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Carolina Maria de Jesus

Carolina Maria de Jesus foi uma escritora negra brasileira que relatou em seus livros as condições de miséria da favela e do lixão na primeira metade do século XX.
Retrato de Carolina Maria de Jesus.
Retrato de Carolina Maria de Jesus.[1]

Carolina Maria de Jesus é uma das primeiras autoras negras publicadas no Brasil e teve sua vida atravessada pela miséria e pela fome. Favelada e catadora de papel, narrou em seus escritos a vida dura que teve desde a infância.

Além de instrumento de denúncia social produzido por alguém que efetivamente vivia nessas condições de vida devastadoras, suas mais de cinco mil páginas manuscritas, entre romances, contos, crônicas, poemas, peças de teatro, canções e textos de gênero híbrido, dotadas de estilo próprio, confrontam os ditames da tradição literária e da norma padrão culta da língua. Carolina foi publicada em mais de 40 países e traduzida para 14 línguas.

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Biografia de Carolina Maria de Jesus

Natural da cidade de Sacramento, sudeste de Minas Gerais, Carolina Maria de Jesus nasceu em 14 de março de 1914. De origem muito humilde, era neta de escravos e uma entre os oito filhos de uma lavadeira analfabeta. Desde criança manifestava o desejo intenso de aprender a ler e a curiosidade incessante sobre o mundo — tudo perguntava, tudo queria saber.

Incentivada por uma das freguesas de sua mãe, Carolina ingressa aos sete anos no Colégio Alan Kardec. Cursa a primeira e a segunda séries do primário, mas teve que deixar a escola, pois a mãe não conseguia mais manter a si e aos filhos na cidade e resolveu mudar-se para a roça. Moraram ainda em diversos outros lugares, como Ubatuba, Franca e Ribeirão Preto, sempre lidando com dificuldades. Passaram fome, frio, não tinham onde morar.

Carolina chegou a São Paulo em 1937. Sua rebeldia natural fazia com que não se adaptasse ao trabalho de empregada doméstica. Em 1948, engravidou de um português, que a abandonou. Na época, ninguém dava emprego para mãe solteira e Carolina foi morar na rua. Foi então que chegou à favela do Canindé: o governador paulista Adhermar de Barros mandara recolher todos os mendigos pelas ruas e despejá-los num grande terreno à margem esquerda do rio Tietê.

Construiu seu próprio barraco, onde nasceram seus três filhos, João José (1948), José Carlos (1950) e Vera Eunice (1953), cada um de um relacionamento diferente. Carolina dizia que homem algum ia entender sua necessidade literária, pois estava sempre às voltas com os livros, os lápis, os cadernos, onde registrava tudo o que lhe cercava.

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Foi no Canindé que seu talento foi descoberto: um jornalista estava no local, em busca de material para uma reportagem sobre a favela, que crescia acentuadamente. Viu Carolina ralhando com um bando de marmanjos que não queriam desocupar o parquinho, ameaçando colocar o nome deles em seu livro. O jornalista quis saber que livro era esse e percebeu ali o talento da escritora. Publicou algum dos escritos no jornal e reuniu os outros em Quarto de despejo, lançado em 1960.

A partir de então, Carolina conheceu o sucesso e a ascensão social, sendo convidada para diversas entrevistas e viagens, e virou assunto entre escritores de renome, como Rachel de Queiroz e Manuel Bandeira. Lançou mais dois livros e gravou um LP com canções de sua autoria. Foi traduzida para diversos idiomas e conhecida em inúmeros países. Saiu finalmente da favela e mudou-se para uma casa no bairro de Santana.

Entretanto o lampejo da fama durou pouco: em suas próprias palavras, Carolina tinha virado um artigo de consumo, alguém que é vista com curiosidade, mas descartada depois que a moda passa. Teve de voltar à condição de catadora de papel para garantir sua sobrevivência.

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Morte

Carolina Maria de Jesus morreu no dia 13 de fevereiro de 1977, com 63 anos, cansada, asmática, esquecida pelo mercado editorial, morando num sítio em Parelheiros. Os livros publicados depois de Quarto de despejo não tiveram o sucesso do primeiro. O descaso fez com que a autora fosse preterida pelo cânone literário, mas a magnitude de seu trabalho criativo ressurge, nos últimos anos, devolvendo-lhe o epíteto de grande escritora que ela sempre soube ser seu.

Obras publicadas

  • Em vida

Quarto de despejo: diário de uma favelada (1960)

Casa de alvenaria: diário de uma ex-favelada (1961)

Pedaços da fome (1963)

Provérbios (1965)

  • Publicações póstumas

Diário de Bitita (1986)

Meu estranho diário (1996)

Antologia pessoal (1996)

Onde estaes felicidade? (2014)

Autora prolífica de diversos gêneros textuais, Carolina morreu deixando muitos manuscritos que, até os dias de hoje, não foram publicados.

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Quarto de despejo: diário de uma favelada

Livro de estreia da autora, foi o que lhe rendeu a fama e a importância em nossa literatura. Escrito em papéis que coletava dos lixos e das ruas da metrópole, separados entre os outros materiais recicláveis que garantiam o seu sustento, Quarto de despejo é um compilado dos diários da vida de Carolina, e reverbera em suas páginas a dureza da fome, o cheiro do lixo, a existência de tantos brasileiros que vivem em meio à miséria e aos dejetos:

“Quando estou na cidade tenho a impressão que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de viludo, almofadas de sitim. E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo.” (Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo, 1960, p. 37)

Ao quarto de despejo destina-se aquilo que não se quer mais, aquilo que se afasta dos olhos, que é descartável, indesejado. O livro revela ao leitor as condições degradantes de quem vive das sobras, num contexto de extrema pobreza na favela do Canindé, onde humanos conviviam com ratos e abutres, e o rio Tietê, muito próximo, tantas vezes inundava os barracos com lixo e dejetos.

Carolina Maria de Jesus autografando o livro Quarto de despejo.[1]
Carolina Maria de Jesus autografando o livro Quarto de despejo.[1]

A sujeira é um tema constante, junto com a pobreza, a fome e o racismo: sem dinheiro nem para comprar sabão, Carolina expõe o preconceito existente dentro da favela — um dos moradores chama-a de “preta imunda e vagabunda” —, desfazendo, entre muitos outros exemplos, o estereótipo do favelado unido e fraterno.

Ela mesma sentia-se superior por guardar entre seus pertences livros como Os miseráveis, de Victor Hugo, Éramos seis, de Leandro Dupré, e Primaveras, de Casimiro de Abreu, e acreditava vingar-se de seus vizinhos: porque era preta, favelada e miserável, mas escritora.

 “Eu sou negra, a fome é amarela e dói muito. [...] E assim no dia 13 de maio eu lutava contra a escravatura atual — a fome!”, diz a autora. A luta constante para conseguir dar de comer aos filhos e alimentar-se repete-se incessantemente, dividindo espaço com os acontecimentos da favela: a prostituição, os efeitos destruidores do álcool, a constante violência de homens que espancam suas esposas e o quanto essas mesmas esposas espancadas criticavam Carolina por esta não querer casar-se.

Quarto de despejo tornou-se um best seller, ultrapassando a venda de 10 mil exemplares em uma semana, tendo oito edições no ano de seu lançamento. Foi traduzido para 16 idiomas, publicado em 46 países e é um importante meio de denúncia de um Brasil extremamente desigual, uma tentativa literária de escapar a condições de vida sem o mínimo necessário para a sobrevivência, retrato lúcido de um país racista, esfomeado e sombrio, que não aparecia na grande mídia.

Créditos de imagens

[1] Domínio Público / Acervo Arquivo Nacional

Publicado por Luiza Brandino
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