Paulo Freire

Paulo Freire foi um filósofo, educador, pesquisador e escritor brasileiro. Autor de quase 40 livros, além de artigos acadêmicos e jornalísticos, Paulo Freire, com o seu livro Pedagogia do Oprimido, é o terceiro autor mais citado em trabalhos acadêmicos na área de humanidades no mundo, perdendo apenas para o filósofo da ciência estadunidense Thomas Kuhn e para o sociólogo estadunidense Everett Rogers|1|.

Freire ganhou mais de 40 prêmios, entre menções honrosas de entidades como a Unesco e títulos de doutorados honoríficos de diversas universidades. Também ocupou cargos de gestão fora dos ambientes universitários, como a Secretaria de Educação da Cidade de São Paulo, durante a gestão da prefeita Luiza Erundina. Ele é considerado patrono da educação brasileira desde 2012. No entanto, fazem ecos vozes cada vez mais forte bradando contra a presença tão forte de Freire em nossa educação.

Leia também: Darcy Ribeiro – sociólogo e educador brasileiro defensor da causa indígena

Biografia de Paulo Freire

Paulo Freire foi um filósofo, educador e escritor brasileiro que transformou as bases da educação nacional. [1]

Paulo Freire nasceu em Recife, em 19 de setembro de 1921. Era filho de uma família de classe média da capital pernambucana: seu pai era policial, e sua mãe, dona de casa. Além de Paulo, o casal teve mais dois filhos e uma filha. Por ser estudioso, Paulo fez os primeiros estudos em escola pública oficial e foi bolsista do Colégio Oswaldo Cruz, uma instituição bastante progressista para a época, pois tinha turmas mistas entre meninos e meninas (quando a maioria dos colégios separava os gêneros), não cobrava o uso de farda e recebia estudantes de todos os credos religiosos, tendo alunos católicos, protestantes, judeus, muçulmanos e espíritas.

Paulo Freire não só estudou no Oswaldo Cruz, como também trabalhou na instituição, primeiro como assistente de ensino e, após sua formação em Direito, como professor de Língua Portuguesa. Depois de graduado em Direito, Freire percebeu que a advocacia não era a sua vocação, quando perdeu sua primeira causa e viu um dentista perder seu consultório por não conseguir pagar ao banco o empréstimo feito para iniciar seu trabalho na odontologia.

  • Primeiras experiências com a alfabetização

Freire casou-se com sua primeira esposa, a professora Elza Maia Costa de Oliveira, em 1944, permanecendo casado até o falecimento de Elza, em 1986. Em 1947, o professor assumiu a direção do Departamento de Educação e Cultura do SESI, o Serviço Social da Indústria. Foi lá que ele iniciou seu trabalho de alfabetização de jovens e adultos. Freire ficou no cargo de gestão no SESI até 1959, quando foi aprovado em um processo seletivo para ocupar a cadeira de História e Filosofia da Educação na Escola de Belas Artes da Universidade de Recife. Para vencer a cátedra, Freire apresentou à banca a tese que ficou conhecida como o primeiro livro sobre educação publicado pelo autor: Educação e Atualidade Brasileira.

Em 1961, o filósofo brasileiro tornou-se diretor do Departamento de Extensões Culturais da Universidade de Recife. Como projeto de extensão, ele criou um programa de alfabetização de adultos que atendia jovens e adultos de baixa renda das periferias de Recife e, posteriormente, dos interiores de Pernambuco.

Toda a experiência acumulada por Freire e o trabalho de extensão promovido pela universidade culminaram em uma experiência marcante na cidade de Angicos, um município que se situa a 171 quilômetros de distância da cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Foi nesse município que Freire conseguiu, pela primeira vez, a façanha de alfabetizar uma turma de adultos em cerca de 40 horas.

Era um método barato e que requeria apenas alguém apto a alfabetizar e uma sala que permitisse a reunião entre docentes e discentes. Até então, os métodos de alfabetização eram voltados mais para crianças e se concentravam em um eixo de trabalho que privilegiava a apreensão enfática das letras e dos fonemas.

Paulo Freire inovou ao pensar que os seus estudantes eram seres de direito e com vivências prévias riquíssimas. Alguns deles possuíam mais experiência de vida que os professore e as professoras, e essa experiência era válida. Era preciso que o educador e a educadora olhassem para a riqueza cultural de seus estudantes e que partissem daquele lugar, sem desconsiderar a realidade de quem estava ali para ser alfabetizado.

Também era necessário que utilizassem palavras que fizessem sentido para aquelas pessoas, que estivessem no cotidiano delas. Foi pensando assim que Paulo Freire captou as palavras presentes no léxico comum daquelas pessoas: trabalho, labuta, enxada, terra, seca, comida… Com isso, Freire unia a alfabetização à consciência de classe, o aprendizado da leitura com o aprendizado de questões fundamentais para a formação cidadã e política.

Paulo Freire em 1963.

Logo a experiência de Freire começou a despertar a desconfiança e até a ira em Angicos. Quando o método de alfabetização entrava para o Plano Nacional de Alfabetização, instaurado pelo governo do presidente João Goulart, com Paulo Freire assessorando a direção do plano, fazendeiros e empresários do Rio Grande do Norte se colocaram contra Freire. Acusaram-no de propagar as ideias do comunismo (ele era assumidamente comunista), mas o motivo real foi outro. Inspirados pelo que tinham aprendido nos círculos de cultura promovidos pelo projeto de Paulo Freire, operários de uma obra em Angicos se recusaram a trabalhar enquanto não tivessem seus direitos estabelecidos pela CLT garantidos. Os direitos eram salário mínimo, respeito à jornada semanal e diária de trabalho, hora extra para quando extrapolassem a jornada e descanso semanal remunerado. Bastou o burburinho gerado por essa greve espontânea para que pessoas poderosas passassem a desconfiar e até odiar o trabalho de Paulo Freire.

Veja também: Karl Marx – pensador alemão responsável pela teoria comunista

  • Ditadura militar e exílio

O ano de 1964 encerrou as atividades de alfabetização de Paulo Freire no Brasil. Em abril desse ano, o Plano Nacional de Alfabetização foi cancelado pelo presidente, o general Humberto de Alencar Castello Branco, recém-empossado por meio de um golpe militar.

Paulo Freire e outras lideranças ligadas ao projeto de Angicos foram presos. Freire passou 70 dias na prisão e, quando solto, foi exilado. No exílio o professor obteve reconhecimento por seu currículo impecável. Exilou-se no Chile e lá coordenou e assessorou projetos de alfabetização de adultos. Lecionou como professor convidado na Universidade de Harvard, entre 1969 e 1970. Também em 1970 participou como consultor e coordenador emérito do Conselho Mundial de Igrejas.

Vários projetos de alfabetização de adultos foram implementados pelo CMI no mundo, e Paulo Freire esteve à frente deles, percorrendo mais de 30 países. Suas experiências mais significativas, algumas relatadas em livros, artigos e correspondências de Freire, ocorreram em Guiné-Bissau e Moçambique.

  • Retorno do exílio

Em 1980, Freire retornou ao Brasil. O conjunto de sua obra, contando principalmente com Pedagogia do Oprimido, obra já amplamente difundida fora do Brasil na década de 1980, rendeu-lhe um título de doutorado acadêmico em educação por notório saber (ele apenas apresentou o trabalho a uma banca). Ele passou a lecionar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e na Universidade de Campinas (Unicamp).

Freire ficou viúvo em 1986 de Elza, mãe de seus cinco filhos. Em 1988, ele se casou com Ana Maria de Araújo, com quem ficou até a sua morte, em 1997. Com a retomada da carreira de Freire no Brasil, ele se tornou uma espécie de celebridade na educação, justamente pelo reconhecimento de seu trabalho aqui e enquanto esteve fora. Entre 1989 e 1992, ele ocupou a direção da Secretaria Municipal de Educação da Cidade de São Paulo, durante a gestão da então prefeita, Luiza Erundina. Na época, Erundina era filiada ao PT.

Paulo Freire continuou escrevendo e lecionando, concedeu entrevistas na grande mídia e participou de palestras e cursos de formação de professores até a sua morte, em 1997. Estima-se que cerca de 350 escolas e outras instituições no mundo ligadas à educação, cultura ou leitura levem o nome de Paulo Freire como forma de homenageá-lo. Em 2012, foi sancionada a Lei 12.612/12, de projeto original da então deputada federal Luiza Erundina, em 2005, que reconheceu Paulo Freire como o patrono da educação brasileira.

Alfabetização

Para que um persistente equívoco não seja perpetuado, evitarei utilizar a palavra método para me referir ao trabalho de Paulo Freire. Isso porque, nos últimos anos, observamos pessoas atacando a memória de Freire, dizendo que o fracasso da educação brasileira se deve à aplicação do método freiriano nas escolas. Acontece que não há um método freiriano sendo aplicado nas escolas, pois o único método que Paulo Freire deixou foi um método de alfabetização de jovens e adultos, aquele que alfabetizava em 40 horas. Isso foi significativo na época por dois motivos:

  • porque era barato, custando em torno de 36 dólares por aluno, com a equipe subsidiada pela iniciativa privada e pelas universidades.
  • porque a maior parte da população brasileira ainda era analfabeta e isso entravava o crescimento industrial do país, além da alfabetização ser requisito necessário para os cidadãos votarem e participarem da política naquela época.

Para não falar de método, usaremos aqui o termo reflexão. O que Freire promoveu foi uma visão crítica e profunda reflexão sobre as bases da educação brasileira (e também mundial). No entanto, foram nos países explorados pela colonização que ele enxergou uma maior força nas estruturas de dominação e de perpetuação do poder. A educação fornecida até então era, segundo Freire, uma educação bancária, que apenas depositava no educando uma série de informações sem significado para ele. Era apenas uma maneira de violentar a vivência intelectual anterior dos educandos e essa educação perpetuava a lógica da dominação comum no sistema capitalista. Não era uma lógica educacional emancipadora, mas dominadora.

É nesse sentido que podemos alocar a seguinte frase de Freire, escrita em seu artigo A importância do ato de ler: “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele”|2|. Isso significa que ler palavras não faz sentido se antes você não souber ler o mundo. Criar um cidadão emancipado é muito mais do que ensinar a ler e escrever, simplesmente. Criar um cidadão emancipado é ensinar a ler, a escrever, a dialogar, a respeitar o espaço de fala do outro, a ouvir, a se posicionar, inclusive de maneira incisiva (se necessário). É ensinar a ter empatia, é ensinar a lutar pelos direitos, é mostrar a ele a consciência de classe e a entender como se dão as relações de poder, para que ele evite a perpetuação dessas estruturas.

O que se tem chamado de doutrinação marxista nas salas de aula, uma acusação infundada de setores conservadores, é apenas um ataque raso à prática docente que visa conscientizar a respeito da atual estrutura de poder. Somente sairemos do abismo educacional, institucional, político e cívico que nos encontramos no dia em que pararmos para analisar a potência das reflexões e dos ensinamentos que Freire deixou para o nosso tempo.

Veja também: Florestan Fernandes – importante sociólogo do Brasil

Obras de Paulo Freire

É impossível falar sobre todos os escritos de Freire neste texto. São mais de 40 livros publicados, fora entrevistas, artigos acadêmicos, artigos publicados em veículos de grande circulação e transcrição de cursos, palestras e entrevistas em emissoras de rádio e TV. Selecionamos aqui os principais livros, aqueles que condensam grande parte do pensamento de Paulo Freire.

  • Pedagogia do Oprimido: logo que Paulo Freire foi para o exílio no Chile, ele começou a redação de Pedagogia do Oprimido. É uma obra que visa mostrar as bases da educação tradicional (bancária) na lógica da opressão e da legitimação da opressão. A tese central do livro é a de que um mundo mais justo e um país mais desenvolvido somente são possíveis com a transformação dessa lógica bancária da opressão em uma lógica da emancipação.
  • Educação como prática da liberdade: segundo livro escrito no exílio, faz uma autocrítica ao perceber que ele não propôs algo concreto. A tese é a de que é necessária uma atuação incisiva para transformar a sociedade de fato.
  • Pedagogia da Autonomia: é uma espécie de manual básico para o educador que quer propagar a educação da emancipação e da autonomia e sair da lógica da educação bancária.

Frases de Paulo Freire

  • “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.”
  • “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele.”
  • “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens educam-se entre si, mediatizados pelo mundo.”
  • “A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria.”
  • “Não existe docência sem discência.”

Notas

|1| Confira os dados clicando aqui.

|2| FREIRE, P. A importância do ato de ler. 23 ed. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989. p. 11.

Crédito da imagem

[1] Slobodan Dimitrov / Commons

Publicado por Francisco Porfírio
Matemática do Zero
Matemática do Zero | Média Aritmética
Nessa aula veremos como calcular a média aritmética simples e a média aritmética ponderada de uma amostra.
Outras matérias
Biologia
Matemática
Geografia
Física
Vídeos