Governo Dutra

O Governo Dutra inaugurou o período da Quarta República Brasileira e foi caracterizado por uma política de perseguição ao comunismo e organizações trabalhistas.
Eurico Gaspar Dutra foi o primeiro presidente da Quarta República e governou o Brasil de 1946 a 1951*

O Governo Dutra foi caracterizado por ter sido o governo que iniciou o período da Quarta República brasileira. Esse período iniciou-se em 1945 e estendeu-se até o golpe militar que aconteceu em 1964. O governo de Dutra foi caracterizado pelo alinhamento do Brasil como aliado incondicional dos EUA na Guerra Fria e pela perseguição aos movimentos trabalhistas e aos comunistas.

Surgimento de novos partidos políticos e as eleições de 1945

No início de 1945, como resposta à pressão política que sofria, Getúlio Vargas realizou o decreto do Ato Adicional. Com isso, Vargas convocou eleições presidenciais para o final de 1945 e estabeleceu as condições para o surgimento de partidos políticos no Brasil – algo que estava proibido desde o início do Estado Novo, em 1937.

A vida política brasileira ao longo da Quarta República iniciou-se a partir dos partidos que foram criados após o Ato Adicional. Ao longo dos 21 anos desse período, os quadros da política brasileira foram ocupados, majoritariamente, por três partidos. É importante pontuar que existiam outros partidos – menores, claro – além dos três principais.

O primeiro grande partido que atuou durante o período da Quarta República foi a União Democrática Nacional (UDN). A UDN surgiu como oposição ao legado político do getulismo, e em sua fundação agrupou um quadro heterogêneo formado por representantes da burguesia comercial e industrial, classes médias urbanas, além de socialistas democratas e dissidentes do comunismo.

No entanto, na medida em que sua postura política consolidou-se, todos os socialistas e dissidentes comunistas abandonaram o partido. A UDN consolidou-se como um partido conservador que evocava um discurso moralista contra a corrupção e que possuía uma forte tendência anticomunista e antigetulista. Ao longo da Quarta República, a UDN esteve no centro das crises políticas, defendendo, muitas vezes, medidas golpistas que iam contra a legalidade constitucional.

Outro partido importante desse período foi o Partido Social Democrático (PSD). Esse partido estruturou-se a partir da burocracia criada por Getúlio Vargas durante o Estado Novo. Foi criado pelos interventores aliados de Vargas e, ao longo da Quarta República, mostrou-se muito eficiente em estruturar uma rede de acordos e favores políticos, o que lhe permitiu eleger grande quantidade de políticos, tornando-se o maior partido desse período.

O terceiro grande partido desse período foi o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O PTB foi criado pelo próprio Getúlio Vargas para manter sua política de aproximação com os trabalhadores urbanos e as lideranças sindicais. Vargas aproveitou-se do movimento espontâneo do Queremismo para engrossar as fileiras de seu partido. Ao longo da Quarta República, o PTB alinhou-se com uma política democrática mais à esquerda.

Outros partidos menores desse período eram: o Partido Social Progressista (PSP), encabeçado por Ademar de Barros – um influente político paulista da época; o Partido Democrata Cristão, que representava a centro-direita; e, por fim, um partido que atuou como quarta força da política brasileira entre 1945 e 1947: o Partido Comunista do Brasil.

Com a aproximação das eleições, os candidatos à presidência foram postulando-se. Concorreram na eleição de 1945 os seguintes candidatos:

  • General Eurico Gaspar Dutra (PSD/PTB)

  • Brigadeiro Eduardo Gomes (UDN)

  • Iedo Fiúza (PCB)

Durante a campanha eleitoral, a candidatura de Eduardo Gomes parecia ser a favorita e a mais consistente. Havia um forte desânimo instalado no PSD e PTB sobre as possibilidades de vitória, mas um deslize cometido por Eduardo Gomes destruiu sua candidatura e reforçou o apoio dos trabalhadores à candidatura de Eurico Gaspar Dutra.

O deslize cometido por Eduardo Gomes ocorreu aproximadamente um mês antes das eleições durante um discurso no Theatro Municipal, no Rio de Janeiro. Nesse discurso, Eduardo Gomes afirmou que não precisava dos votos dos getulistas e referiu-se aos defensores de Getúlio Vargas como “uma malta de desocupados”|1|.

A fala de Eduardo Gomes foi distorcida pelos queremistas, que passaram a afirmar que ele não queria o voto dos marmiteiros. A expressão marmiteiro era utilizada na época em referência ao trabalhador urbano pobre. A repercussão foi extremamente negativa, e os trabalhadores mobilizaram-se para boicotar a candidatura do udenista.

Somado a isso, o apoio de Vargas à candidatura de Eurico Gaspar Dutra no dia 28 de novembro de 1945 – às vésperas das eleições – deu mais força ainda para o candidato do PSD. O resultado foi uma vitória folgada de Eurico Gaspar Dutra, que recebeu 55% dos votos do eleitorado contra 35% de Eduardo Gomes e 10% de Iedo Fiúza.

Governo Dutra

O primeiro ato de destaque do governo de Eurico Gaspar Dutra foi a formação de uma Constituinte que trabalhou na elaboração de uma nova Constituição para o Brasil. A Constituição foi promulgada no dia 18 de setembro de 1946, após meses de elaboração, e foi responsável por trazer parcialmente de volta direitos políticos e democráticos aos cidadãos brasileiros.

A Constituição de 1946 foi elaborada sobre grande influência de juristas e políticos antigetulistas, que aplicaram na Constituição uma série de princípios liberais. Cabe também mencionar que a Constituição de 1946 recebe algumas críticas dos historiadores pelos seguintes fatores:

  • Ampliou o acesso à democracia, no entanto, não de maneira satisfatória, uma vez que os analfabetos não tinham direito ao voto;

  • Continuou excluindo os trabalhadores rurais dos direitos trabalhistas conquistados pelos trabalhadores urbanos na primeira metade da década de 1940;

  • Criou mecanismos que davam ao governo a possibilidade de restringir o direito à greve do trabalhador.

As principais ações tomadas por Dutra durante o seu governo estavam diretamente relacionadas com o contexto da Guerra Fria. Com a bipolarização do mundo em dois blocos hegemônicos, o governo brasileiro alinhou-se incondicionalmente como aliado dos Estados Unidos e do bloco capitalista. Assim, internamente, iniciou-se uma forte repressão contra organizações políticas e de trabalhadores que se alinhavam com a esquerda e o comunismo.

Assim, as ações de Dutra nesse sentido levaram ao rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e União Soviética em 1947. Posteriormente, o governo brasileiro colocou o Partido Comunista do Brasil na ilegalidade a partir de um dispositivo da Constituição contra partidos “antidemocráticos”. Por fim, no começo de 1948, os políticos eleitos pelo PCB tiveram seus mandatos políticos cassados.

A política de perseguição aos comunistas também foi utilizada pelo governo como justificativa para intervenções nos sindicatos e repressão aos movimentos trabalhistas. Ao todo, o governo Dutra interveio em 143 sindicatos e estipulou condições extremamente rígidas para a realização de greves. Isso gerou fortes críticas ao governo na época, sobretudo na limitação do direito à greve.

Na economia, a postura do governo Dutra pode ser resumida a partir da seguinte afirmação do historiador Thomas Skidmore:

A história econômica da presidência de Dutra pode ser dividida em duas fases: 1946-7 e 1947-50. O primeiro período testemunhou uma tentativa de retorno aos princípios do liberalismo do tipo laissez-faire, política abalada pela rápida exaustão das reservas de divisas estrangeiras do Brasil e pelo consequente débito na balança de pagamentos em 1947. A reintrodução de controles cambiais em junho de 1947 marcou o início da transição para o segundo período, que viu uma aceleração da “industrialização espontânea” e uma virada rumo a formas rudimentares de planejamento geral dos gastos federais|2|.

De maneira resumida, o governo Dutra optou por uma política liberal em seus primeiros anos, nos quais houve incentivo às importações como forma de combater a alta da inflação. As importações sem regulamentação fizeram com que as reservas cambiais do nosso país fossem reduzidas de 708 milhões de dólares (1945) para 92 milhões de dólares (1947), forçando o governo a alterar sua política econômica |3|.

Com a alteração da política econômica, o governo impôs maior controle sobre as importações, delimitando-as a itens como maquinário e combustíveis, por exemplo. Quanto aos itens de consumo básico, o governo indiretamente incentivou a produção interna para abastecimento do nosso mercado e isso se refletiu como incentivo à industrialização do Brasil. Os historiadores, no entanto, concordam que essa industrialização foi um reflexo não deliberado das novas medidas para a economia.

Mais ao fim de seu governo, Dutra propôs a criação do Plano Salte, que estipulava a priorização de investimentos para as áreas de saúde, alimentação, transporte e energia. O plano mal saiu do papel, mas, de qualquer forma, a mudança na política econômica após 1947 refletiu-se em um crescimento anual médio de 8% |4|. Um ponto negativo notável da política econômica de Dutra foi o fracasso no combate do aumento do custo de vida, sobretudo nas grandes capitais brasileiras.

|1| SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 395.
|2| SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio a Castello (1930-64). São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 103.

|3| Idem, p. 104.
|4| FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2013, p. 344.

*Créditos da imagem: Rook76 e Shutterstock

Publicado por Daniel Neves Silva

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