Movimento sufragista
O movimento sufragista foi um amplo movimento ocorrido em vários países democráticos do mundo, entre o fim do século XIX e o início do século XX, para organizar a luta das mulheres pelo direito ao sufrágio (voto). O sufrágio feminino foi negado no início das eras democráticas, em razão de uma organização sexista da política, que mantinha o domínio político nas mãos dos homens e excluía as mulheres com base na prerrogativa preconceituosa de que as mulheres eram incapazes de atuar no meio político.
O movimento sufragista também representou a primeira onda do feminismo, luta histórica pela igualdade de gênero, que buscava, em sua primeira fase, garantir às mulheres o direito ao voto.
Veja mais: Intolerância religiosa: uma forma de preconceito por conta da religião
História das sufragistas
A Europa viu florescer as suas primeiras democracias já nos séculos XVII (Inglaterra) e XVIII (França). Os Estados Unidos também era um país democrático desde a sua independência. Nesses países, o absolutismo (no caso da França e da Inglaterra) e o colonialismo (no caso dos Estados Unidos) deram seus lugares aos sistemas parlamentar e republicano de organização política. Nesses sistemas democráticos, o corpo político é eleito por um corpo de cidadãos. Os candidatos eleitos para ocupar os cargos políticos devem representar a população no governo.
Os ideais iluministas de pensadores como John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Alexis de Tocqueville, Charles de Montesquieu e Voltaire forneceram bases intelectuais para a onda democrática que começava a crescer no mundo ocidental a partir do século XVIII. No entanto, apesar da aparente democracia, vários grupos minoritários (não em volume, mas por serem minorias sociais – aquelas que não têm amplo acesso aos seus direitos) ficaram de fora da possibilidade de sufrágio. Entre esses grupos, estavam as mulheres e os analfabetos. Foi em meio a essa injustiça que algumas mulheres começaram a se rebelar e reivindicar o seu direito ao voto.
O movimento sufragista representou também a primeira onda do feminismo. As mulheres que haviam estudado – em geral, filhas da classe burguesa – estavam reivindicando os direitos femininos à educação, ao trabalho em suas áreas de formação (vale lembrar que as mulheres pobres já trabalhavam nas indústrias e nas manufaturas há pelo menos 200 anos), ao divórcio e à participação política. O movimento sufragista foi o ápice dessa luta e, por isso, marcou a história do feminismo como o primeiro grande movimento pela luta contra o sexismo e a favor da igualdade de gênero.
O primeiro país democrático a reconhecer o direito ao sufrágio feminino foi a Nova Zelândia, no ano de 1893. Esse direito somente foi reconhecido após uma intensa luta liderada pela feminista neozelandesa Kate Sheppard. Seguindo o caminho de Sheppard e da conquista das mulheres neozelandesas, iniciou-se um intenso movimento pelo sufrágio feminino na Inglaterra no ano de 1897, que, após radical intensificação e anos de luta, conquistou o direito ao voto feminino no ano de 1918. A partir daí, mulheres de todo o mundo passaram a reivindicar o seu direito ao voto em seus países.
No ano de 1897, a militante inglesa Millicent Fawcett fundou a União Nacional pelo Sufrágio Feminino. No início do movimento, a luta e a militância ainda eram pequenas, se comparadas com o que veio nos anos seguintes, sobretudo a partir de 1903. As sufragistas entregavam cartas e pedidos formais de participação na política nas assembleias legislativas, sendo sempre ignoradas. Essa primeira parte do movimento sufragista e do movimento feminista foi chamada de onda do feminismo liberal, pois era composta por mulheres da classe média e alta que queriam a sua liberdade financeira e econômica, além da participação política com o voto.
A partir do ano de 1903, a luta feminista sufragista intensificou-se com a adesão de mulheres trabalhadoras e representantes das classes mais baixas. Foi nesse ano que a ativista política Emmeline Pankhurst, que já militava pelo sufrágio desde o século XIX, fundou a WSPU (Women’s Social and Political Union – União Social e Política das Mulheres). A luta sufragista saiu, a partir de então, da luta estritamente judicial e passou para uma luta direta, composta por campanhas publicitárias, greves, manifestações não violentas e manifestações violentas.
Em 1906, a Finlândia aprovou o sufrágio feminino, e as britânicas estavam mais fortes e unidas do que nunca. Na Inglaterra, as prisões tornaram-se rotineiras na vida das sufragistas mais ativas. Emmeline Pankhurst foi presa, ao menos, oito vezes. Outro nome de destaque da WSPU, a sufragista Anne Kenney, também foi presa diversas vezes.
Somaram-se os anos de luta feminista e o fim da Primeira Guerra Mundial, na qual grande parte dos homens ingleses entre 18 e 50 anos morreu ou ficou incapacitada, para que o direito das mulheres fosse reconhecido. A Inglaterra precisava da força de suas mulheres para reerguer-se economicamente e esse fator foi decisivo para que o voto feminino e o direito de participação ativa em cargo político fossem atendidos.
Após o sucesso das sufragistas inglesas, várias mulheres lideraram movimentos sufragistas pelo mundo. No Brasil, o direito ao voto feminino foi reconhecido em 1932. A última das grandes potências modernas liberais europeias a reconhecer tal direito foi a França, no ano de 1945.
Leia também: Hannah Arendt: a biografia dessa filósofa política perseguida pelos nazistas
Como o movimento sufragista atuava
A partir da criação da União Social e Política das Mulheres, em 1903, as ações das sufragistas ficaram mais radicais e intensas. Elas tinham quatro frentes de ação: campanhas publicitárias, manifestações não violentas, manifestações violentas e greves. As agremiações sindicais ligadas a movimentos ideológicos de esquerda, como o marxismo e o anarquismo, foram importantes aliadas na luta das sufragistas, pois as lideranças sindicais tinham uma maior capacidade de mobilização da massa de trabalhadoras para greves.
As sufragistas reuniam-se e traçavam planos de manifestação, como a inserção de piquetes nas ruas para bloquear o trânsito de pedestres e carruagens. Elas também promoveram quebras de vidraças, incêndios e, em quase todas as vezes, havia confrontos com a polícia. Elas também faziam manifestações não violentas, como greve de fome.
É certo que, de tantos confrontos com a polícia, muitas sufragistas foram presas. As lideranças do movimento foram presas várias vezes, pois havia uma ordem governamental de frear o movimento, e as autoridades usavam as manifestações públicas para impor sobre as sufragistas o estigma de arruaceiras.
A radicalidade nas ações era necessária. Antes da criação da União Social e Política das Mulheres, a luta acontecia apenas no âmbito intelectual, jurídico e político. O máximo que era feito era a publicação de artigos defendendo o sufrágio feminino em jornais e a entrega de ofícios requerendo a discussão do sufrágio feminino nas assembleias legislativas. Esses ofícios eram, na maioria das vezes, ignorados.
A entrada de mulheres mais radicais no movimento, muitas delas trabalhadoras sem educação formal, mas com consciência política (e cansadas do sofrimento diário da lida com as injustiças cometidas por questões de gênero – as mulheres das classes trabalhadoras trabalhavam mais e ganhavam menos, além de sofrerem constantes assédios e, muitas vezes, estupros em seu local de trabalho), causou a intensificação que o movimento precisava para gerar resultados.
No ano de 1913, a ação extrema de uma sufragista causou a sua morte, tornando-a mártir do movimento. A professora e militante sufragista Emily Davison (assim como algumas sufragistas e diferente de muitas, Davison recebeu educação formal, cursou o ensino superior e atuou como professora) resolveu tomar uma ação extrema: no dia 4 de junho de 1913, a ativista jogou-se em frente ao cavalo do Rei Jorge V em uma pista de corrida de cavalos do circuito Derby Epson Downs.
A intenção de Davison era chamar a atenção da Coroa e das pessoas para a causa sufragista. Quatro dias após o ocorrido, Davison morreu em decorrência dos ferimentos causados pelo atropelamento do cavalo de corrida. Sua ação não só chamou a atenção da Coroa e das pessoas, como também uniu ainda mais as sufragistas.
Leia também: Feminicídio – tudo sobre o homicídio de mulheres com base em violência doméstica ou discriminação de gênero
Movimento sufragista de 1920
Nos Estados Unidos, as mulheres conquistaram o direito ao voto em 1920. O movimento sufragista teve, por lá, forte inspiração inglesa, mas as primeiras raízes remontam ainda ao século XIX, com intelectuais norte-americanas que começaram a questionar o sistema patriarcal, que as impedia de ter os mesmos direitos que os homens. No fim do século XIX, já somavam aos movimentos pela igualdade de gênero trabalhadoras e mulheres negras. As questões raciais fizeram surgir também movimentos de mulheres negras buscando a igualdade de gênero e a igualdade racial.
O movimento feminista norte-americano, que buscava a igualdade de gênero e, consequentemente, o sufrágio feminino, foi muito mais pacífico que o movimento inglês. As norte-americanas faziam convenções e reuniões políticas e pressionavam governantes e legisladores com documentos, ofícios e propostas de discussão do sufrágio feminino em assembleias.
Apesar da conquista do voto feminino ocorrer em 1920 nos Estados Unidos, alguns estados do país somente permitiram o voto de mulheres negras e homens negros na década de 1960.
Leia mais: Democracia racial: a suposta igualdade entre raças diferentes
Movimento sufragista na França
Em 1758, foi publicada na França a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, o primeiro documento de reconhecimento de Direitos Humanos. A intelectual francesa feminista (talvez uma das primeiras feministas da história ocidental moderna, desconsiderando a filósofa helenista Hypátia de Alexandria e a guerreira medieval Joana D’Arc) Olympe de Gouges escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã em resposta ao documento anterior que só incluía homens no dever e no direito cívico. Como consequência, a francesa foi decapitada na guilhotina por apresentar, segundo as autoridades francesas, um comportamento incompatível com o seu papel de mulher.
Com o fim da Revolução Francesa e a instauração do republicanismo, a França estabeleceu o sufrágio universal masculino, sendo o primeiro país republicano a fazer isso na Europa. Porém, dentre as principais nações europeias, a França foi a última a permitir o sufrágio feminino. As mulheres conquistaram o direito ao voto por lá apenas em 1945, após o término da Segunda Guerra Mundial.
Movimento sufragista no Brasil
O direito ao voto foi conquistado por aqui pelas mulheres em 1932, como parte das medidas de reforma eleitoral promulgadas por Getúlio Vargas. As mulheres sufragistas brasileiras faziam parte da elite intelectual e política brasileira, o que, de certo modo, facilitou a obtenção do direito ao voto.
Em 1928, na cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte, Celina Guimarães Viana conseguiu autorização na justiça para votar. A justificativa para a sua participação estava no Código Eleitoral do Rio Grande do Norte de 1926, que permitia o voto a quem reunisse as condições necessárias. A mulher era maior de idade, alfabetizada e não tinha pendências jurídicas, o que era o suficiente para que ela pudesse votar. O juiz que julgou o caso considerou a argumentação válida, e o então governador do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, concordou com a questão.
Em 1929, na cidade de Lajes, no Rio Grande do Norte, Alzira Soriano candidatou-se ao cargo de prefeita do município, com o apoio de Juvenal Lamartine. Alzira venceu as eleições e tornou-se a primeira mulher eleita para cargo político no Brasil.
A estudante de Direito Maria Ernestina Santiago Manso Pereira, mais conhecida por Mietta Santiago, descobriu que a proibição do voto feminino contrariava a Constituição de 1891, em vigor até então. Ela recorreu à Justiça e ganhou o direito de participação política. Candidatou-se à deputada federal, e o seu primeiro voto foi em si mesma.
Em 1931, Vargas anunciou a sua proposta de reforma eleitoral. Dentre as medidas alteradas, estava o sufrágio masculino e feminino, desde que o eleitor ou a eleitora fosse alfabetizado(a).