Boto-cor-de-rosa
O folclore brasileiro conta com a lenda do boto-cor-de-rosa, ser presente nos rios amazônicos que, segundo essa lenda, é capaz de se transformar em um homem galanteador, com o propósito de conquistar mulheres nas festas para, em seguida, engravidá-las e abandoná-las. A crença no boto como símbolo de luxúria pode se remeter a uma crença dos gregos antigos.
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Quem é o boto-cor-de-rosa?
O boto-cor-de-rosa é um ser que faz parte do folclore brasileiro, sendo protagonista de uma das lendas mais conhecidas na Região Norte do Brasil. Trata-se de um cetáceo encontrado nos rios amazônicos que, na lenda, assumiu uma conotação muito negativa, pois é responsável por seduzir mulheres, engravidá-las e abandoná-las.
É importante mencionar que a lenda do boto, como acontece com muitas lendas do folclore brasileiro, possui características regionalizadas que podem ter algumas diferenças dependendo do local do Brasil. De toda forma, entende-se que o boto-cor-de-rosa se transforma em um homem muito bonito, que dança bem e possui boa conversa.
Essas habilidades são usadas pelo boto para conquistar mulheres que ele encontra em festas. As diferentes versões da lenda falam que o boto vai atrás das mulheres em um período específico do ano: no período da Lua cheia, em junho, quando acontece as festas de Santo Antônio, São Pedro e São João. Entretanto, outras versões da lenda falam que o boto pode ser atraído por qualquer festa que é realizada nas cidades à beira do rio.
Nessas festas o boto se apresenta com roupas e sapatos brancos, além de um chapéu que faz parte de seu disfarce. O chapéu serve para tampar as narinas do boto, que ficam no topo da cabeça. Durante essas festas, o boto usa de suas qualidades para conquistar mulheres solteiras. Algumas versões falam que o boto busca mulheres virgens; outras, que ele vai atrás da mulher mais bonita da festa.
Uma vez que o boto seduz uma mulher, ele a leva para o fundo do rio ou para a beira do rio, detalhe que muda conforme a versão da lenda, e deita-se com ela. Dessa relação, a mulher acaba engravidando, mas é abandonada pelo boto, que, no fim da noite, retorna para o rio e a mulher nunca mais o vê.
Essa lenda ajudou a popularizar a crendice de que, quando uma mulher engravida e não sabe quem é o pai da criança ou então se vê abandonada pelo parceiro, é porque ela foi engravidada pelo boto, sendo a criança conhecida como filho(a) do boto.
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De onde veio a lenda do boto?
Muitos acreditam que a lenda do boto se baseou na cultura indígena, mas os estudiosos sabem que, até o século XVII, não havia registro de nenhuma lenda semelhante a essa na cultura indígena. Os primeiros registros sobre lendas e crendices envolvendo o boto-cor-de-rosa como símbolo amoroso datam do século XIX.
Sendo assim, acredita-se que de alguma forma as lendas tenham sido resultado de influências externas e que podem ter sido trazidas para a região pela influência da cultura europeia e, até mesmo, da cultura africana.. O que sabemos hoje sobre lendas relacionadas ao boto é que existe uma forte conexão com a forma como os gregos enxergavam os golfinhos. Tanto o boto quanto o golfinho são cetáceos, portanto pode haver uma continuidade na forma como esses animais são enxergados na tradição popular.
Para os gregos, o golfinho era um símbolo de luxúria que estava diretamente relacionado com o culto de Afrodite (conhecida como Vênus pelos romanos), a deusa do amor e beleza no mundo da Antiguidade clássica. Existem também relatos que apontam a existência de uma visão fetichizada do golfinho na cultura grega que o relacionava com falos e com os movimentos do ato sexual.
De alguma maneira que desconhecemos, essa visão de um cetáceo como símbolo de luxúria permaneceu e se manifestou na cultura popular. Os viajantes que passavam pelas regiões amazônicas chegaram a associar erroneamente lendas indígenas com o boto, conforme relatou o antropólogo Luís da Câmara Cascudo|1|.
A popularização de lendas que relacionavam o golfinho com a luxúria fez com que muitas crendices se espalhassem, como uma relatada por Luís da Câmara Cascudo que menciona que o olho seco do boto-cor-de-rosa servia como um amuleto amoroso |2|.
Notas
|1| CÂMARA CASCUDO, Luís da. Geografia dos mitos brasileiros. São Paulo: Global, 2012.
|2| CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Ediouro, s/d, p. 183.