Apólogo
O apólogo é um gênero literário geralmente escrito em prosa e com uma narrativa contendo eventos similares aos da vida real. Ele possui como uma de suas principais características a elevação das virtudes humanas, tais como a coletividade, a bondade, a paciência etc.
Com a presença de diversos fatores morais, o apólogo objetiva um texto literário voltado para a educação dos indivíduos, expondo e exaltando diversos traços vistos socialmente como positivos e rejeitando comportamentos considerados inadequados para o convívio em grupo.
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Resumo sobre apólogo
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O apólogo é uma alegoria moral com fins didáticos.
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Ele se estrutura conforme os textos narrativos, com a diferença de que apresenta um teor moralizante e a presença de objetos inanimados com características humanas.
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Estruturalmente, o apólogo é organizado em apresentação, complicação, clímax e desfecho.
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O apólogo dá características humanas a objetos inanimados. Já a fábula é conhecida por humanizar animais.
Características e estrutura de um apólogo
O apólogo é um texto narrativo que traz diversas lições éticas e morais em seu conteúdo. Por se tratar de uma produção literária, o apólogo segue algumas características em comum ao conto ou mesmo à fábula:
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o fato (o que vai ser narrado);
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o tempo (cronológico ou psicológico);
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o cenário (onde o fato ocorreu);
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personagens (os atores do fato que será narrado);
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clímax (momento de máxima tensão da narrativa);
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desfecho (resolução ou apenas encerramento da narrativa).
A lista acima apresenta uma série de elementos presentes no texto narrativo, seja ele um conto ou um romance. No entanto, o apólogo apresenta demonstra peculiaridades.
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Assim como os demais textos literários, apresenta fato, tempo, cenário, personagens, clímax e desfecho.
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Além dos elementos citados, o apólogo possui um teor moralizante em suas produções, com fins educativos — demonstrar a importância da amizade ou de planejar ações para evitar contratempos, por exemplo.
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A personificação ou prosopopeia, atribuição de características humanas a seres inanimados, é a figura de linguagem referência para o gênero.
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O apólogo é um texto de linguagem concisa. Sua narrativa é enxuta, com poucas informações, e direta. É muito comum que o apólogo apresente textos curtos, de uma ou de meia página.
Do ponto de vista estrutural, o apólogo organiza-se da seguinte forma:
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Apresentação: É o início da narrativa. Aqui são apresentadas as personagens e as informações relevantes para a construção do enredo (tempo, espaço etc.).
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Complicação: É o ponto em que as personagens são tiradas da “zona de conforto” e precisam agir. A complicação é o elemento em que a história propriamente dita acontece.
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Clímax: Trata-se do ponto mais alto da história, isto é, a prévia de algum grande acontecimento que vai levar a narrativa ao desfecho.
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Desfecho: É o encerramento. Aqui, no caso do apólogo e das fábulas, há uma lição moral.
Como fazer um apólogo?
Para criar um apólogo, é preciso ter bem definidos os personagens, o espaço e o tempo dentro de um determinado enredo. Em uma construção alegórica, a história precisa sair do ponto A (partida) e ir até o ponto B (chegada), trazendo ou uma significativa transformação moral ou uma curva de aprendizado gerada pela situação.
A proposta literária do apólogo é fazer com que os leitores se identifiquem com as situações abordadas, levando a um questionamento final sobre a conduta moral e ética acerca do assunto.
Assim, ao elaborar um apólogo, é preciso saber qual é o ensinamento ou conduta moral que se pretende incitar no público e, desse modo, escolher o melhor caminho para isso na composição narrativa.
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Exemplo de apólogo
A seguir, analisaremos alguns trechos do texto “Um apólogo”, de Machado de Assis.
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha: — Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma coisa neste mundo? — Deixe-me, senhora. — Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça. — Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros. — Mas você é orgulhosa. — Decerto que sou. — Mas por quê? — É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu? — Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu? — Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados... — Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando... — Também os batedores vão adiante do imperador. — Você é imperador? — Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto… |
No trecho acima, há o início do apólogo, com o diálogo entre uma agulha e um novelo de linha, as personagens. Nesse primeiro momento, explicita-se a complicação/conflito entre ambas. A agulha questiona a importância do novelo de linha, considerando-o esnobe. O novelo, em contrapartida, se defende, reforçando seu valor.
Nesse trecho, também é possível perceber uma característica fundamental do apólogo: a personificação de coisas (novelo e linha), isto é, a atribuição de características humanas a objetos, que falam, pensam, invejam um ao outro.
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha: — Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima. A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile. Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E quando compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe: — Ora agora, diga-me quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá. Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: — Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária! Um apólogo. Machado de Assis. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1980> |
Na parte final, percebemos que ambas as personagens são importantes no processo criativo da vestimenta. No entanto, ao final do trabalho, a agulha é guardada e o novelo compõe a peça de roupa. O clímax ocorre justamente nessa tensão entre ambas, e o desfecho é desanimador para a agulha, que não recebe nenhum crédito, apesar da importância que possui.
A lição moral, que vinha sendo construída de forma sutil na relação de importância entre agulha e novelo, conta, no fim, com frases explícitas que demarcam a intenção do autor: “Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanado a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária.”
O final expõe parte das relações humanas, personificadas nos objetos, isto é, embora um trabalho seja tão importante quanto outro, apenas poucos são reconhecidos.
Veja também: Conto — texto curto característico por possuir apenas um acontecimento relevante
Quais as diferenças entre fábula e apólogo?
O apólogo e a fábula são confundidos com frequência por possuírem algumas semelhanças. Ambos apresentam uma história concisa e de cunho moral. No entanto, na fábula geralmente há um espaço explícito no texto chamado “moral da história”, enquanto no apólogo a lição moral costuma ser mais sutil, conforme visto no exemplo.
Outra diferença é que as personagens no apólogo são seres inanimados — xícaras, agulhas e sapatos, por exemplo. Já a fábula apresenta seres vivos, como animais ou plantas. Em ambos os casos, as personagens demonstram características humanas, porém o que as diferencia são os seus tipos: objetos no apólogo e animais na fábula. Para saber mais sobre esse outro gênero, acesse: Fábula.