vestir um parelhinho de calça comprida que eu vou comprar, e vou lhe dar também um cavalinho pra você acompanhar a folia.
— Com arreio mexicano?
— Com arreio mexicano. Já encomendei ao Felipe. Mas tem uma coisa. Se você não ficar bom desse pé, não vai poder montar. Eu acho que o jeito é você mandar lancetar logo.
— E se doer?
— Doer? É capaz de doer um pouco, mas não chega aos pés da dor de cortar. Essa sim, é uma dor mantena. Uma vez no Chove-Chuva tivemos que cortar um dedo — só um dedo — de um vaqueiro que tinha apanhado panariz e ele urinou de dor. E era um homem forçoso, acostumado a derrubar boi pelo rabo.”

  • Murilo Rubião (1916-1991)

Escritor nascido em Minas Gerais, é considerado um dos mais importantes escritores da vertente do realismo mágico no Brasil. Destacou-se, principalmente, pela produção de contos. Muito perfeccionista, deixou um único livro, constituído por 33 contos, os quais foram constantemente revisados pelo autor.

Leia um trecho do conto “Teleco, o coelhinho”. Nessa narrativa, em que a realidade lógica é rompida pela presença de aspectos mágicos, o enredo gira em torno de um coelho falante, que também tem a capacidade de metamorfosear-se em outros animais, que estabelece diálogo com um homem comum.

“— Por acaso, o senhor gosta de carne de coelho?

Não esperou pela resposta:

— Se gosta, pode procurar outro, porque a versatilidade é o meu fraco.

Dizendo isto, transformou-se numa girafa.

— À noite — prosseguiu — serei cobra ou pombo. Não lhe importará a companhia de alguém tão instável?

Respondi que não e fomos morar juntos.”

Para saber mais sobre vida e obra desse notável contista brasileiro, leia: Murilo Rubião.

Realismo mágico na pintura

  • Frida Kahlo (1907-1954)

Artista mexicana, tornou-se famosa pelas pinturas em que elementos autobiográficos e extraídos da realidade são intercalados com elementos mágicos, sobrenaturais. Na obra Cervo ferido, por exemplo, observa-se a imagem de um cervo, com o rosto humano assemelhando-se ao rosto da própria Frida Kahlo, ferido por flechas.

Selo que reproduz quadro da artista mexicana Frida Kahlo.[1]
Selo que reproduz quadro da artista mexicana Frida Kahlo.[1]
  • Marc Chagall (1887-1985)

Artista russo, produziu uma série de pinturas em que a magia presentifica-se em meio a cenas cotidianas da realidade.

Selo francês com a reprodução de uma famosa obra de Marc Chagall.[2]
Selo francês com a reprodução de uma famosa obra de Marc Chagall.[2]

Realismo mágico no cinema

  • Guillermo del Toro (1964)

Cineasta mexicano, destaca-se pela produção de filmes em que o enredo apresenta a convivência de elementos mágicos com a realidade. Dos muitos filmes produzidos por ele, O labirinto do fauno (2006) e A forma da água (2018) são os mais aclamados pela crítica de cinema.

  • Tim Burton (1958)

Cineasta norte-americano, tem uma vasta obra cinematográfica caracterizada pela presença de aspectos mágicos associados à realidade, o que o situa como um exemplo de diretor da vertente do realismo mágico no cinema. Dos muitos filmes do autor, destacam-se Os fantasmas se divertem (1988), Planeta dos macacos (2001) e A fantástica fábrica de chocolate (2005).

Exercícios resolvidos sobre realismo mágico

Questão 1 - (UEFS)

Eu era ainda muito criança, mas sabia uma infinidade de coisas que os adultos ignoravam. Sabia que não se deve responder aos cumprimentos dos glimerinos, aquela raça de anões que a gente encontra quando menos espera e que fazem tudo para nos distrair de nossa missão; sabia que nos lugares onde a mãe-do-ouro aparece à flor da terra não se deve abaixar nem para apertar os cordões dos sapatos, a cobiça está em toda parte e morde manso; sabia que ao ouvir passos atrás ninguém deve parar nem correr, mas manter a marcha normal, quem mostrar sinais de medo estará perdido na estrada.

A estrada é cheia de armadilhas, de alçapões, de mundéus perigosos, para não falar em desvios tentadores, mas eu podia percorrê-la na ida e na volta de olhos fechados sem cometer o mais leve deslize.

VEIGA, José J. Fronteira. Os cavalinhos de Platiplanto: Contos. 18. ed. Rio de Janeiro: Beirrand Brasil, 1989. p. 61.

José J. Veiga é um escritor representativo da corrente denominada realismo mágico ou fantástico.
Tal realismo, provocador de uma sensação de estranhamento, encontra-se presente no texto por meio de um narrador que

a) ironiza a sabedoria acumulada com os anos.

b) se nivela aos mais velhos em conhecimento acerca da vida.

c) se mostra inseguro diante dos desafios que a vida lhe oferece.

d) questiona as fronteiras estabelecidas entre o real e o imaginário.

e) se revela ao leitor através de uma inversão da ordem natural das coisas.

Resolução

Alternativa E. O realismo mágico tem como principal característica a interferência de elementos mágicos na realidade, o que interfere na ordem natural e lógica das coisas.

Questão 2 - (Puccamp)

I. Depois de uma convivência maior, descobri que a mania de metamorfosear-se em outros bichos era nele simples desejo de agradar ao próximo. ("Teleco, o coelhinho")
II. Se ao menos ela desviasse para mim parte do carinho dispensado às coisas que eu lhe dava, ou não engordasse tanto, pouco me teriam importado os sacrifícios que fiz para lhe contentar a mórbida mania. ("Bárbara")
III. Seria necessário que as fundações fossem reforçadas à medidas que se aumentasse o número de andares. Também isto é impraticável. ("O edifício")

Os fragmentos anteriores, colhidos de contos de O PIROTÉCNICO ZACARIAS, de Murilo Rubião, ilustram o seguinte princípio geral, adotado pelo autor em sua elaboração do fantástico:

a) seres e coisas expandem-se incontrolável e continuamente, forçando reações também insólitas do narrador-personagem.
b) o plano do real é inteiramente suprimido por elementos simbólicos criados na imaginação e nos sonhos do narrador.
c) contínuas metamorfoses desencadeiam-se enigmaticamente, só se detendo e se esclarecendo ao fim de cada narrativa.
d) a narrativa deve apoiar-se em base realista para melhor produzir em seus desfecho a surpresa do fantástico.
e) as fantasias exploradas ao longo de um conto devem ser fortes e suficiente para tornar insólito o desfecho realista.

Resolução

Alternativa A. Nos trechos em questão, evidencia-se a magia em seres e coisas, os quais manifestam ações sobrenaturais, o que afeta também o narrador-personagem.

Créditos das imagens

[1] spatuletail / Shutterstock

[2] Sergey Goryachev / Shutterstock

Publicado por Leandro Guimarães
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